Eleições americanas: a imagem da decadência?

Por: Victor Wolfgang Kegel Amal, de Florianópolis, SC

Após o segundo debate presidencial, Hillary Clinton, segundo algumas pesquisas, chegou a abrir 11% de vantagem sobre Donald Trump, embora a audiência do debate tenha sido bem menor (66 contra 84 milhões no primeiro). Hillary saiu vitoriosa do último debate na percepção dos eleitores norte-americanos, e por isso voltou a obter certa “folga” que havia perdido em setembro.

Mas mesmo assim é difícil afirmar que se trata de um efeito somente do áudio misógino de Trump, pois apenas 12% dos eleitores republicanos consideram errado o que nele disse o candidato republicano.

Talvez o fato decisivo seja o abandono do apoio de muitos quadros dirigentes do partido Republicano, como o ex-candidato a presidente, o senador John McCain, e vários outros senadores e também governadores republicanos e figuras do partido, como o ex-governador Arnold Schwarzenegger e a ex-Secretária de Estado do governo Bush, Condoleeza Rice. Agora, Paul Rayan, presidente da Câmara de Representantes, adotou a mesma posição, refletindo o temor de que o “efeito Trump” faça com que os Republicanos percam o controle das duas Câmaras do Parlamento americano.

Diante desse cenário, grande parte dos analistas afirmam que é difícil reverter a provável vitória de Hillary. Contudo, nada está decidido. Clinton pode estar à frente das pesquisas neste momento mas durante a campanha ela já chegou a perder a mesma vantagem que tem agora para Trump. Como ela é visivelmente uma candidata do establishment político norte-americano, a população que hoje vota nela o faz por desprezo a Donald Trump.

Por exemplo, entrevistas em redutos republicanos no Colorado registram muitas declarações de pessoas que dizem ser obrigadas a escolher o pior dos males.  Portanto, não são votos decididos e as eleições não são obrigatórias, o que torna a vontade de comparecer para votar um fator muito importante. Além disso, falta ainda quase um mês até a votação (8 de novembro) e estas eleições estão sendo marcadas pela exibição de fatos escabrosos e não pelas propostas políticas propriamente ditas, onde a ínfima diferença de votos entre os candidatos às vezes é dirimida pelo último escândalo midiático atribuído a cada um dos dois.

Difícil dizer quem estaria mais vulnerável nesse sentido. Como prometido, o Wikileaks soltou no dia 10 mais um lote semanal de e-mails secretos associados a Hillary Clinton. Da última vez em que documentos foram expostos pelo Wikileaks, ficou evidente que a burocracia do Partido Democrata boicotou a campanha de Bernie Sanders e se utilizou de meio escusos para garantir a indicação de Hillary, o que levou à demissão de Debbie Schulz, presidente do comitê de campanha de Hillary.

Por outro lado, Trump é uma aberração do século XXI, que tem imensa capacidade de reproduzir ideologias machistas, racistas e LGBTfóbicas por minuto. Com todo o escândalo de seu áudio, manteve-se desafiador. Mas teve que, pela primeira vez na campanha, ir a público se desculpar pelas imbecilidades que falou. Foi alvo de críticas de sua própria esposa e seus filhos pelos absurdos machistas que cometeu. Contudo, Trump não ficou na defensiva. Horas antes do debate, o republicano deu uma entrevista coletiva, acompanhado de várias mulheres que disseram terem sido assediadas sexualmente por Bill Clinton, ex-presidente democrata e marido de Hillary.

Sem alternativas para a maioria da população trabalhadora do país
Mais além das acusações mútuas e do escândalo prévio do áudio de Trump, o pouco que disseram sobre temas substantivos não representou uma opção para os graves problemas que afetam a população trabalhadora, o racismo e o papel americano no mundo.

Ao ser questionado sobre o áudio, Trump se desviou da pergunta e falou como iria combater o autodenominado Estado Islâmico, além do relato sobre a reunião com as mulheres que afirmaram terem sido assediadas por Bill Clinton. Para se ver como ambos os partidos estão malparados quando o assunto é opressão.

