Por: Paulo Aguena, de São Paulo, SP
Às vésperas das eleições para presidente e o congresso do país mais importante do mundo, ainda era impossível predizer de forma séria qual seria seu resultado. Apesar da maioria das pesquisas ainda terem dado como mais provável a vitória da democrata Hillary Clinton sobre o republicano Donald Trump, o fato é que os candidatos estavam tecnicamente empatados.
Há exatas três semanas antes, parecia que Trump estava fora do jogo. O vídeo publicado com seus comentários machistas e misóginos sobre as mulheres teve uma enorme repercussão negativa, atingindo-o em cheio. Dezenas de mulheres aproveitaram o episódio e vieram a público acusá-lo de todo tipo de abusos e maus tratos.
Entretanto, logo em seguida, há apenas uma semana, as pesquisas indicavam que Trump voltava a se aproximar de Hillary. Contribuiu, para isso, a decisão inusitada do FBI de anunciar a divulgação de um novo lote de troca de e-mails em que a ex-Secretária de Estado teria utilizado um servidor privado sem autorização legal. A sensação de que Hillary era ‘trapaceira’, como Trump costumava chamá-la, se viu novamente reforçada.
Em base a essas flutuações nas pesquisas, os dois principais candidatos à Casa Branca se viram diante de uma disputa ainda mais acirrada às vésperas das eleições. Ao final, Trump venceu, contrariando não só as pesquisas, mas praticamente todo o ‘establishment’ americano. Incluem-se nisso, não somente a maioria dos poderosos meios de comunicação dos EUA, mas também o establishment da política americana.
Não se trata somente da cúpula do partido Democrata que, apesar de ameaçada pela candidatura independente de Bernie Sanders, pelo menos conseguiu fazer com que sua candidata, Hillary Clinton, vencesse as primárias. Mas também do establishment do próprio partido Republicano.
Trump não era o candidato favorito da tradicional cúpula conservadora do partido. Depois de várias tentativas de fazê-lo desistir das eleições primárias, Trump venceu após desafiar outros 15 candidatos republicanos.
Derrotou o governador da Flórida Jeb Bush, candidato da família Bush, que domina a direção do partido. Derrotou também o ultraconservador Ted Cruz, que tentou barrá-lo, postulando-se como um candidato anti-Trump. Mas, da mesma forma que os demais candidatos, ao final, não lhe restou outro caminho, senão desistir.
Em acirradas polêmicas, Trump humilhou publicamente o senador do Texas John MacCain, ex-candidato a presidente, que concorreu com Barack Obama nas eleições de 2008. Considerado herói de guerra por ter sido capturado, torturado e mantido como prisioneiro por quatro anos durante a guerra do Vietnã, Trump afirmou que McCain não poderia ser considerado um herói. “Eu gosto de pessoas que não são capturadas”, disse.
Trump teve também sérios enfrentamentos com Paul Ryan, atual presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, tido como o mais graduado republicano no Congresso. Da mesma forma que os Bush e MacCain, Ryan terminou retirando o apoio a Trump em meio à campanha.
Contrariando princípios que nortearam a diplomacia americana nas últimas décadas, Trump defendeu a redução do papel dos EUA na OTAN (aliança militar ocidental), ao mesmo tempo em que elogiava e, em troca, obtinha o apoio aberto do presidente russo, Vladimir Putin. Um manifesto de 50 especialistas em segurança republicanos advertia que Trump seria “o presidente mais imprudente da história dos EUA”.
Como é sabido, o establishment financeiro sempre viveu em harmonia com os democratas. As denúncias das íntimas relações de Hillary e a fundação Clinton com o Lehman Brothers, Goldman Sachs e mesmo o brasileiro Unibanco Itaú, não são fortuitas. Apesar da aparente crítica de Hillary Clinton ao setor durante a campanha, a maioria dos financistas a considerava uma candidata pelo menos mais previsível. Não por acaso, as pesquisas publicadas às vésperas das eleições apontando a democrata como provável vencedora fizeram com que as bolsas subissem. Já no dia de hoje, quando do resultado das eleições, as bolsas tiveram uma queda abrupta. Essa foi a mensagem de Wall Street.
Mesmo assim, contra tudo e contra todos, com um perfil de anti-político e empresário de sucesso, Donald Trump venceu as eleições americanas. Considerado um jovem ‘desbocado’ pela família e amigos; homem de negócio do ramo imobiliário e da construção civil que redirecionou os tradicionais investimentos de seu pai da construção de casas para a construção de hotéis, cassinos e campos de golfe; apresentador do reality show ‘O Aprendiz’, patrocinador do concurso da Miss EUA e da Miss Universo, Trump conseguiu canalizar as frustrações e inseguranças dos americanos num conturbado mundo de mudanças. Um novo fenômeno já visto em outros processos eleitorais, como foi o caso do referendo do Brexit, na Inglaterra, e do plebiscito sobre o Acordo de Paz na Colômbia em que venceu o ‘Não’.
Resta saber como o alto comando do tradicional establishment americano, passado o choque inicial, vai lidar com a vitória de Trump. E, por sua vez, como o próprio Trump vai fazer para comandar o principal país do mundo ao se eleger contrariando a vontade deste comando.
Em seu discurso da vitória, Donald Trump antecipou que, como chefe da nação, governaria para todos americanos, independente de raça, religião e cor. Chegou a agradecer não só seu comando de campanha, mas também seus próprios rivais nas primárias republicanas. Por fim, elogiou sua adversária, Hillary Clinton, como uma mulher batalhadora. Mas, por ora, é só um discurso. Há que ver se Trump vai realmente concretizar seu programa e constituir um staff de governo condizente com ele. Estejamos atentos aos acontecimentos dos próximos dias.
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