‘Zuma tem que cair’: África do Sul se levanta contra presidente

Por: Ligia Gomes, do ABC, São Paulo

Nos últimos dias, a África do Sul tem sido palco de novos protestos contra o presidente Jacob Zuma, do partido Congresso Nacional Africano, de Nelson Mandela. A luta é expressamente contra sua figura, e a principal palavra de ordem é Zuma Must Fall (Zuma tem que cair).

O estopim para essa nova crise política foi a publicação de um relatório denominado ‘Estado de Captura’, no qual a procuradora Thuli Mandonsela aponta fortes indícios de que eram os irmãos Gupta, de uma influente família sul-africana, que indicavam os nomes para os principais postos do governo. Jacob Zuma tentou impedir a publicação do relatório mas, no dia 2 de novembro, a Justiça determinou que fosse tornado público. O governo de Jacob Zuma vem acumulando crises e derrotas, e sua permanência no poder é cada dia mais improvável.

Em agosto deste ano, o partido de Zuma teve os piores resultados em eleições municipais, ficando abaixo de 60% pela primeira vez desde 1994, com 53% dos votos. Mais importante do que a proporção, contudo, é o fato de que seu partido perdeu o controle das principais cidades, como a capital Pretoria e a cidade industrial de Port Elizabeth. Quem levou nessas cidades, infelizmente, foi o partido Aliança Democrática, tradicionalmente uma organização de classe média branca e um tanto quanto nostálgica do período do apartheid. É verdade que a Aliança Democrática tem tentado mudar esse perfil e no ano passado elegeu seu primeiro presidente negro, mas isso não muda seu caráter. Para se ter uma ideia, entre suas principais propostas para a economia está uma reforma trabalhista que visa retirar o poder dos sindicatos, dificultar a organização dos trabalhadores e fragilizar as relações de trabalho, divulgado no ‘Programa da Aliança Democrática para tirar a África do Sul da crise’.

A Aliança Democrática representa uma grande ameaça ao povo sul-africano. Mas, é preciso notar que o maior responsável pelo seu crescimento é o partido do Congresso Nacional Africano, que se constituiu na luta contra o apartheid, em busca de uma sociedade mais justa e igualitária, mas se esmerou em não mudar a estrutura, em governar para manter os ricos lucrando e extração de minérios para exportação como principal atividade econômica. Em 2012, já sob o comando de  Zuma, forças do governo atiraram contra 112 mineiros em greve na mina de Marikana, mantando 34 e enterrando junto com os trabalhadores as esperanças do povo sul-africano de que o partido de Nelson Mandela pudesse estar ao seu lado.

Na base do descontentamento com o governo e do grande número de protestos da crise política que parece não ter fim, está a crise econômica, que atingiu o país em 2009 e nunca mais abandonou. Isso é relacionado à dependência do país em relação à mineração. Quando o preço do minério começou a cair, levou consigo a economia sul-africana. A taxa de desemprego está em 25%. A educação tem sofrido vários ataques, mas considerando a investida do governo Zuma contra os trabalhadores, são os estudantes que protagonizaram os maiores embates dos últimos meses. Em outubro do ano passado, conseguiram derrubar o aumento das tarifas.

Agora, com a publicação do relatório sobre a influência dos irmãos Gupta no gabinete de Zuma é cada vez mais provável a queda de Zuma, pois em seu próprio partido aumenta a pressão para que renuncie, buscando manter um nome seu na Presidência (é o parlamento, onde o partido Congresso Nacional Africano tem maioria, que indica o presidente). Mesmo assim, a crise política deve estar longe de acabar, pois a revolta não é apenas com o presidente, mas contra o partido Congresso Nacional Africano.

É impossível não notar as semelhanças com o Brasil. A crise política que tem origem na crise econômica, na deterioração das condições de vida dos trabalhadores, no desemprego e nas dificuldades impostas à juventude. Os grandes levantes, protestos e revoltas que não conseguem reverter a situação em favor dos trabalhadores e o contraditório avanço político da direita. A preponderância da justiça, vista como árbitra imparcial, quando na verdade é uma instituição sobre a qual o povo não tem nenhum controle – e, portanto antidemocrática – e a ênfase que vem ganhando o problema da corrupção, porque esse é o único ponto sobre o qual a direita pode, ainda que hipocritamente, bater, já que seu programa econômico no fundo é composto de mais ataques aos trabalhadores e à juventude.

Semelhante também é a ausência de uma alternativa política para os trabalhadores e a juventude. Em 2012, foi fundado o partido Lutadores de Liberdade Econômica por Julius Malema, expulso do partido Congresso Nacional Africano. Esta organização tem em sua pauta uma reforma agrária radical e nacionalização das minas, não tem qualquer perspectiva de se enfrentar com o capitalismo e a divisão internacional do trabalho que impõem à África do Sul um papel subalterno, daqueles países que pouco recebem nos tempos de fartura e muito perdem nos tempos de crise. Na verdade, tal partido tem uma perspectiva mais populista. Mesmo assim, é possível que os que procuram uma alternativa à esquerda encontrem nele uma opção, ainda que não seja de fato. Contudo, o mais provável é que o maior beneficiário da crise atual seja o partido Aliança Democrática.

Os trabalhadores, as mulheres, e a juventude sul-africanos têm, como nós no Brasil, o grande desafio e a grande oportunidade de construir sua alternativa política, para intervir na crise atual e nas lutas e disputas futuras, com um programa próprio, sem conciliação de classe, de defesa dos trabalhadores e socialista.

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Foto: Reprodução Eyewitness News