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EDITORIAL

Como a vitória de Trump repercute na terra do Brexit e de Jeremy Corbyn

Por: Vicente Marconi, de Londres (Grâ-Bretanha)

Enquanto o mundo acompanhava atônito a apuração das urnas nos EUA, a sensação entre os britânicos era de um certo déjà-vu. Poucos meses antes o país vivia um processo com bastante semelhanças, (e algumas diferenças): o referendo sobre o Brexit. Ainda não se tem muito claro qual será de fato a postura adotada pelo governo Trump, ou suas reais condições de implementá-la. Mas o perfil e o programa de sua candidatura apontam um caminho que deixou os britânicos preocupados sobre que ventos virão do outro lado do Atlântico. Um site humorístico ao estilo do “Sensacionalista” brasileiro fez sucesso nas redes sociais dizendo que os britânicos estavam aliviados – pois o grande “vexame” do ano ficava na mão dos eleitores americanos.

Assim como na eleição norte-americana, os principais segmentos da burguesia imperialista foram derrotados nas urnas. Em ambos, setores burgueses “secundários” se apoiaram  no desgaste dos governos e suas políticas de austeridade, que levaram milhões à pobreza. Também nos dois países, esta alternativa se construiu com um discurso ultrarreacionário, com fortíssimos elementos racistas, xenófobos e contra direitos sociais e liberdades individuais.

Como já abordado em artigos anteriores, o encaminhamento do Brexit ainda é uma incógnita. Setores centrais da burguesia imperialista batalham por um soft Brexit, que significaria a manutenção de grande parte dos acordos do Reino Unido com a UE. Outros segmentos querem um hard Brexit, que significa uma ruptura mais profunda com o continente, visando seus interesses comerciais dentro e fora da ilha. O governo é duramente criticado, às vezes por ambos, por não ter um plano para a saída do Bloco. Há uma tendência do governo de Theresa May em buscar o hard Brexit, justificada no “controle da imigração”, e a luta política segue. Recentemente, a Justiça definiu que o Artigo 50 só poderia ser disparado após aprovação do Parlamento e o Governo prontamente apelou à Suprema Corte. Agora, foi lançada uma campanha pelo partido LibDem para levar essa aprovação a um segundo referendo, mas ainda é cedo para dizer se isso vai adiante. A grande burguesia se adapta aos novos fatos, e vai adequando sua política constantemente.

É nesse contexto que pode-se afirmar que a eleição de Trump nos EUA tende ter forte impacto no Reino Unido, já neste primeiro momento. Na véspera do pleito em que saiu vitorioso, Trump afirmou que sua vitória seria um “Brexit +++”. Foi celebrado com entusiasmo pela extrema-direita britânica, principalmente por Nigel Farage –  líder do UKIP. Diga-se de passagem, Farage foi o primeiro político europeu a encontrar-se com Trump pessoalmente após sua vitória, neste sábado em Nova York.

tabloide
Foto: Capa de um tabloide sensacionalista após a vitória de Trump. Diz: “Eu vou ajudá-los a se livrar da UE”

Grandes bancos britânicos como o HSBC mandaram cartas a seus clientes alertando para um futuro próximo de “incertezas na economia britânica e global”. Como já sinalizado pelo presidente eleito, acordos comerciais entre os EUA e a GB serão discutidos imediata e prioritariamente. Essa é uma clara e importante mudança em relação à postura atual de Washington, que espera a definição do Artigo 50 antes de qualquer negociação. O governo britânico parabenizou Trump sem ressalvas, diferente do que fizeram os governos francês e alemão (destacaram a incerteza gerada pela postura de sua campanha). A UE fará uma reunião para discutir a eleição de Trump, e Boris Johnson já avisou que não estará presente. Segundo os jornais, Trump teria dito para May que esta seria “sua Maggie”, numa referência à dobradinha nefasta de Reagan e Thatcher nos anos 80.

 

Espaço à esquerda
Assim como as semelhanças à direita, os processos na Grâ-Bretanha e nos EUA tiveram em comum o surgimento de fenômenos independentes também à esquerda. Bernie Sanders enfrentou a estrutura do Partido Democrata, que teve dificuldade para garantir a nomeação de Hillary Clinton como candidata. Jeremy Corbyn derrotou a cúpula e o aparato do Labour Party, colocando o perfil do partido bem à esquerda do que este pretendia. Ambos os processos, com contradições e limitações, refletem a existência de um importante espaço anti-capitalista e anti-austeridade como alternativa à crise do neoliberalismo e à extrema-direita. Enquanto nos EUA houve violentos protestos contra o resultado em algumas cidades, a esquerda britânica – incluindo Corbyn – chamava à luta contra qualquer iniciativa racista ou de mais ataques aos trabalhadores.

Este é o desafio colocado para a esquerda socialista, neste novo momento. Combater os governos neoliberais e suas políticas de austeridade que arrocham os trabalhadores e a juventude. Ao mesmo tempo, estar na linha de frente do combate às alternativas de extrema-direita, racistas e xenófobas. Estas, além de não resolverem os problemas, atacam ainda mais as conquistas sociais e liberdades individuais – só têm retrocesso a oferecer. Não capitular a esses governos, tampouco fazer coro a discursos contra os direitos dos imigrantes ou dos refugiados. Esse é o clima na terra do Brexit – e de Jeremy Corbyn –  após a vitória de Trump nos EUA.

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