Por Gustavo Linzmayer de São Carlos, SP
A prática conhecida como agricultura sintrópica ganhou notoriedade, recentemente, devido à novela Velho Chico, onde é referenciada através de um projeto de recuperação, com técnicas de agrofloresta, de um solo desgastado por métodos predatórios de agricultura implementados por grandes proprietários.
Diferentemente do conceito de entropia, onde o nível de desordem de um sistema fechado tende a aumentar com a dispersão da energia, na sintropia, a energia é concentrada, resultando em um grau crescente de ordem. Assim as florestas são regeneradas, alcançando-se sistemas complexos à partir do simples.
O modelo foi criado pelo cientista suíço Ernst Götsch, que, após a realização de experiências e estudos sobre recuperação de solos degradados com recursos do próprio sistema, mudou-se para o Brasil e, em uma fazenda na região cacaueira da Bahia, iniciou as atividades que dariam origem à agricultura sintrópica. Utilizando os nutrientes das árvores locais, depositados no solo através da poda, combinado com o cultivo de espécies vegetais, inclusive variedades úteis para a economia e a alimentação, regenera-se a vegetação e a variedade do sistema. Devolve-se ao solo os nutrientes que tornam possível o cultivo sem a necessidade de adubagem externa. Até mesmo nascentes de rios voltaram, conforme a floresta se recuperava.
Após a inovação de Götsch, a aplicação da sintropia na agricultura difundiu-se entre algumas comunidades agrícolas, geralmente associadas a ideias de autonomia e de mudanças sociais através do uso consciente da terra.
Atualmente, discute-se, também, a importância da metodologia desenvolvida pelo pesquisador suíço para a reforma agrária, incluindo-a entre as ferramentas possíveis no estágio atual dessa luta. Em diversos aspectos, pode-se contrasta-la com os efeitos dos latifúndios sobre a terra.
Em primeiro lugar, a monocultura é danosa, pois ao implantar poucas espécies em um terreno, esse torna-se pobre em nutrientes e com pouca autonomia para receber outras culturas. Além disso, práticas como as queimadas, o uso de grandes extensões para pastagem de gado e a compactação da terra com tratores, comprometendo sua oxigenação e o movimento de raízes, prejudicam o solo e o meio-ambiente.
O ser humano passa a ter a possibilidade de ser um agente de regeneração de ecossistemas, não de destruição. Isso tem uma grande relevância em um período onde o avanço tecnológico do agronegócio e sua mecanização diminuíram a quantidade de trabalhadores rurais, empurrando-os, em grande número, para a marginalidade e ambientes insalubres nas periferias urbanas. Para essas pessoas, que possuem vínculos culturais e profissionais com a terra, a sintropia se torna também uma bandeira social, já que, através dela, podem tomar consciência da importância de seu trabalho sobre o solo. A reforma agrária adquire, para além da justiça econômica da distribuição da terra, caráter de justiça ambiental.
A agricultura e a ocupação territorial passam a ter importância não apenas na produção de bens, mas também, na criação de um ambiente harmônico, no qual os habitantes podem desenvolver seu modo de vida ligado aos ciclos das espécies vegetais e de outros componentes da natureza que contribui para preservar e aprimorar, através da policultura.
Liberta-se, também, da necessidade da utilização de adubos provenientes de fontes externas ao ecossistema local, tornando o processo mais completo. Questiona-se, frequentemente, certos modelos de produção orgânica que, embora não utilizem diretamente agrotóxicos no plantio, apropriam-se dos nutrientes de adubagem adquirida em outros locais, cuja procedência, muitas vezes, não é conhecida. Essa questão também está ligada à liberdade de ingestão, já que o plantio sobre um solo estruturado, capaz de prover todos as substâncias necessárias, oferece um controle maior do que se coloca ao organismo.
Em tempos em que se questiona os malefícios que certos componentes dos alimentos podem nos causar e a maneira como ficamos reféns de sua utilização por grandes empresas, que só tem como meta o lucro imediato e, sem instituições e entidades poderosas o suficiente para fiscalizá-las, podem ocultar seu uso e efeitos, a agricultura sintrópica apresenta-se com potencial anticapitalista. Entra nesse campo, também, a liberdade que o solo autônomo para o plantio oferece ao produtor em relação às flutuações do mercado de adubo, sujeito aos interesses de latifundiários e do mercado especulativo.
No momento presente, um movimento de sem terras composto por centenas de famílias luta para implementar esse tipo de prática agroecológica na Estação Experimental de Itirapina, em um horto florestal. Trata-se de uma área estadual, utilizada por empresários que de lá extraem madeira. No local se encontra uma enorme monocultura de pinos que produzem uma perigosa e altamente inflamável resina e que podem ocasionar incêndios de proporções desastrosas. Através das décadas, essas árvores têm degradado o solo e diminuído seu potencial nutritivo.
A partir da lei estadual 249 de 2013, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) pretende privatizar o terreno. Aliado a ele estão veículos comerciais de mídia e uma parcela poderosa do empresariado local. Esses setores espalham uma narrativa de que a ocupação dos sem terras coloca em risco o meio-ambiente e que sua atividade é indesejável no local. Graças a essa campanha, a ocupação iniciada na madrugada do dia 2 para 3 de setembro de 2016, foi removida da Estação Experimental por ordem judicial com apoio de forte aparato policial.
Em alternativa a essa versão propagada pela imprensa corporativa, é importante destacar que nocivo é a monocultura de pinhos, que não é mata nativa ou algo a ser preservado. Muito pelo contrário, é um risco para a natureza e para a atividade humana na região. Melhor é a produção agrícola familiar proposta pelo movimento, ao invés da proposta do governo de repasse da área para o empresariado, com seus projetos de resorts e cafés que mais glamourizam a ecologia do que protegem a natureza. Além da preservação, com a implementação da agricultura sintrópica, é possível regenerar o solo e a riqueza da floresta local, com características, originalmente, de cerrado.
Foto: Trecho do Filme Da Horta à Floresta
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