Por Silvia Ferraro, de São Paulo
A vitória de João Dória Júnior no primeiro turno e, o que é pior, nos bairros da periferia de São Paulo, deixou qualquer pessoa que se localiza numa posição pela esquerda perplexa, reflexiva e, sobretudo, muito preocupada.
A cidade que foi o palco das manifestações reacionárias desde março de 2015 agora elegeu o representante deste processo. Uma ofensiva brutal da burguesia em todos os terrenos garantiu a vitória do representante do programa privatizador, do estado mínimo, defensor do impeachment e da moralidade reacionária. Dória é o representante legítimo da gerência do capital, como ele mesmo repetia em todo momento: “não sou político, sou gestor”. O gerente que vai colocar as verbas públicas para enriquecer o setor privado e que vai reprimir os movimentos sociais para garantir este projeto.
Fortaleceu-se a figura do governador Geraldo Alckmin como forte candidato a ser o representante do PSDB à presidência em 2018. Desvendar o que ocorreu nas eleições em São Paulo é essencial para analisar a correlação de forças neste momento em nosso país.
Não podemos ser impressionistas, mas o resultado foi categórico como símbolo do fortalecimento da direita na cidade. É preciso fazer uma análise precisa dos números no Brasil. Ao que tudo indica, a ida de Freixo ao segundo turno no Rio de Janeiro parece ser um ponto fora da curva. No geral, a direita se fortalece.
Já sabíamos que a burguesia e a classe média paulistana foram aos milhares à Avenida Paulista defender um programa reacionário. O que ainda não tínhamos dimensão era se as classes populares iriam se manifestar favoráveis a este programa. As eleições não são a manifestação exata da consciência da classe trabalhadora, porque vários elementos atuam para distorcer a vontade das massas. Nestas eleições, os elementos que atuaram de forma muito forte foram as novas regras eleitorais da reforma política feitas pelo Eduardo Cunha, que tiveram o claro objetivo de bloquear o espaço à esquerda que surgia com a decepção com o PT, e as ofensivas midiáticas e prisionais da operação Lava Jato nas últimas semanas. Porém, por mais que o resultado eleitoral não signifique o retrato exato da consciência e da disposição de quem vota, é inegável que significa uma tendência.
Ver a periferia de São Paulo votar em peso em Dória nos entristece profundamente. Guaianases, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, extremos sul e leste da cidade darem o voto ao representante da Casa-Grande, ao descendente de senhores de escravos e ao milionário representante da elite paulistana significa que algo de muito errado ocorreu em São Paulo e no Brasil nos últimos anos. Sem dúvida nenhuma houve um retrocesso.
É aí que entra o duro balanço que temos que fazer do PT. Desde 1988, o PT não fica de fora da disputa do segundo turno na cidade de São Paulo. Os bairros periféricos sempre foram os redutos vermelhos. Mesmo quando Maluf ou Serra ganharam a prefeitura, existiu polarização. O voto majoritário em Dória em redutos tradicionais do petismo na periferia da cidade tem duas explicações. A primeira é a ofensiva da direita na maior cidade do país, palco das maiores manifestações reacionárias que deram a base para o impeachment de Dilma. Mas a segunda explicação e a mais importante é que o PT abandonou sua base social original para se engalfinhar no poder justamente com a direita que abandonou seu barco. As massas trabalhadoras não perdoam o estelionato eleitoral. E a direita abandona o barco afundando. É assim que explicamos como a Fiesp, símbolo da burguesia paulistana, passou em poucos meses para o lado do Impeachment quando Dilma perdeu a popularidade. Com Haddad, a coisa não foi diferente. Sem a base social periférica e sem a predileção dos empresários, não chegou nem a ir ao segundo turno.
A disputa pela esquerda
A candidatura de Luísa Erundina pela coligação PSOL-PCB expressou justamente a necessidade da construção de uma alternativa pela esquerda, de superação do projeto de conciliação de classes do petismo e por isso foi tão importante existir este contraponto. Podemos discutir porque a campanha de Erundina não conseguiu capitalizar em votos a reorganização da esquerda como ocorreu com Marcelo Freixo no Rio e faremos esta análise em outro artigo.
Mas a existência de uma candidatura à esquerda do PT foi essencial do ponto de vista estratégico. Existiu uma pressão nas últimas semanas para que Erundina retirasse a sua candidatura em favor de Haddad. Seria um erro desastroso se isso tivesse ocorrido. Haddad não foi para o segundo turno porque a direita se fortaleceu em suas próprias bases e não porque existiu uma candidatura à sua esquerda. Diante da falência do projeto de conciliação de classes do PT, que se contentou em aplicar políticas mínimas compensatórias e em não se enfrentar nem um milímetro com a máfia dos transportes ou com a especulação imobiliária, construir um campo de resistência pela esquerda foi e continua sendo crucial neste momento. A campanha de Erundina teve este mérito, apesar de consideramos que houve limites importantes na sua condução.
Resta a expectativa de que haja resistência aos profundos ataques que estão por vir, sejam de Temer ou de Dória. Será preciso construir a unidade necessária para organizar esta resistência, assim como construir um pólo da esquerda socialista que supere o petismo em São Paulo e no Brasil. Neste sentido, vemos com alegria que uma jovem feminista e da esquerda do PSOL, Sâmia Bomfim, tenha sido eleita para a Câmara de Vereadores de São Paulo. Com certeza será um ponto de apoio importante para as lutas que teremos que travar na cidade.
Foto: Jeso Carneiro
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