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O sistema eleitoral e a reforma contra os pequenos partidos

Travesti Socialista

Travesti socialista que adora debates polêmicos, programação e encher o saco de quem discorda (sem gulags nem paredões pelo amor de Inanna). Faz debates sobre feminismo, diversidade de gênero, cultura e outros assuntos. Confira o canal no Youtube.

Por: Travesti Socialista, colunista do Esquerda Online

Muita gente, com justiça, ficou indignada com a não eleição de Amanda Gurgel em Natal, RN, e Ailton Lopes, em Fortaleza, CE. Esses mandatos farão muita falta para quem defende a estratégia socialista. Mas vamos separar duas discussões: uma, o fato das eleições legislativas serem proporcionais, e outra, as barreiras intencionalmente colocadas pela reforma eleitoral de Cunha, que ataca pequenos partidos como PSOL, PSTU e PCB.

O voto proporcional
Para explicar como funciona, vamos dar um exemplo. Imagine que, numa determinada cidade, uma coligação obteve 10% dos votos (somando todos os votos em vereadores). Então ela deve obter aproximadamente 10% das vagas. Se nessa cidade existem 28 vagas para vereador, como 10% de 28 é 2,8, arrendondamos para 3 vagas, que são assumidas pelos três candidatos mais votados dessa coligação. Nem sempre o arredondamento dá certo, por isso o cálculo é feito da forma que é explicada aqui, que, sem a reforma do Cunha, daria resultados bem próximos.

Esse sistema eleitoral foi criado para favorecer agremiações com um programa comum. Candidatas que defendem propostas comuns se uniriam num mesmo partido para concorrer coletivamente. As pessoas que defendem as mesmas coisas concorrem conjuntamente, sabendo que seus votos serão somados e não divididos.

Em São Paulo, por exemplo, o sistema proporcional permitiu o PSOL eleger Toninho Véspoli e a feminista Sâmia Bomfim. Isso porque os votos no PSOL, incluindo na legenda e em outras candidatas feministas, somaram 3,44% dos votos. 3,44% de 55 é 1,9, o que corresponde a duas vagas. O mesmo ocorreu com o PSOL no Rio de Janeiro (seis eleitos, dois deles pela proporcionalidade), em Belém (três foram eleitos, dois deles pela proporcionalidade), Belo Horizonte (a votação na feminista negra Áurea Carolina elegeu a também feminista Cida Falabella) e Porto Alegre (três eleitos, um deles pela proporcionalidade).

Mas, nem o governo nem a mídia explicam para a população como as eleições funcionam. A urna eletrônica mostra o nome da candidata, sua foto e o seu partido, sem explicar que aquele voto pode eleger outra pessoa de outro partido. As coligações são formadas em base a negociatas políticas, trocas de favores e de cargos. Os votos que Tiririca (PR) recebeu em 2010, por exemplo, elegeram ele, Otoniel Lima (PRB), Vanderlei Siraque (PT) e Protógenes Queiroz (PCdoB). Além do oportunismo, o que há de comum entre esses quatro candidatos e seus partidos?

Os poderosos partidos do país lançam inúmeras candidaturas, com programas e perfis totalmente distintos. Recebem montanhas de dinheiro das empresas e dos bancos e investem pesado em seus candidatos principais, deixando que os demais cumpram apenas o papel de ‘puxadores de votos’. Esses partidos, que são agremiados de burocratas que buscam o poder a todo custo, atacam os pequenos partidos por serem ideológicos.

A Reforma Eleitoral de Cunha
Essa reforma retirou dos partidos com menos de dez deputados federais o direito de participarem dos debates. É evidente que esse projeto foi dirigido especificamente contra o PSOL, que só tem cinco deputados, além de outros pequenos partidos como PSTU e PCB.

Outra barreira criada é que são eliminados da eleição os partidos ou coligações que obtém menos votos que o quociente eleitoral (art. 109, § 2º, do Código Eleitoral). Isso nada tem a ver com proporcionalidade, muito menos com democracia. Do ponto de vista matemático e lógico, essa regra é uma aberração.

Suponha uma cidade que teve 90 mil votos válidos para vereador e que tem uma Câmara com nove vagas. Uma vaga corresponde a 90 mil votos dividido por nove vagas, ou seja, dez mil votos. Esse é o tal quociente eleitoral. Digamos que nove coligações concorreram, a coligação X obteve 12 mil votos e as demais, 9.750 votos cada. Proporcionalmente, a coligação X teria direito a 1,2 vaga e as demais, 0,975 vaga, portanto, matematicamente, o correto seria atribuir uma vaga para cada coligação.

Entretanto, pela regra quociente eleitoral, apenas a coligação X atingiu o mínimo de 10 mil votos. Isso significa que, nessa cidade, todos os nove vereadores serão da coligação X! Os votos de 78 mil eleitores seriam simplesmente jogados no lixo!

Foi essa barreira que impediu a eleição da Amanda, pelo PSTU, em Natal, RN. Ora, o PSTU obteve 2,82% dos votos a vereador, o que corresponderia a “0,82 vaga” na Câmara. Matematicamente, esse número seria arredondado para 1 e o PSTU teria direito a uma vaga. Mas, pela regra da reforma eleitoral, qualquer número menor que 1 é arredondado para baixo. O mesmo ocorreu com Ailton Lopes (PSOL), em Fortaleza, CE: o PSOL recebeu 2,15% dos votos, que corresponde a “0,92 vaga”, que matematicamente seria arredondada para 1.

É preciso, portanto, derrubar essa reforma eleitoral antidemocrática e absurda. Em vez de retirar direitos dos pequenos partidos, deveriam retirar privilégios dos grandes partidos e dos políticos.

Foto: Nelson Jr./ ASICS/ TSE (04/09/2008)