Por: Matheus Gomes, colunista do Esquerda Online
A resistência dos estudantes nas escolas, Institutos Federais e Universidades ocupadas é uma lufada de esperanças para os que rechaçam o programa de choque apresentado pelo ilegítimo Temer e sua corja. A enxurrada de medidas reacionárias e corte de direitos sociais encontrou uma barreira potente nas barricadas erguidas em frente às salas de aula e reitorias.
A força da mobilização preocupa o MBL, afinal, a rejeição da juventude ao teto imutável dos gastos públicos por duas décadas demonstra que a nossa geração não só preserva na consciência a importância das conquistas do pós-ditadura, como também resiste bravamente em defesa do Sistema Único de Saúde, da educação pública e da Previdência Social, direitos que nunca foram desenvolvidos plenamente no Brasil, mas que a ‘nova direita’ pretende rifar aos seus parceiros do 1% imperialista.
A densidade política e ideológica do movimento também os assusta. As ocupações são radicais pelo método, mas também porque condensam um conteúdo político amplo, que perpassa reivindicações democráticas gerais, centralmente o combate ao racismo, machismo, LGBTfobia, na contramão das ideias defendidas pelos que acreditam que ‘Olavo tem razão’.
Juventude em disputa
Um olhar mais aprofundado sobre as manifestações verde-amarelas nos mostra que a juventude não se cativou com as passeatas de domingo. Segundo a pesquisa realizada pelo Editorial J, em Porto Alegre, no Parcão, a média de idade dos manifestantes variava entre 37 e 39 anos. Já em São Paulo, o Datafolha identificou uma maioria de homens com idade superior a 36 anos na Av. Paulista. Já nos atos contra a PEC, segundo a página Ocupa Tudo Brasil, a média de idade varia entre 18 e 24 anos.
Mas, não nos enganemos, a forte polarização impulsionada pelas ocupações é vista como oportunidade para a ampliação da influência política e organizativa da tropa de choque neoliberal nos locais de estudos. O ímpeto do MBL é a conquista de influência política entre os jovens. No Fórum da Liberdade de 2015, Marcel Van Hatten, ao lado de Kim Katiguiri, conclamava o público do auditório da PUC-RS a “pensar no longo prazo” e “ocupar espaços perdidos muitas vezes por omissão nos Diretórios Acadêmicos e DCEs”.
É por isso que o MBL tornou-se o principal impulsionador do “Desocupa” nas escolas e universidades. Na página criada para a UFRGS, o movimento apresenta-se como obra de “estudantes e pesquisadores apartidários e sem agenda política” e defendem que “o debate e a democracia não precisam parar as universidades”. A estruturação do discurso não nos deixa dúvida que, para dar um caráter espontâneo ao movimento, eles apelam à velha forma enrustida de fazer política dos neoliberais. Entretanto, nas páginas oficiais do movimento e de seus principais porta-vozes, eles não escondem a relação: incentivam a nível nacional as desocupações e organizam grupos para execução de ações violentas nas escolas e universidades, como fizeram em algumas escolas de Curitiba e na Universidade Federal do Pará.
Como surge o MBL no Brasil?
É preciso desvendar os interesses obscuros desse movimento e um primeiro passo é conhecer a sua origem. O MBL é uma criação dos representantes da Students For Liberty (SFL) no Brasil. A SFL foi criada em 2008 nos EUA a partir das articulações do Instituto Atlas Network, impulsionador financeiro e intelectual das ideias neoliberais, que chegou aqui em 2012 como Estudantes Pela Liberdade (EPL).
Apesar de ter apenas quatro anos de existência, o EPL é parte de uma rede mais ampla de think thanks fomentados pelo Atlas no Brasil faz algumas décadas, da qual fazem parte o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, Instituto Ordem Livre, Instituto Liberal e o Instituto Millenium (RJ), o Instituto de Estudos Empresariais e o Instituto Liberdade (RS), Instituto de Formação de Líderes (MG) e o Instituto Ludwig von Misses (SP).
