Por: Waldo Mermelstein, São Paulo, SP
Desde o plebiscito de junho que determinou a saída do Reino Unido da União Europeia (a chamada Brexit), a libra esterlina, moeda da Grã-Bretanha, caiu cerca de 15% em relação ao dólar, chegando ao seu mais baixo valor desde 1985. Nesta sexta-feira, uma queda repentina em poucos minutos chegou a 10%, o que gerou muitas especulações, tendo a moeda se recuperado parcialmente depois. A volatilidade se explica pelas incertezas que marcam a negociação para a Brexit, no contexto As incertezas sobre o caminho de saída da União Europeia, apontada pelo plebiscito de junho.
Depois de muitas indecisões, a nova primeira-ministra, Theresa May, anunciou nesta semana que invocará o Artigo 50 do Tratado de Lisboa – que estabeleceu o bloco europeu em março de 2017 – para pedir oficialmente a saída.
De forma a agradar a ala mais xenófoba de seu partido e às pressões xenófobas no país, declarou que mais do que a manutenção dos benefícios do acesso ao mercado comum europeu, que sim interessa ao capital britânico, o importante é retomar o controle das fronteiras, o que em bom inglês significa a perseguição dos imigrantes.
A ministra dos assuntos internos, Amber Rudd detalhou os planos de controle da imigração , dizendo entre outras coisas que iria propor que as empresas publiquem o número de estrangeiros que empregavam e anunciando medidas para diminuir o número de estudantes e de trabalhadores estrangeiros com vistos temporários.
Em mais uma medida xenófoba, que evidencia a tensão evidente nas negociações com a União Europeia, a Grã-Bretanha excluiu especialistas estrangeiros de emitir pareceres sobre a Brexit, como denunciou Sara Hagemann, professora da London School of Economics
Os interesses em jogo
Um complexo jogo de pressões e contrapressões acompanhou o anúncio. Muito está em jogo. Trata-se, afinal, de 1/8 da população da União Europeia, 1/6 de seu PIB, seu principal centro financeiro e, detalhe importante, local de metade de seu arsenal nuclear. O grande capital quer ter certeza que não perderá com a mudança. Os grandes bancos ameaçam retirar suas matrizes de Londres ao não terem assegurado o “passaporte europeu” para seus funcionários. Chantageiam frente à possibilidade de ter que pagar impostos para negociar com a União Europeia (diga-se de passagem, pagar impostos não é um esporte preferido por banqueiros, não é mesmo?).
A City de Londres, é o maior centro financeiro do mundo, grande responsável pelo superávit comercial do Reino Unido com a União Europeia, pois o país é deficitário no intercâmbio de produtos.
O Japão, por exemplo, que tem metade de seus investimentos europeus no Reino Unido (cerca de mil empresas, com 140 mil trabalhadores) já advertiu o governo britânico que suas empresas perderem o acesso ao mercado único europeu poderão mudar suas sedes.
As burguesias europeias estão nervosas
O anúncio de Theresa May aumentou as tensões com as demais burguesias europeias, em especial as duas mais importantes, a francesa e a alemã.
O primeiro-ministro socialista, François Hollande declarou que “a Europa sempre viveu com crises. Mas desta vez, não é mais uma crise. É a crise”. E mais, disse que “o Reino Unido deve pagar um alto preço por ter optado por sair da União Europeia” e que “é preciso que haja uma ameaça, um risco e um preço, senão nós estaremos em uma negociação que não terminará bem e, inevitavelmente terá consequências econômicas e humanas”.
Para não restar dúvidas, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, declarou que “não se pode estar com um pé dentro e o outro fora e com o pé para fora destruir o que construímos. Percebo as manobras”.
A crise econômica à espreita
A razão de fundo dessas tensões é que o crescimento econômico vai perdendo força no Reino Unido e no mundo. A Alemanha e a França terão desempenho fraco; a Alemanha em particular terá uma diminuição de 1,7% para 1,4% de crescimento de 2016 para 2017, segundo as previsões do FMI.
O crescimento britânico, segundo o FMI, cairá de 1.8% neste ano para 1,1% no ano que vem, depois de ter sido de 2,2% em 2015. As previsões da OCDE praticamente coincidem, situando-o em 2,2%, 1,8% e 1%, em 2015, 2016 e 2017 respectivamente. O mais notável no caso é a volatilidade das previsões: comparadas com as previsões de abril e junho do FMI e da OCDE, há uma diminuição de 1,1% e 1,0% para 2017, em base às expectativas geradas pelas negociações da Brexit.
E a opinião da UNCTAD é clara: “A economia do Reino Unido, mesmo sem a ameaça da Brexit, estava destinada a atravessar um período difícil devido ao seu alto nível de endividamento e a um persistentemente grande déficit comercial. As consequências no longo prazo da Brexit ainda não estão claras, dada natureza sem precedentes da decisão e a incerteza política que criou, ainda que o crescimento certamente diminuirá no curto prazo”.
E se não bastassem esses ingredientes, a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, o tratado de livre comércio entre os EUA e a União Europeia está ameaçado pela situação criada com a Brexit e Alemanha e França enfrentarão eleições no ano que vem, em que a direita mais oposta ao bloco europeu pressionará contra quaisquer concessões feitas na negociação com o Reino Unido.
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