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BRASIL

A reforma do ensino médio em perspectiva didática: o desmonte da educação

Por Michelangelo Marques Torres, de São Paulo, SP.

A reforma no ensino médio MP 746/16, apresentada pelo governo federal no dia 29/09/2016, como toda Medida Provisória, torna-se lei imediatamente a expedição unilateral do executivo, cabendo ser apreciada pela Câmara e pelo Senado em 120 dias a fim de que não perca validade. Vale ressaltar o método de imposição da reforma via medida provisória (método anti-democrático, sem diálogo com a comunidade escolar ou especialistas na educação).

Como é sabido, o executivo não tem a incumbência de inovar na ordem jurídica, ou seja, o presidencialismo brasileiro não produz normas jurídicas conforme o Inciso II do artigo 5º da Constituição. Nesse terreno, atende apenas de forma emergencial a um determinado interesse público (em caráter de urgência ou catástrofe ambiental) via Medida Provisória. Não parece esse o caso da MP 746. Por que a urgência na reforma?

A adoção ao expediente autoritário de reformar o EM via medida provisória alterará a LDB brasileira bem como descumprirá o PNE (por suposto, limitadíssimo). Altera, inclusive, o artigo 26 da lei 9396/96 da LDB ao alterar a obrigatoriedade das matérias de ensino (componentes curriculares obrigatórios), além dos artigos 26/LDB e 36/LDB, retirando a obrigatoriedade do ensino de Artes e Educação Física (restringindo-as ao ensino fundamental apenas), bem como de Sociologia e Filosofia (que na prática passam a ser extintas), respectivamente, dentre outras alterações na LDB e no FUNDEB.

Outra medida polêmica está na flexibilização do currículo: itinerário formativo e carga horária. Tal “flexibilização” equivale a diminuição do conteúdo básico formativo e propedêutico. A primeira metade do EM obedecerá ao currículo comum, após esse período haverá eletividade nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional, o que deve alterar, também a futura Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A medida inclui, ainda, a possibilidade de “experiência prática de trabalho do setor produtivo” para o aluno – objetivamente, caso o aluno faça estágio em alguma área profissional, essas horas abaterão parte da carga horária do EM, precarizando ainda mais o currículo e a formação escolar. Isso mesmo, o “estágio” de trabalho substituirá o tempo em sala de aula. Apesar de aumentar de 800 para 1400 horas por ano, não está previsto o número de dias mínimos para o período letivo.

A terceira medida controversa a se destacar diz respeito à contratação de docentes sem concurso público e precarização das formas de contratação flexível. O chamado“notório saber” permite que prestadores de serviços não licenciados atuem como professores profissionais nas áreas de formação. A medida representa um retrocesso da luta pela habilitação profissional dos professores, da estabilidade de direitos e formas de contratação estáveis, bem como da valorização dos cursos de licenciatura e de formação de professores. O intuito é incentivar a contratação precária de prestadores de serviços sem sólida formação escolar para atuarem nas distintas áreas, em especial na formação profissional, incentivando as parcerias público-privadas na educação pública. O ensino em tempo integral (que é diferente de ensino integrado) parece sedutor, mas oculta a precarização do ensino.

O governo tem se esforçado na aprovação da PEC 241 (que congela a verba orçamentária da educação para os próximos 20 anos), o que implicará no corte de recursos para as escolas. Ou seja, há algo contraditório: menos investimento e aumento de carga horária (ensino em tempo integral). Qual a mágica? A solução será privatizar/precarizar o ensino público. Mito da “livre escolha”: não serão os alunos que terão autonomia de “escolher” as áreas de concentração de ensino, mas as secretarias que definirão as áreas de formação de cada unidade, o que provocará, por exemplo, o deslocamento forçado de estudantes que se interessem por determinadas disciplinas e a diminuição de carga horária de formação comum (apenas matemática, português e inglês serão comuns aos três anos). Ou seja, o aluno vai depender da oferta da rede e da unidade escolar de determinada área do currículo.

A MP 746/16 reforça a divisão entre escola dos pobres e escola dos ricos, criando obstáculo aos estudantes pobres ingressarem na universidade pública (formação aligeirada e ajustada às necessidades do mercado). Aprofunda a dualidade do ensino, reforçando os traços da organização social brasileira elitista e excludente a) formação precária e aligeirada direcionada para mão de obra voltada para o sistema produtivo; b) preparo para o ensino superior ofertado para a futura elite dirigente e as classes médias abastadas.

A MP estimula, por fim, a privatização da escola pública. Em consonância com as orientações do Banco Mundial e do FMI, a MP possibilita que empresas privadas captem recursos e fundos públicos, promovendo a concessão da gestão e serviços das escolas públicas às OS (Organizações Sociais, ONGs etc), visando redução de custos com investimento público em educação. Caso a “terceirização” ampla e total seja aprovada, a Educação será um dos setores que mais será atingido pela contratação de docentes terceirizados, sem vínculos trabalhistas, plano de carreira pública ou estabilidade. As universidades não terão mais autonomia para selecionar o conteúdo programático cobrado nos vestibulares. Deverão atender as exigências da MP.

A orientação do MEC é que as escolas já iniciem sua adaptação para 2017, alertando que a medida se universalizará em 2018. Portanto, conforme podemos notar, a reforma do ensino médio está dentro do pacote de ajuste fiscal e da ofensiva burguesa no campo educacional. Não pode ser desconectada do conjunto dos ataques sociais do governo Temer, como a PEC 241 (atual PEC 55 que tramita no Senado), o PLC 257, o Programa Escola sem Partido etc. Por isso os estudantes estão em luta em todo o país. A pedagogia das escolas ocupadas tem ganhado enorme proporção. Hoje, o movimento estudantil (secundarista e universitário) está na vanguarda do enfrentamento e resistência aos ataques do governo golpista. Toda solidariedade aos estudantes que defendem a escola pública e a preservação de direitos! Contra a Reforma do Ensino Médio de Temer!

Foto: Mídia Ninja.