As ideologias importadas na educação brasileira

Por: Juan, de Volta Redonda, RJ

As ocupações nas escolas em várias capitais é uma amostra de que uma porcentagem significativa dos jovens secundaristas estão cientes do retrocesso que a reforma do Ensino Médio pode representar para seu futuro. A politização das ocupações, ao contrário do que os representantes do poder afirmam, não é impulsionada por grupos oportunistas. Porém, isso não impede que determinadas entidades políticas, a convite dos próprios alunos, possam se somar nessa luta em que a organização e a solidariedade são a argamassa do movimento. No entanto, na maioria das ocupações, as pautas reivindicativas não se limitam apenas à Reforma do Ensino Médio, mas à PEC 241, à Escola sem Partido à Reforma da Previdência. Todas elas fazem parte do mesmo projeto neoliberal.

Ciente da politização das ocupações, o Ministro da Educação Mendonça Filho, numa atitude autoritária, ameaçou cancelar as provas do Enem nas escolas que estiverem ocupadas até o dia 31 de outubro.

Porém, a contribuição desse artigo tem a ver com as ideologias importadas, reintroduzidas e aplicadas pelos agentes da intelectualidade burguesa para serem aplicadas na Educação das instituições brasileiras e de outros países da América Latina. Um modelo que visa transformar os alunos em peças que, quando desgastadas e saturadas, são descartáveis para o capital, combinados com o reforço de códigos comportamentais padronizados, numa linha etnocentrista, ou seja, divulgando os valores culturais a partir de uma hierarquia vertical de superioridade.

A política neoliberal para o Brasil é estratégica para o imperialismo e não tem escrúpulos quando o assunto é defender dois projetos que se complementam: a manutenção dos status quo da elite burguesa perante uma crise estrutural, e as medidas que o governo adota para tal projeto, isto é, o ataque aos direitos conseguidos pela classe trabalhadora, através de reformas. A burguesia sempre utilizou minuciosamente os aparelhos ideológicos de estado (a escola, a igreja, a família, e o braço militar do estado) para executar esses ataques.

No caso da educação, quero chamar a atenção para a reprodução importada de modelos ideológicos (prática que ocorre desde a época do império português) para justificar ações autoritárias do Estado.

Antes da Revolução Industrial, o modelo de ensino incorporado nas escolas da Europa sofreu grande influência do professor e pastor luterano Amos Comenius (1592–1670), natural da Morávia, antigo Reino da Boêmia, atual República Tcheca. Na intenção de controlar ideologicamente as “almas” reforçando a “importância” da obediência, publicou sua obra clássica Didactica Magna (1621-1657), incorporadas às instituições escolares do período moderno e centralizadas no domínio patriarcal. Vejamos alguns de seus “ensinamentos”:

• “Esta vida não é senão uma preparação para a vida eterna” (capítulo III).
• Os graus da preparação para a eternidade são três:
(1) conhecermos a nós mesmos (e conosco todas as coisas);
(2) governarmo-nos;
(3) dirigirmo-nos para Deus (capítulo IV).
• As sementes da instrução, da moral e da religião são postas dentro de nós pela Natureza (capítulo V).
• O homem tem necessidade de ser formado para que se torne homem (capítulo VI).

• As instituições devem ser de quatro graus, em conformidade com a idade e com o aproveitamento: escola materna, língua nacional, língua latina, academia (capítulos XXVII a XXXIII)”

O preceito de se ter um professor para uma grande quantidade de alunos – base do ensino simultâneo – seguido por uma ordenação rígida dos conteúdos escolares, orientado por um só livro ou autor; foi e é uma das principais marcas de Comenius, reproduzidas até os dias de hoje em algumas instituições escolares como modelo de ensino.

Na realidade, o método de Comenius foi um complemento mais sofisticado do ensino clássico e da formação intelectual, que eram baseados, desde a época medieval, pelas artes liberais: o Trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (astronomia, geometria, música e aritmética).

Com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, a preocupação na formação de homens e mulheres para trabalharem com as máquinas e ao mesmo tempo consumir os produtos advindos dela, bem como formar poucos dirigentes para supervisionar uma grande quantidade de pessoas, apresentando-se como dóceis, eficientes e obedientes, fez com que o método de Comenius fosse adaptado para atender essas demandas, e o espaço escolar vai tornar as necessidades do mundo do trabalho foco da formação escolar, dando um caráter tecnicista a essa proposta.

Esses elementos são chamados atualmente de currículo tradicional. E quem melhor bebeu dessa fonte, adaptando-a na sua administração científica do trabalho foi o mericano Frederick Winslow Taylor (1856-1915) nascido na Pensilvânia, EUA. As palavras chaves da sua obra são planejamento e controle, centralizados em divisão de tarefas e repetição de movimentos. O taylorismo foi imitado em quase todos os países onde o capitalismo industrial se fez presente, e o Brasil não foi exceção. No entanto, foi na década de sessenta do século passado, com o crescimento econômico do país, devido a sua industrialização e combinados com avanço tecnológico, que a educação foi igualmente influenciada pelo método tecnicista. Paralelamente a esse evento histórico, foram criados postos de trabalho na educação que visavam a reprodução da visão dominante como: o administrador escolar, o orientadoreducacional e o supervisor escolar, este último pensando bem à moda da indústria. Felizmente, devido as lutas dos docentes, por tentar romper com esse modelo engessado de ensino, esta prática foi derrubada. Porém, seus resquícios continuam em determinadas instituições.

