‘A revolução começa nas quebradas’: diário de luta 2

Por: Matheus Gomes, Lucas Fagundes e Otávio Tinoco

O primeiro encontro da quarta-feira (12) foi com o sol, visitante pouco habitual que tirou a nossa impressão acinzentada da cidade. Tomamos um café na padaria e partimos em direção ao Cidade Industrial de Curitiba (CIC), onde encontraríamos a gurizada da escola Hildegard Söndahl.

No caminho conhecemos a verdadeira Curitiba, onde mora o povo negro e trabalhador, muito diferente do lugar que vive o Juiz Sérgio Moro, que conhecemos no dia anterior. Descobrimos que em 2012 o deficit habitacional na cidade era de 86.820, superior ao de Porto Alegre. E parece que a situação não mudou nada. No CIC existem ocupações que surgiram há poucos dias e a Ocupação Tiradentes, que abriga 800 famílias, sofre ameaça constante de despejo.

Chegando na Hildegard, o cartaz que nos recebia afirmava que “A revolução começa nas quebradas”. Era o segundo dia de ocupação, mas a organização da piazada estava exemplar. Ao invés de comissões, eles chamam as equipes de ‘Comitês’. Não trabalham com líderes de equipe, estão tentando distribuir as responsabilidades coletivamente. Fizemos um debate no saguão da escola decorado por vários cartazes contra Michel Temer, a MP do Ensino Médio e a PEC 241. Temas como o machismo e LGBTfobia na escola e cultura também foram debatidos.

Debate do saguão da escola
Debate do saguão da escola Hildegard

À tarde, voltamos para o Centro e no caminho soubemos da coletiva de imprensa organizada pela União Paranaense de Estudantes, vinculada à UBES. O propósito era apresentar o que tinha sido conversado entre Beto Richa e Matheus dos Santos, presidente da entidade. De fato, a entidade está presente em muitas ocupações pelo estado e hoje cumpre um papel importante, pois organiza a página @OcupaParaná.

Entretanto, ficamos bastante desconfiados das intenções reais deles dentro do movimento. Em Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, conhecemos as tentativas de negociações e acordos pelas costas das ocupações independentes, que são maioria em todos estados. No Rio Grande do Sul, não temos como esquecer a traição ao movimento que ocorreu em 14 de junho e resultou na ocupação da SEFAZ pelo Comando de Escolas Independentes, movimento criminalizado até hoje, mas que reabriu as negociações com Sartori. Matheus propôs que as escolas elejam delegados que organizem representantes municipais para a formação de um comando estadual e também disse que a exigência nacional é a retirada da Medida Provisória e a criação de uma Conferência Nacional para a Reforma do Ensino Médio, nos moldes da antiga CONAE.

Estamos aflitos com a urgência de uma articulação nacional dos secundas, porque a UBES não pode cumprir esse papel devido ao afastamento histórico das bases. Em Curitiba, a direção da UJS apoia Ney Leprevost (PSD) no segundo turno. Historicamente estiveram ao lado do PMDB de Roberto Requião, ganhando benesses como apartamentos e dinheiro para Congressos. Hoje, se apoiam na força desse aparato para se apresentarem como ‘direção’ da luta, mas o que notamos é que isso não é referendado pelas escolas pelas quais passamos.

Achamos válida a ida da piazada nesses espaços, no Rio Grande do Sul fizemos isso no que foi inicialmente proposto pela UBES. Mas, toda atenção é necessária. Ou os estudantes controlam de verdade a luta, com a força de sua autodeterminação, ou é melhor criar outro Comando de Mobilização, com perfil independente das entidades.

Final de tarde e partimos para Pinhais. Nos dividimos e visitamos cinco escolas, Newton Freire e Arnaldo Busato, que tínhamos ido na terça, além do Campus Sales, o Amyntas e Mathias Jacomel. Nas duas últimas, trocamos uma ideia forte e recolhemos ótimos depoimentos para o documentário que iremos lançar em nosso retorno. Especialmente no Amyntas, nos chamou a atenção o protagonismo feminino. As gurias sofreram duros ataques com rojões e ameaças durante a madrugada e à tarde, mas não pensavam em recuar. Igual no RS, elas são a linha de frente do movimento.

Chegamos em casa e o clima era outro, uma forte chuva caiu sobre a cidade, certamente o saguão das escolas estava ainda mais gelado. Mas, o bonde não para. Tem ocupação da Zona Sul à Zona Norte.