Mas, o que são os think thanks? Em português a expressão significa “tanque de pensamento” e só no Brasil existem 82 instituições que se enquadram nessa definição. Mantidos por entes privados, seu papel é cumprir demandas de produção e difusão de conhecimento estratégico que, segundo seus idealizadores, o Estado não tem condição de desenvolver. As instituições vinculadas ao Atlas têm uma característica em comum: na prática, estas adquirem um papel militante, a serviço da “formulação de resumidas análises de conjuntura, materiais de marketing e demais estratégias de comunicação direcionadas a grupos políticos específicos, grandes veículos de mídia e à opinião pública, que favoreçam políticas públicas que sejam condizentes a priori com sua orientação ideológica” (Ver mais em “Direitas em rede: think thanks de direita na América Latina” de Camila Rocha, no livro “Direita Volver” da Fundação Perseu Abramo). Se o fundador da Atlas, Anthony Fischer, possuía ligações estreitas com Margareth Thatcher, a “dama de ferro” do neoliberalismo inglês, diante do ‘programa Temer’ fica fácil entender a relação dele com essas instituições.
O MBL já nasce como uma marca a ser vendida em prol de uma agenda política neoliberal, cujo primeiro objetivo foi servir à construção da narrativa dos protestos de Junho como o confronto entre vândalos e verde-amarelos. O enorme desgaste do PT entre a juventude, combinado com a descrença dos jovens nas instituições do regime, foram a oportunidade para eles se construírem com um discurso nacionalista, anti-partido e anti-Estado, que se apoiava nos inúmeros escândalos de corrupção do governo e nas supostas tendências “bolivarianistas” e “ditatoriais” do PT, que, contraditoriamente, reprimia a esquerda socialista nas manifestações e corroborava com essa narrativa. Segundo Juliano Torres, diretor executivo do EPL, o MBL surge em 2013 quando “vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá [dos EUA], eles não podem desenvolver atividades políticas”.
Outra característica importante é que os jovens vinculados a esses institutos negam a organização através dos partidos como central. Segundo eles, apenas por meio de organizações civis, sejam ONGs ou instituições privadas, é possível divulgar o pensamento liberal de forma pura. Isso não os impede de disputar as eleições: o MBL possui hoje uma coluna de parlamentares eleitos em partidos como o PSDB, DEM, PP, PV, PEN, PRB e por aí vai.
Aonde eles querem chegar?
Os passos do MBL são calculados de acordo com o interesse de quem os sustenta, ou seja, as corporações nacionais e internacionais que financiam os Institutos do Atlas Network. No Brasil, podemos destacar a relação deles com os grupos Gerdau, RBS, Évora, Ultra, Editora Abril e a Localiza, para ficarmos em alguns exemplos. Os executivos desses grupos financiaram candidatos do MBL nessas eleições, bem como os principais representantes dos defensores do ajuste. O objetivo deles é disputar a sociedade para uma saída para a crise por meio de um programa neoliberal e é por isso que as universidades públicas estão na mira. A defesa do sucateamento da educação através da aprovação da PEC só abre o caminho para o domínio do capital nesse terreno. Para eles, a educação pode e deve ser tratada como mercadoria, submetida a lei da livre concorrência, a chave da resolução dos problemas de quem acha que colocar a educação sob o controle do Estado é “abrir as portas para a servidão”. Para nós, a grande questão não é a oposição mercado/Estado, até porque, em momentos de crise, os mesmos que gritam “menos Estado” são socorridos com injeção de dinheiro público. A questão é a servidão do Estado ante as corporações do imperialismo e da burguesia nacional, que o MBL conserva ótima relação. Apenas em luta contra elas é que os trabalhadores e o povo negro conseguirão liberdade de fato.
Precisamos fazer das lutas contra o governo Temer trincheiras políticas e ideológicas capazes de combater também esse discurso enganador. O MBL quer aparecer como novidade. Na realidade, eles são a vanguarda do atraso. Nossas barricadas estão erguidas contra os seus interesses!
Arte: Fábio Marinho
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