Abstenção e Nulos: O “Ninguém” ganhou mesmo as eleições neste ano?

Por Ademar Lourenço, de Brasília, DF

Os anarquistas gostam de fazer uma brincadeira dizendo que fazem campanha para o “Ninguém”. “Ninguém vai cuidar da saúde, Ninguém faz o que promete”. Quando o número de votos brancos, nulos e o não comparecimento é grande nas eleições, o “Ninguém” ganha destaque. Mas vamos analisar de maneira mais racional. O “Ninguém” ganhou as eleições deste ano como dizem alguns? Isso é bom ou ruim?

Levando a brincadeira um pouco a sério

Vamos chamar de “Ninguém” a soma dos votos brancos, nulos e dos eleitores que não foram votar. Na cidade de São Paulo, “Ninguém” teve 34,84% do total de votos esse ano, superando João Dória, que ganhou no primeiro turno. Em 2012, “Ninguém” teve 28,89% nas eleições para prefeito. No Rio de Janeiro, “Ninguém” subiu de 31,2% em 2012 para 38,1% em 2016. Em Belo Horizonte o resultado foi parecido: 31% em 2012 e 38,49% em 2016. Em Porto Alegre, “Ninguém” teve um aumento de 26,2% para 34,8% nos últimos quatro anos. Em todas estas cidades, o primeiro colocado das eleições ficou abaixo do “Ninguém”. A exceção entre as cinco maiores foi Salvador, na qual “Ninguém” se manteve estável (31,32% em 2012 e 31,85% em 2016) e não ficou em primeiro lugar.

Este resultado se repetiu em 541 das 5568 cidades do país. No entanto, se olharmos o total de número de eleitores, “Ninguém” não teve um desempenho tão bom como nos grandes centros, levando ao todo 28,8% dos votos. Não podemos exagerar, não aconteceu nada de extraordinário em 2016 quanto ao desempenho de “Ninguém”. Mas de fato houve um crescimento de sua votação nos grandes centros urbanos.

O que o número de abstenções nas grandes cidades quer nos dizer

Alguns podem falar que este aumento da abstenção é sinal de que o sistema político está em crise e a população está cheia da democracia burguesa. Não é bem assim. Existem outros fatores que interferem na abstenção, como a fragmentação dos candidatos e até mesmo um desprezo generalizado pela política, um sentimento que flerta com o fascismo. Quem defende a intervenção militar, por exemplo, tende a se abster das eleições.

Vamos a um dado interessante. Em 1989, o número de greves no Brasil foi altíssimo e as abstenções, nulos e brancos foram muito baixas. Em 1998 as greves diminuem drasticamente em relação à década de 80 e as abstenções, nulos e brancos aumentam bastante. Em 2014 o número de greves aumenta significativamente e as abstenções, nulos e brancos se mantêm em um patamar alto. Portanto não existe uma relação entre classe trabalhadora consciente e mobilizada e abstenção eleitoral.

É claro que o descontentamento com a política ainda é muito grande na população, principalmente entre os eleitores da esquerda. Provavelmente a maioria dos que não foram votar seriam aqueles que votariam no PT caso este partido não estivesse destroçado.

Também interferiu o fato do financiamento privado de campanha ter sido proibido. Não vamos ser inocentes, claro que as empresas doaram dinheiro “por fora”. Mas no geral esta campanha foi menos rica que a anterior. E isto provavelmente reduziu a compra de votos, prática generalizada no interior do país.

A qual conclusão podemos chegar?

Nem tanto à terra, nem tanto ao mar. É claro que nas grandes cidades do país o ânimo para a votação foi menor e isto ajudou alguns candidatos. O desgaste com o sistema político e o sentimento de que “todos são ladrões” aumentou. Mas não podemos dizer que há uma grave crise no regime político.

Nestas eleições houve uma clara vitória dos candidatos dos banqueiros e grandes empresários. A classe trabalhadora não enxerga uma direção na qual pode confiar. O desejo de castigar o PT por suas traições fez com que muitos trabalhadores votassem nos candidatos da burguesia ou não votassem. E não podemos ignorar o crescimento dos políticos reacionários ao estilo Bolsonaro, que surfaram na onda das manifestações “coxinhas” de 2015 e 2016.

Este resultado mostra a necessidade da unidade da esquerda socialista (PSOL, PCB, PSTU e outros grupos) nas lutas e nas eleições. Precisamos construir uma nova direção para as duras lutas que estão por vir. A classe trabalhadora precisa ter em quem confiar outra vez. Ainda há tempo deste vácuo ser preenchido pela esquerda. Não podemos perder a oportunidade.