A nova era dos extremos

Editorial,

Liberalismo econômico e democracia representativa. No anoitecer do século XX, a conjugação dessas duas poderosas ideias teria assegurado, segundo os sábios do sistema, o triunfo eterno do capitalismo. Passados menos de trinta anos da apoteose ideológica, os fundamentos da nova ordem mundial trincaram. O alarme soou.

O êxito de Donald Trump na eleição norte-americana, a vitória da Brexit no referendo do Reino Unido, a emergência de uma nova direita nacionalista e xenófoba por toda Europa, as aventuras militares da Rússia de Putin, a desintegração do Oriente Médio em guerras e conflitos dilacerantes, a corrida armamentista no Mar do Sul da China, as renovadas tensões sociais e políticas na América Latina, entre tantos outros fatos inquietantes, jogam luz à perturbadora e crescente barbárie capitalista. As contradições do sistema se agravam rapidamente. Os monstros, novamente, estão à solta.

Os atuais fenômenos políticos se tornam incompreensíveis fora de sua íntima conexão com a Grande Recessão econômica, aberta em 2008. Desde lá, o desemprego em escala global disparou, as desigualdades sociais subiram a níveis intoleráveis, a pobreza e a miséria absoluta se agigantaram, a renda média dos trabalhadores derreteu, os serviços públicos foram devorados pela austeridade e a destruição em escala ampliada da natureza se agravou.

Esse retrato pavoroso não é exclusividade dos países periféricos: a decadência econômico-social atingiu pra valer o centro do sistema. O mal-estar social nos EUA, Inglaterra e França, para ficar só em três exemplos, é o mais alto desde o pós-Segunda Guerra Mundial.

Nesse contexto, a extrema-direita cresce ao dialogar com as frustrações e o sentimento de abandono das pessoas comuns, daquelas que estão vendo a vida piorar a cada dia. Donald Trump produziu um eficiente discurso que canalizou a raiva existente entre os trabalhadores brancos norte-americanos contra os imigrantes, as mulheres, os negros e o status quo político. A nova direita retoma o ideal nacionalista e racista, e fabrica um discurso pragmático e direto, de fácil assimilação popular. Ao mesmo tempo, figura como uma alternativa ao establishment – elite econômica e política.

O avanço da extrema-direita, em suas mais distintas tonalidades, explica-se também, e talvez fundamentalmente, em razão do ruidoso fracasso da esquerda socialdemocrata, quer dizer, daquela esquerda que se propõe a gerir o Estado capitalista, a pactuar com frações “progressistas” da burguesia, a se adaptar às regras do jogo eleitoral, a fazer o ‘possível’ dentro do permitido pelo andar de cima.

Uma vez no governo, essa esquerda não demora em aplicar os planos de austeridade neoliberal, a desmobilizar e cooptar as organizações e lideranças populares, e, muitas vezes, a se lambuzar no jogo sujo da classe dominante. Essa foi, infelizmente, a história do PT no Brasil, da Syriza na Grécia, dos partidos socialistas e socialdemocratas na Europa, e de tantas outras organizações vinculadas aos trabalhadores. O programa da conciliação de classes, aquele das reformas moderadas e homeopáticas nos marcos da ordem burguesa, faliu. Parte importante da classe trabalhadora virou as costas à velha esquerda e começa a migrar à direita. Essa é a dura realidade a ser considerada.

Se quisermos reconstruir as pontes com as camadas operárias e populares, não entregá-las nos braços da reação, será preciso recuperar a coragem do programa anticapitalista e a estratégia de ruptura com a ordem burguesa, articulando-as com as demandas mais sentidas pelas massas trabalhadoras e oprimidas. Em tempos de decadência acelerada do sistema, utópico é acreditar que um capitalismo humano e democrático é possível. Atualizar o sentido da revolução socialista no século XXI é a tarefa estratégica do período.

Foto: A shell explodes (11/14) in the Syrian city of Kobane (Aris Messinis/AFP/Getty Images)