Gabriel Casoni, do Conselho Editorial do Esquerda Online
Lidar com as contradições da realidade não é tarefa fácil, especialmente quando se trata com elementos subjetivos da esfera política. O pensamento tende, para comprovar a hipótese de diagnóstico do analista, a engrandecer os fatos que satisfazem e diminuir (ou até mesmo excluir) os indesejáveis.
Certas caracterizações sobre a correlação de forças entre as classes sociais no Brasil, particularmente após o triunfo do golpe parlamentar, demonstram o perigo da análise instrumental.
Para ilustrar o uso dessa metodologia, consideremos duas visões opostas que têm em comum o vício de excluir as contradições do processo vivo.
Para um polo da ultra-esquerda, o país encontra-se numa situação pré-revolucionária: haveria uma crise do regime de dominação política e um monumental ascenso de massas. Nessa leitura, o impeachment de Dilma Rouseff (PT) e o resultado das eleições municipais teriam sido tão-somente expressões distorcidas do avanço da classe trabalhadora.
Na outra ponta, alguns analistas, animadores do lulismo, afirmam que o Brasil estaria numa estrada ao fascismo. De acordo com essa perspectiva, o horizonte é de trevas e retrocessos em toda linha. A onda conservadora seria um tsunami de longa duração. O colapso do petismo é entendido, por eles, como o naufrágio da própria classe trabalhadora e da esquerda de conjunto.
As visões maniqueístas, como as descritas acima, são perigosas e sedutoras. Não são poucos os militantes honestos que caem no conto das narrativas apocalípticas ou triunfalistas. O poder delas reside na capacidade de enfeitiçar ao criar uma realidade ao mesmo tempo fantástica e trágica.
No Brasil, são fartas as evidências de que há uma ofensiva da classe dominante em todos os terrenos: político, ideológico e econômico. As forças inimigas assumem novas posições no tabuleiro, tomam a iniciativa do ataque e pressionam violentamente as trincheiras de defesa.
Contudo, o avanço conservador não é absoluto. Existem forças e capacidades de resistência, ainda que não na escala, amplitude e intensidade que gostaríamos. Por exemplo, as escolas e universidades ocupadas, num dos maiores levantes recentes do movimento estudantil, manifestam as possibilidades de luta da juventude.
A insubordinação dos estudantes contagiará o movimento operário? Ou medo do desemprego e a perplexidade política manterão os trabalhadores receosos? A burguesia errará na dose dos ataques e provocará a tempestade? Surgirá uma alternativa com capacidade de animar os batalhões avançados da classe trabalhadora? Ou a ofensiva burguesa estabelecerá uma situação reacionária com a consolidação de um regime mais autoritário? Qual a será velocidade de desenvolvimento e a combinação particular dos diferentes elementos políticos, sociais e econômicos em movimento?
Não é possível uma resposta conclusiva a essas e outras indagações. É preciso medir dez vezes antes de cortar. Vivemos tempos convulsivos e a nossa capacidade de avaliação é precária. Portanto, a prudência nos prognósticos é recomendável. Nesse momento, podemos assinalar, com algum grau de segurança, que há uma situação política defensiva, quer dizer, a classe trabalhadora e seus aliados estão sob a artilharia pesada do inimigo. Organizar a defesa é a tarefa imediata.
A análise marxista nunca é desinteressada, mas precisa ser sóbria e equilibrada. Observar a realidade tal como ela se apresenta, buscar apreender as forças sociais e políticas em suas relações recíprocas, identificar as principais tendências e medir ritmos da luta de classes, de modo a agir no sentido de fortalecer os movimentos progressivos e combater os regressivos. Eis o desafio metodológico.
Foto: Quadro de Salvador Dali. O Sonho.
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