Por: MAS, de Portugal
1 – Embora seja muito tentador, o resultado das eleições norte-americanas não pode ser analisado à luz de supostas características subjetivas, de características psicológicas ou de personalidade, quer de Donald Trump, quer do povo norte-americano.
2 – Nada pode ser explicado através da caracterização, antes das eleições, de que Trump é um “palhaço” sem cérebro, nem nada poderá ser agora explicado através da caracterização de que Trump é um milionário errático que se revelou um “homem genial, brilhante e ousado, fruto do seu próprio sucesso, que soube cavalgar todas as contradições do sistema”.
3 – Nada pode ser igualmente explicado pela “ignorância dos eleitores”, ou outros disparates do género que impedem o debate sério sobre as razões profundas deste resultado. Para mais, sendo um resultado que vai ao encontro de tendências que podem ser igualmente identificadas na Europa.
4 – A vitória de Trump é sim, em esmagadora maioria de razão, fruto das circunstâncias objetivas de uma crise prolongada e de uma degradação paulatina do sistema econômico e político capitalista em que, não só o povo norte-americano, mas em que todos nós, povos do mundo, estamos mergulhados. A vitória de Trump é mais um dos frutos que a crise sistémica do capitalismo nos tem oferecido.
5 – Muitos dos efeitos econômicos da crise têm sido amortecidos e/ou adiados através da ligação das nossas economias às máquinas de oxigênio – as monstruosas injeções de dinheiro através da Reserva Federal e do BCE. No entanto, a crise prolonga-se no tempo, deixa sem resposta milhões de jovens, milhões de desempregados, milhões de trabalhadores cujos rendimentos vão sendo pilhados, e isto tem as suas consequências, nomeadamente, políticas. O sistema econômico e político, assim como as classes sociais que o dominam, estão em putrefação e os estratos sociais dominados, que trabalham e produzem, procuram, confusa e difusamente, insurgir-se.
6 – Estamos a atravessar uma etapa de profunda instabilidade, de ruptura política e de procura de algo novo, uma mudança. O sistema capitalista está em agonia paulatina, disforme, descontrolada, a várias velocidades, instável. O povo norte-americano quer, como os povos europeus querem, uma mudança no sistema económico e político. Uma alternativa ao sistema político corrupto, de partidos perversos, de políticos que apenas defendem os seus interesses, de degradação, de uma “democracia” em putrefação.
7 – Essa procura por uma mudança, embora lenta, não tem cessado e vai produzindo variadas consequências: olhemos para o desaparecimento paulatino da influência política dos PS’s pela Europa, o Brexit, a lenta desagregação europeia, o crescimento paulatino da extrema-direita em França, na Alemanha e no Reino Unido, os fenômenos como o SYRIZA na Grécia, ou o Podemos e o Ciudadanos em Espanha, etc. Trump é mais um fruto, distorcido, desta procura por uma mudança.
8 – O inesperado impacto que o próprio Bernie Sanders (ala esquerda do Partido Democrata) causou, foi igualmente fruto desta procura por uma alternativa ao sistema capitalista em paulatina putrefação, por parte dos estratos sociais mais baixos;
9 – Como se vê, atualmente, a profundidade da crise parece ser mais visível através dos seus efeitos políticos. E a crise é tal que a necessidade de uma alternativa é cada vez mais profunda e tem como resultados o controlo de Trump sob a Casa Branca e o controlo do Partido Republicano sob o Senado e o Congresso.
10 – Outro fator que contribuiu para a vitória de Trump é o facto de o Governo Obama, que tanta esperança desencadeou, não ter passado de mais um, entre tantos outros. Foi apenas mais um Governo de gestão do sistema capitalista, incapaz de resolver qualquer um dos seus problemas estruturais: desemprego, desigualdade, pobreza, guerra, etc. Obama foi o defraudar das esperanças criadas. Tanto assim é que, nos EUA, há largos anos, não se alcançavam níveis tão elevados de tenção racial.
11 – Hillary Clinton, pelo seu historial político e tendo-se colocado como a continuidade de Obama, personifica tudo aquilo que a maioria do povo americano repudia e quer ver alterado: o voraz sistema financeiro, a crise econômica, a profunda desigualdade, o desemprego, a perda de rendimentos, o endividamento das famílias, a guerra no Médio-Oriente, a corrupção generalizada, os partidos políticos que só defendem interesses privados, etc. Hillary foi encarada, e corretamente, como a representação política do sistema capitalista que, pela sua natureza, protege banqueiros e as classes dominantes e, consequentemente, arrasta milhões de trabalhadores para a pobreza.
