Pular para o conteúdo
EDITORIAL

A prisão de Cunha e a Lava Jato

Brasília – O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, embarca para Curitiba após ser preso pela Polícia Federal. (Wilson Dias/Agência Brasil)

Eduardo Cunha amanheceu atrás das grades. Por ordem do juiz Sergio Moro, o ex-presidente da Câmara dos Deputados teve a prisão preventiva decretada nesta quarta-feira (19). Acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e envio clandestino de recursos ao exterior, Cunha foi detido na garagem do apartamento funcional, em Brasília (DF).

A prisão provocou estremecimentos no Palácio do Planalto. O temor é de que Cunha ‘abra o bico’ e delate pesos pesados do governo Temer. Afinal, quem não se lembra do áudio de Romero Jucá: “Michel [Temer] é Eduardo Cunha”.

O ‘currículo’ de Eduardo Cunha
As provas de corrupção contra o ex-deputado do PMDB são fartas e perfazem um longo caminho de crimes variados, dilapidação do patrimônio público e impunidade vergonhosa.

Somente o patrimônio de Cunha, em contas secretas localizadas na Suíça, é de R$ 7,5 milhões. Ademais, o arquiteto do golpe parlamentar ostenta, comprovadamente, diversas empresas de fachada, dezenas de carros importados, mansões luxuosas e contas bancárias que somam centenas de milhões de reais.

O que chama atenção, quando observamos o notável currículo do meliante, é a brandura com que a Justiça o tratou por tanto tempo. Pesa sob o ex-deputado graves denúncias de corrupção desde quando presidia a Telerj no governo Collor. Ao longo de sua trajetória, Cunha foi intermediário de grandes grupos empresariais. Isto é, por detrás do bandido de terno e gravata, havia empresários poderosos obcecados pela rapina do patrimônio público.

Além de corrupto contumaz, Cunha trilhou uma carreira política associada ao ódio às mulheres, aos LGBT´s e aos negros. Em reação aos projetos do ladrão machista, dezenas de milhares de mulheres tomaram as ruas em todo país sob o slogan “Fora Cunha”, no que ficou conhecido como a “primavera feminista”.

Por tudo isso, Eduardo Cunha deve, sim, estar atrás das grades. E mais: todo seu patrimônio deveria ser confiscado e revertido em investimentos nas áreas sociais.

Porém, a prisão de Cunha, pelas mãos do juiz Sérgio Moro, em nada altera o caráter seletivo e político da Lava Jato. Em realidade, é provável que a detenção do ex-deputado, executada num momento em que a Operação passa por sérios questionamentos, seja parte de uma manobra orquestrada para disfarçar os seus verdadeiros objetivos.

Viva a Lava Jato?
A intenção da maioria da classe dominante é de que a Lava Jato seja vista pela população como uma operação imparcial para “salvar o país da corrupção”. Sob a lança destemida do Justiceiro Juiz Sergio Moro, que surge à cena como herói nacional, um novo Brasil, limpo e justo, estaria emergindo. A ‘Justiça’ burguesa eleva-se, assim, como a portadora da redenção nacional diante da desmoralização da política.

Desse modo, o sofrimento do povo brasileiro nas filas dos hospitais, na amargura do desemprego, com os indecentes salários e na indignante condição da educação pública não seria responsabilidade da ganância dos capitalistas, do ajuste fiscal e da retirada de direitos sociais, não.

O capitalismo não seria corrupto e injusto por natureza. Ao contrário, com uma ‘Justiça’ forte, dotada de poderes excepcionais e arbitrários, inclusive com a autoridade de eliminar garantias democráticas individuais, o país estaria entrando no rumo certo.

A rigor, a Lava Jato é parte da construção de uma saída reacionária à crise política. Com o enfraquecimento do Congresso e do Poder Executivo (Governo Federal), o Judiciário e a Polícia Federal ganharam maior relevância e passam, cada vez mais, a arbitrar e protagonizar a vida política do país.

De modo que o Judiciário brasileiro, que não é eleito por ninguém e historicamente figura como um aparelho conservador e reacionário, sob o manto da ‘imparcialidade’, assume poderes especiais (autoritários) nesse momento.

Além disso, esconde-se na Lava Jato vis interesses econômicos. Empreiteiras estrangeiras querem substituir as corruptas empreiteiras nacionais. As multinacionais do petróleo querem saquear o patrimônio e as reservas da Petrobrás. Quer dizer, a Lava Jato é, também, expressão de lutas entre setores da classe dominante pela pilhagem da riqueza nacional.

A correta luta contra a corrupção capitalista não pode levar a esquerda socialista à capitulação à Justiça burguesa e à Lava Jato.

Cunha merece cadeia, por isso, não lamentamos sua prisão. Porém, é preciso ver além das aparências e ter a coragem de enfrentar o senso comum. A espada da ‘Justiça’ de Moro carrega consigo a reação.

Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil