O Golpe judicial na anulação do julgamento do Carandiru

Aderson Bussinger

Advogado, morador de Niterói (RJ), anistiado político, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ e diretor da Afat (Associação Fluminense dos Advogados Trabalhistas).

Por: Aderson Bussinger, do Rio de Janeiro, RJ.

A recente anulação pela Quarta Câmara do TJ-SP de 5 julgamentos que condenaram 74 policiais militares envolvidos na execução coletiva de detentos  conhecida como “massacre do Carandiru” consiste, além de mais uma notória expressão de impunidade, em um claro e evidente sinal enviado ao Brasil e ao mundo pela cúpula do judiciário do mais rico Estado da Federação: PM continue matando!! Podemos mudar vontade popular sim!!!

Embora todo estudante de direito saiba que todos criminosos sempre possuem algum ponto de defesa no qual se socorrer (e até os genocidas de Nuremberg tinham seus argumentos jurídicos)o fato fundamental é que neste massacre do Carandiru anulou-se julgamentos populares, deliberados pelo Tribunal do júri, previsto no art. 5, inciso XXXVIII da Constituição de 1988 e que constitui, sem dúvida, o órgão mais democrático do Judiciário brasileiro, pois neste órgão, composto de um corpo de jurados formado por cidadãos, o povo julga o povo, sendo que o juiz profissional é apenas um coordenador dos trabalhos. Esta é a essência do Tribunal do Júri, que tem como competência julgar os chamados crimes dolosos contra a vida, previstos no art. 121 do Código Penal, em um mecanismo de decisão popular que, apesar de distorções também identificadas, ainda é um mecanismo de julgamento democrático.

Sem pretender fazer aqui nenhum juízo de valor sobre as pessoas dos Desembargadores que assim decidiram, entendo que perpetrou-se institucionalmente um verdadeiro golpe contra a vontade popular, através de “filigranas jurídicas”. Neste caso horrendo do Carandiru, o TJ-SP simplesmente anulou 5 (cinco) julgamentos do Tribunal do Júri, em um dos casos mais odiosos de homicídios (execuções coletivas)  já ocorridos no país, de repercussão internacional, ao lado do igualmente odioso massacre de Eldorado Carajás, com o agravante de que no Carandiru as vítimas estavam sob a custódia do próprio Estado-assassino. Seria o mesmo que, guardadas as proporções, fosse anulada a decisão do Tribunal de Nuremberg, determinando-se novo julgamento dos carrascos nazistas.

Como Advogado e militante de Direitos Humanos, estou convicto que, com esta decisão, buscou-se exterminar, eliminar, uma determinada consciência e percepção coletivas que houveram por bem, quando da deliberação do Tribunal do Júri, considerar como massacre aquela odiosa ação policial, e não como simples “contenção necessária a imposição da ordem e da disciplina”, como defenderam os Advogados (e superiores) dos policiais condenados; anulou-se um veredicto popular, que corretamente fez relativa justiça, pois o justo mesmo seria a condenação dos chefes: o Governador e o Secretário de Segurança na ocasião dos fatos!!

Ainda sim, a condenação  destes 74 policiais assassinos de 111 detentos havia sido um importante passo na luta contra a impunidade policial, que agora com esta anulação retrocede. Por isto, faz-se necessário denunciar esta decisão como mais uma expressão de golpe e retrocesso social que se encontram presentes em todos os campos da sociedade brasileira, a partir de decisões do Executivo, Legislativo e Judiciário, este último, inclusive, exercendo um papel relevante em interpretações e convalidações “jurídicas” de típicos golpes contra garantias democráticas, direitos sociais e humanos.

* Advogado, integrante do MAIS, Ex-Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e atual Conselheiro da OAB-RJ.