Por: Waldo Mermelstein, de São Paulo, SP
Após a frustrada e nunca bem explicada tentativa de golpe militar em julho deste ano, o governo turco lançou uma feroz ofensiva contra os supostos golpistas e em especial contra os direitos democráticos. Com base nos poderes extraordinários previstos pelo estado de emergência concedido pelo Parlamento, foram feitas mais de 110 mil demissões no serviço público, fechados dezenas de jornais e canais de televisão.
O alvo mais importante tem sido os curdos, que são cerca de 15 milhões no país. Em 2015, o partido que representa os curdos e a oposição de esquerda no país, o Partido Democrático dos Povos (HDP, em sua sigla turca), conquistou 13% dos votos, o que tirou a maioria absoluta do governo no Parlamento. Isso bloqueou a via legal para que o presidente Erdogan aumente os seus poderes. A partir daí, aumentaram exponencialmente os ataques aos curdos e a o HDP. Primeiro foi a série de atentados mortíferos na região curda, no sudoeste do país e em especial o que foi realizado em Ankara e matou mais de cem pessoas em uma passeata do HDP pela paz. Pelas dimensões, pelo fato de a polícia ter estado ausente na hora do atentado – fugindo ao padrão de pesado policiamento em todas as atividades chamadas pelo HDP – e por ter sido realizado no centro da capital do país é bastante factível supor a colaboração em algum grau dos serviços de segurança turcos.
Mesmo tendo forçado novas eleições e ter reconquistado a maioria absoluta para o seu partido ainda no ano passado, o governo de Erdogan não cessou um momento a ofensiva para aumentar seus poderes. Quer conquistar a maioria qualificada para aumentar seus poderes. Para isso, em maio deste ano, antes, portanto, da tentativa de golpe de julho, o Parlamento já tinha aprovado a retirada da imunidade parlamentar dos 138 deputados submetidos a processo judicial, 50 dos quais eram do HDP, pelo suposto crime de defender os direitos dos curdos da Turquia.
Ofensiva também no nível regional
Ao mesmo tempo em que desfecha uma ação antidemocrática contra os curdos e o movimento social, o governo de Erdogan tem uma agressiva agenda regional, centrada contra os curdos do Iraque e da Síria. Procura também obter um papel mais relevante no redesenho geopolítico que a região está passando com a terrível crise de seus vizinhos, a Síria e o Iraque, que chega ao paroxismo com as batalhas de Aleppo e Mossul, respectivamente.
Para isso, Erdogan o governo já havia tratado de retomar algum tipo de relação diplomática com a Rússia, após a derrubada do avião russo pela força aérea turca em novembro do ano passado.
Somente assim o exército turco poderia ter realizado, no mês de agosto deste ano, a ocupação de uma faixa no território sírio, sob pretexto de combater o autodenominado Estado Islâmico, começando a expulsar os curdos sírios das Unidades de Proteção Popular para o Leste do rio Eufrates.
Na ofensiva sobre Mossul, o presidente turco Erdogan já havia estabelecido os supostos “direitos históricos” turcos na cidade e advertido contra a participação das forças do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, o PKK, na reocupação de Mossul.
Além disso, o presidente turco advertiu contra a presença das milícias xiitas na batalha, em particular na cidade de Tal-Afar. Essas declarações, a presença de tropas turcas em território iraquiano e a concentração de uma coluna de dezenas de tanques na fronteira motivou nova troca de acusações com o primeiro-ministro iraquiano.
O ataque frontal contra o HDP
Esta tensa situação regional e local se somou à repressão do governo contra o HDP nas últimas semanas. Trinta prefeitos das regiões habitadas por curdos foram demitidos, mais de 11 mil professores das regiões curdas foram suspensos, escritores e intelectuais curdos foram presos e pelo menos vinte meios de comunicação curdos, incluindo uma emissora de TV de programas infantis foram fechados.
Nesta semana, a escalada chegou à direção do HDP. A capital informal do curdistão turco, Diyarbakir, ocupada militarmente há meses pelas tropas turcas, foi palco da destituição e prisão dos seus dois co-prefeitos. A co-prefeita Gultan Kisanak, foi presa após depor terça-feira, dia 1º de novembro, na comissão parlamentar que investiga o fracassado golpe militar de julho.
Na sexta-feira, a sede central do partido foi invadida pela polícia, dezenas de altos dirigentes do partido foram presos, inclusive 11 deputados, entre eles seus dois principais dirigentes, Selhatin Demirtas e Figen Yuksekdag , acusados de se negarem a depor aos promotores que os processam. Demirtas declarou ao ser preso que “não hesitarei em prestar contas a um judiciário justo e imparcial. Não há nada que eu não possa responder”. Um atentado reivindicado pelo autodenominado Estado Islâmico matou 9 pessoas em Diyrabakir após as prisões.
Uma reunião dos embaixadores dos países europeus na Turquia em Ankara declarou que as prisões “não haviam sido uma decisão democrática”. O governo alemão, onde há uma grande minoria turca e curda chamou o seu encarregado de negócios em Ankara para consultas, uma tradicional demonstração diplomática de insatisfação moderada.
Apesar do bloqueio total da internet, na região e do WhatsApp, Facebook, Twitter e Youtube em todo o país, no sábado houve manifestações nas principais cidades turcas e também em várias cidades europeias, como Colônia, na Alemanha, Paris e Atenas. Pode ser o primeiro passo na reação contra os ataques cada vez mais frontais do governo contra as liberdades democráticas na Turquia.
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