Saltando um pouco à frente, e migrando para os EUA no decênio de oitenta, num contexto de crise econômica e política – a primeira, devido a crise do petróleo americano iniciada em 1975 e a segunda por causa da derrota na guerra do Vietnã no mesmo ano – o governo americano adotau medidas para recuperar sua hegemonia no cenário mundial, recorrendo ao insuflamento do patriotismo americano, primeiramente, direcionado ao setor de entretenimento cultural, especificamente, do cinema hollywoodiano, reproduzido inicialmente com o filme “Rambo, Programado para matar” de 1982, que movimentou milhões de dólares em outros segmentos publicitários e comerciais por um longo período (KELLNER, 2001). Como o presidente na época era Ronald Reagan, bem relacionado no setor cultural por ser ex ator de Hollywood, a proliferação de filmes de Guerra contra o terrorismo – naquela conjuntura – “o espectro comunista”, foi uma febre que, via de regra deu certo. Até porque o Tio Sam ganhava todos os combates bélicos nos finais dos filmes, exaltando um complexo e paradoxal código moral.

Porém, no tocante a Educação, o projeto neoliberal foi mais profundo, reacionário e excludente. A ofensiva conservadora, fundada no elitismo que defende o papel da educação como guardiã da civilização ocidental, foi arquitetada pelo secretário de educação do governo Reagan, William Bennett. Segundo Buttigieg, “…estas políticas educacionais apoiavam-se na ideia de que a decadência educacional era consequência da decadência da sociedade americana. Esta decadência, definida por Bennett, era fruto da queda dos valores éticos e morais do povo americano, provocada pelos liberais e suas concepções quanto à cultura, à política e à vida social. Basicamente, Bennett defendia a retomada, por meio de um sistema escolar nacional, de um currículo comum único, para que os estudantes assimilassem os grandes documentos da civilização ocidental nacional, representados pela moral judaico-cristã. Os americanos que não se encaixassem nestas perspectivas étnicas e religiosas, eram os responsáveis (em última instância) pela fragmentação nacional” (BUTTIGIEG, 1999). Todos sabemos quem eram e ainda são “os responsáveis” que não se encaixam nesse modelo excludente: negros e latinos, especialmente.

Relembrando que as tão propaladas políticas afirmativas e o multiculturalismo no Brasil, em voga desde os dois últimos anos do século passado, igualmente, foi um modelo importado dos EUA, e que Fernando Henrique Cardoso tentou adaptá-las numa versão nacional, já que o mesmo era sociólogo e tinha um acúmulo sobre o debate sócio racial. Nesse processo, o “Novo Movimento Negro” viu a chance de reascender o debate racial, adormecido pela força que o mito da democracia racial no Brasil, influenciada pela obra de Gilberto Freyre “Casa Grande Senzala”, de 1933 e as políticas de cotas raciais – anexada no documento que foi apresentado em Durban África do Sul aos 45 do segundo tempo e na última pauta, devido aos embates sobre esse ponto entre as lideranças que iam representar o Brasil na Conferência. No entanto, logo após o evento, o assunto sobre as cotas raciais tomou uma proporção polêmica nunca antes visto no Brasil. Pra nós, dos movimentos sociais, especificamente, de um segmento do movimento negro que analisa a sociedade a partir do marxismo e do materialismo histórico, caracterizamos que apesar do sistema de cotas ser um instrumento importante – uma reparação socioeconômica histórica e não intelectual, muito menos biológica – é um paliativo concedido pela elite política neoliberal e a burguesia, devido a pressão que o Movimento Negro fez durante decênios, e que nem de longe resolverá as relações raciais no Brasil. As cotas são um pífia medida política, um pingo na nossa bacia de aflição, fé e desespero diante de quase 350 anos de “escravidão jurídica e institucional”, e, é bem que se diga, uma escravização marcada por muita luta desde que negros e negras colocaram os pés nesse solo, utilizando de vária táticas de sobrevivência que não cabe nesse texto.

Porém, sabendo que as questões referentes a opressão das minorias (minorias em direitos) é um problema também de educação, essas medidas (PEC 241 e Reforma do Ensino Médio) atacam diretamente a população negra e pobre desse país, filhos da classe trabalhadora, principalmente os jovens que precisam das matérias que aguçam o seu senso crítico, que possa ser agente transformador da sua comunidade, logo, da sua própria vida e que não seja um andróide do sistema, um reprodutor da lógica dominante ou mais uma peça na engrenagem da estrutura capitalista, para receber em troca, através da meritocracia, migalhas advinda da sua própria exploração, opressão por injúria racial, de gênero e/ou orientação sexual.