Além da denúncia de Trump quanto ao déficit público de 19 trilhões de dólares dos Estados Unidos, o republicano enfatizou também o fracasso do programa de assistência à saúde Obamacare, uma das principais “vitórias políticas” do governo Obama.

O “Obamacare” foi uma lei sancionada por Barack Obama em 2010, chamada formalmente de Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente (ACA). O objetivo dessa lei foi o de tentar regularizar o caos que é o acesso à saúde nos Estados Unidos. Lá, o sistema de saúde é totalmente privado, havendo apenas alguns programas de assistência financeira como o Medicare (para pessoas acima de 65 anos) e o Medicaid (para famílias de baixa renda).

Para tanto, a lei visou regulamentar os preços dos seguros privados de saúde; impedir que as empresas privadas negassem a venda de seguros para pessoas com histórico de doenças; tornar obrigatório que todos tenham planos de saúde; expandir o Medicaid; subsidiar empresas privadas para diminuir o preço dos seguros, etc. O problema do “Obamacare” e que resultou na baixa adesão ao programa é que ele mantém as bases privadas do sistema de saúde norte-americano, baseado em empresas de seguro que especulam com o preço dos planos de saúde para a obtenção de lucro, gerando um oceano de dívidas para a população pobre que ainda consegue pagar seus preços.

A lógica de o governo dar dinheiro para as pessoas comprarem planos de saúde é totalmente disfuncional de um ponto de vista do acesso à saúde. Enquanto esse dinheiro poderia ser investido para criar um sistema universal de saúde, com o “Obamacare” ele é repassado indiretamente para as empresas privadas através da compra de seus planos de saúde.

Sem entrar em detalhes sobre o assunto, Hillary apenas disse que o “Obamacare” tem problemas, mas pode ser reformado. É aí se verifica a falácia da proposta dos democratas: um projeto de saúde que tem em seu cerne o repasse de verbas para o setor privado não pode ser reformado, mas apenas substituído. Pior ainda foi o argumento de Trump, que defendeu que uma expansão do Medicare e Medicaid iria resolver o problema, sem sequer apresentar qualquer tipo de regulamentação sobre a especulação das empresas privadas de seguro.

As duas faces de uma política de ataque aos povos do mundo
É necessário também chamar a atenção sobre o debate quanto à política externa norte-americana. Nesse ponto, Trump demonstrou toda a sua islamofobia, colocando a religião islâmica como a culpada pelo terrorismo internacional e voltando a repetir que deve ser proibida a entrada de refugiados nos Estados Unidos. Já Hillary, apesar de defender o recebimento de um pequeno número de refugiados da Síria e de outros países nos EUA, continua a defender uma política intervencionista no Oriente Médio, que é responsável pela emigração de milhões de refugiados para o Ocidente. A aceitação de alguns refugiados é um pequeno paliativo, mas o fundamental é que os EUA e seus aliados cessem de destruir a região da forma que bem entenderem.

Além disso, Trump defendeu um alinhamento dos EUA ao ditador sírio Bashar al-Assad na Guerra Civil Síria, capitulando à política externa da Rússia. Hillary, por outro lado, insiste que tanto Bashar quanto o presidente russo Vladimir Putin devem responder por crimes contra a humanidade cometidos na Síria. Hillary, inclusive, subiu o tom contra a Rússia durante o debate. Segundo ela, a Inteligência norte-americana descobriu que o presidente Putin esteve por trás do vazamento de e-mails secretos do Partido Democrata pelo Wikileaks, com a intenção de influenciar a eleição norte-americana a favor de Trump e desestabilizar o sistema político dos EUA.

Com resultado ainda indefinido, apesar de a balança ter pendido a favor de Hillary, o resultado das eleições é que a uma parcela muito importante da população fica claro que ambos os candidatos não apresentam perspectivas de melhoras. Quando escolher entre o mal menor é algo tão estendido as eleições escancaram um mal-estar social. O fato que Hillary não conseguiu se aproveitar do rebaixamento moral de Trump após o vazamento dos áudios mostra que ela é tão vinculada ao establishment e ao sistema político norte-americano que não consegue se sobressair contra um candidato tão repugnante como Trump. Sem vantagem significativa da democrata sobre o republicano, a eleição ainda tem um caráter muito incerto.