Relato de um corintiano no Maracanã: que espécie de gente é essa?
Publicado em: 25 de outubro de 2016
Por: Reinaldo Chagas, de São Paulo, SP
O fato é que ser branco e não ter tatuagem alguma são uma espécie de salvo conduto no Brasil.
Salvo conduto, ou passe livre quando a multidão é heterogênea como nas arquibancadas do Maracanã.
Mas, esse salvo conduto tem um limite: estar junto com a torcida Corintiana pode revogar esse salvo conduto e abrir as portas das masmorras diárias que negros e pobres vivem todo dia. Há 500 anos.
Antes capatazes, capitães-do-mato, bandeirantes, jagunços, hoje Polícia Militar. A função segue sendo manter os pobres acovardados e calados. Sob a ameaça direta e brutal: desobedecer, ou contestar será respondido com paulada e cadeia e talvez a morte. Simples assim.
Sim, a multidão anônima e calada pelo medo aguardava receosa o desenrolar dos acontecimentos. Os PMs caminhavam entre nós repetindo “Vocês são vagabundos, filhos da puta corintianos do caralho”, ou ainda “Estão achando que aqui é São Paulo, aqui é Rio, aqui é disciplina, nem que seja no pau”. Mandavam: “Mostra a tatuagem do Corinthians aí”.E quem tinha, já tomava um tapão. Eles caminhavam devagar, bufando e rosnando, babando ameaças enquanto batiam o cassetete no chão.
Enquanto isso, alguns torcedores cochichavam “Bora se preparar que geral vai entrar no cacete”!
Que espécie de gente é essa?
Que espécie de gente é essa de quem o presidente do Flamengo fala?
“O policiamento agiu com presteza. É lamentável ver um policial trabalhando e ser agredido covardemente como foi. Mas, claro que todas as providências foram tomadas. É claro que quando você lida com gente dessa espécie, você tem que esperar alguma coisa”, disse.
Não vou entrar no mérito das torcidas organizadas, seus métodos, práticas e intenções. Se agridem alguém, devem ser penalizadas por isso, como qualquer um. Se se unem para a prática de violência, que sejam enquadradas assim. Mas, torcida organizada não é só isso. Às vezes eles se movimentam com campanhas do agasalho, doação de sangue, escola de samba, movimentos por ingressos mais baratos e outras coisas do tipo. Generalizar torcedor de futebol como bandido é um erro.
Como o seria generalizar que todo policial é um espancador facínora.
Porém, assistimos ao desrespeito diário dos Direitos Humanos praticado pelas polícias, ou seja, pelo Estado, pela Lei.
Quando policiais, cumprindo ordens, humilham, agridem e batem em gente parada simplesmente porque estavam perto de alguém que cometeu crimes e as reportagens acham isso normal, o presidente do Flamengo acha isso louvável, aí temos a banalização da violência.
Eis o problema central daquele episódio.
Mas, a banalização da violência contra a massa sem nome, contra a massa de corintianos, contra a massa de favelados, contra a massa de manifestantes. Afinal, nunca vi preso pela Lava Jato sendo arrastado pelo colarinho branco para dentro de camburão enquanto tomava bicuda de coturno.
A violência policial é certeira. Não são exagerados, nem despreparados. Não cometem excessos, nem são atos isolados. É uma prática institucionalizada, está nos manuais, nos treinamentos. Na psicologia massacrante e grotescamente alienante do militarismo, aprendem que pobre bom é pobre calado.
A PM brutal no estádio é nada perto da PM brutal no dia a dia da favela.
Sua comunidade não tem saneamento básico? Cala a boca e trabalha, porra!
O ônibus leva horas para passar no seu bairro? Para de reclamar, ô, vagabundo!
Não tem sequer emprego? Então vê se morre quieto aí, só não vá levantar a voz!
O novo lema do Governo Federal “Ordem e Progresso” quer reviver a lógica positivista de fins da escravidão no Brasil. Todo erro será brutalmente punido, especialmente se você se levantar contra a Ordem, ou reivindicar alguma migalha do suposto progresso.
Foto: Esporte Interativo/Reprodução
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