12 – Uma crise sistêmica profunda que vai desestruturando as sociedades e lançando milhões para a pobreza. Um processo lento que parece apontar para uma perda mundial de poder econômico, político e militar dos EUA. Um embrionário processo que parece apontar para um novo realinhamento geopolítico, a nível planetário, que atinge o coração dos EUA e da Europa. A falta de um projeto alternativo à esquerda, mas também da parte dos próprios partidos tradicionais que nos têm governado. Todos estes são factores fundamentais para explicar a profunda instabilidade do sistema capitalista e a, consequente, vitória de Trump, ou o ascenso de Marine Le Pen, em França. Um acontecimento que, aliás, não é novo na História – olhemos para a Europa, na década de 1930.
13 – Trump é precisamente um dos elementos daquelas classes dominantes, responsáveis diretos pela crise econômica. Este é um magnata especulador, herdeiro de uma gigantesca fortuna, mergulhado em inúmeros esquemas de corrupção, que detém grandes interesses numa serie de setores, predominantemente, no sector imobiliário – precisamente o setor onde a crise de 2007 rebentou – e que expressa todo o tipo de posições políticas e sociais regressivas, racistas, xenófobas, machistas e autoritárias.
14 – Os povos procuram soluções para os problemas sistêmicos do capitalismo e, não existindo alternativas à esquerda, Trump é tudo o que o sistema capitalista tem para oferecer à humanidade. Uma alternativa política instável, perigosa, com posições políticas altamente regressivas, cuja tendência é ao autoritarismo, ao endurecimento do regime político e até com alguns traços de fascismo.
15 – Apesar de tudo isto, Trump, ao não ter um historial político, ao não acolher o apoio habitual das forças do sistema, ao exercitar um discurso contra o establishment, dentro de uma situação de forte crise e instabilidade mundial da qual não se desprendem alternativas à esquerda, acabou por ser considerado como a alternativa ao sistema, às forças econômicas e políticas instaladas que só têm gerado crise.
16 – Quanto às implicações da vitória de Trump, podemos dar como certo um aumento da tensão política e social, quer dentro dos EUA, quer a nível mundial; um aprofundamento dos benefícios concedidos aos mais ricos em detrimento das classes trabalhadoras (Trump prometeu baixar drasticamente os impostos sobre as empresas); aumento dos problemas sociais, nomeadamente, através de cortes sobre os serviços sociais de saúde e educação; prováveis alterações (veremos a sua profundidade) ao nível do comércio internacional, dos acordos militares e da organização geoestratégica do mundo; um aumento da tensão racial; um aprofundar dos problemas ambientais; e um profundo recuo dos direitos democráticos e sociais.
17 – Para além disso, não nos esqueçamos das possibilidades de alastramento da influência da vitória de Trump ao resto do mundo. A Frente Nacional de Marine Le Pen, em França, poderá ser o próximo impacto.
18 – Em suma, estamos perante factores de forte instabilidade e insegurança, que colocam a esquerda internacional em causa. Ou seja, as soluções como o Syriza, o Podemos, ou o BE, ao não apresentarem uma alternativa ao sistema capitalista, ao encaminharem todas as soluções por dentro do sistema, acabam por fortalecer as forças mais retrógradas das nossas sociedades – a direita e extrema-direita.
19 – Perante isto, é urgente construir uma verdadeira alternativa política à esquerda que evidencie as limitações do sistema capitalista e que organize as classes mais pobres em torno de uma alternativa de poder. Aqui na Europa, é necessário questionar o Euro e os seus efeitos sobre a vida dos povos europeus. É necessário suspender o pagamento das dívidas públicas fruto da especulação e corrupção. É necessário responsabilizar banqueiros e confiscar os seus bens. É necessário organizar os países do Sul da Europa em torno de um sério plano de investimento e de acordos comerciais, como forma de combatermos o desemprego. É necessário pôr um fim à crescente precariedade. É urgente uma política contra a guerra, contra a degradação do meio-ambiente, contra o ataque aos direitos democráticos.
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