Por Camila Lisboa, Metroviária de São Paulo.
Na reta final da campanha eleitoral, a disputa pela Prefeitura de São Paulo presencia exigências curiosas do PT sobre a candidatura de Luísa Erundina, pelo PSOL. Elas se baseiam na ideia de que se Erundina retirasse sua candidatura, Fernando Haddad do PT poderia ir ao segundo turno.
Segundo essa lógica, a candidata do PSOL divide a esquerda e pode ser responsável pela presença de duas candidaturas conservadoras ou golpistas no segundo turno.
É verdade que o eleitorado das duas candidaturas estão concentrados em regiões semelhantes da cidade, nos bairros mais pobres, nas periferias. Isso ocorre porque o PT sempre teve a maior parte de sua base social entre os trabalhadores, o povo mais explorado e oprimido de São Paulo e de todo o país.
O Partido dos Trabalhadores surgiu das lutas dos trabalhadores, de poderosas greves, da luta contra a ditadura, dos movimentos comunitários, das lutas das mães por creche, das greves gerais. Processos poderosos que a classe trabalhadora brasileira protagonizou nos anos 80 e dos quais o PT foi a principal expressão política, organizativa e partidária.
Essa força se expressou inclusive em vitórias eleitorais. A própria Luísa Erundina foi a primeira mulher eleita prefeita da maior cidade do país, em 1988, pelo PT.
E a base social das conquistas eleitorais que o PT começou a ter logo na década de sua fundação se devem ao fortalecimento da consciência de classe dos trabalhadores. O PT era para milhões de brasileiros um partido de uma classe, os trabalhadores, contra os partidos da classe dominante, dos ricos, dos latifundiários, dos grandes empresários. “Trabalhador vota em trabalhador”, esse era o slogan das campanhas eleitorais do PT.
Ocorre que muitas administrações locais do PT foram base da adaptação e da integração do PT à ordem da classe social contra a qual tanto lutou em seu período de fundação. E a expressão máxima dessa adaptação se deu quando chegou ao governo federal na eleição presidencial de 2002.
A dureza e agressividade do Governo Temer, fruto de uma manobra parlamentar contra o PT, exercem uma pressão grande para que muitos lutadores honestos defendam um “mal menor”. E pela história e base social do PT – e também a propaganda da direita tradicional – associem a candidatura de Fernando Haddad às ideias da esquerda.
Há muitos lutadores honestos, defensores das causas dos trabalhadores, preocupados com o fortalecimento da direta tradicional, assustados com a possibilidade de o PSDB também governar a cidade. São muitos o que gritam “Fora Temer”, e que recheiam suas redes sociais de “hashtags” com essa reivindicação tão justa. Também queremos que o governo golpista de Temer caia, estamos dispostos à unidade na luta com o PT para barrar as reformas e questionar este Governo ilegítmo. Entretanto isso não diminui o balanço mais estratégico que a esquerda precisa fazer. Quem abriu o caminho para a direita se fortalecer em São Paulo e em todo o país, também foi o PT.
O PT dividiu a esquerda quando começou a se aliar com partidos da direita tradicional para ganhar eleições, quando começou a receber dinheiro de empresários para fazer propagandas políticas. O PT dividiu a esquerda quando começou a priorizar as disputas institucionais, a eleição de parlamentares e cargos executivos, em detrimento do desenvolvimento das lutas diretas da classe trabalhadora.
Quando assumiu o governo federal, o PT deu diversos motivos para dividir a esquerda, desde a sua eleição, da escolha de seu vice, passando pelas diversas medidas favoráveis aos banqueiros, latifundiários. O PT dividiu a esquerda quando enviou tropas ao Haiti, quando abandonou a luta pela legalização do aborto e assegurou à bancada religiosa que não encaminharia essa discussão. O PT dividiu a esquerda quando escolheu Michel Temer para vice, quando manteve em sua base aliada partidos ligados à bancada evangélica e à bancada da bala.
Foram muitos e muitos episódios que consolidam a conclusão de que quem dividiu a esquerda, deixou as lutas da esquerda socialista e independente de lado foi o PT. Não foram aqueles que hoje desenvolvem campanhas eleitorais com o objetivo de consolidar alternativas políticas calcadas nas lutas diretas e reivindicações históricas da classe trabalhadora brasileira.
Também foi o PT quem abriu caminho para o fortalecimento da direita e para a possibilidade de assistirmos várias vitórias eleitorais conservadoras, golpistas ou abertamente privatistas, como a de João Dória, do PSDB em São Paulo. A lógica presente no discurso de Lula que explicava o motivo de seu sucesso e popularidade era de que a aliança entre governo, empresários e trabalhadores era o segredo do “sucesso” de seu governo.
Esse discurso de conciliação de classe fez retroceder a tão importante consciência adquirida pelos trabalhadores na década de 1980, a de que trabalhador e patrão possuem interesses inconciliáveis e que as conquistas da classe trabalhadora são atingidas através da sua luta, da sua mobilização, da sua organização independente.
A esquerda socialista brasileira tem a difícil tarefa de reconstruir essa consciência e traduzi-la em lutas mais ofensivas dos trabalhadores. Para isso, é necessário aproveitar os períodos eleitorais e apresentar essas ideias que combatam a direita tradicional e esse discurso conciliatório quem tem significado aos trabalhadores mais recuo, mais derrotas.
Pela dimensão da tarefa, acreditamos que esse êxito é maior com a construção de Frentes de Esquerda Socialista, com os partidos, movimentos e organizações que não dividiram a esquerda, que não abandonaram a luta contra o capitalismo e suas consequências absurdas sobre a nossa classe. Em São Paulo, a candidatura de Erundina expressa essa Frente. Uma candidatura de esquerda, que jamais seria retirada sob a alegação de que o PT é de esquerda.
Foto retirada do site: https://visionbresil.wordpress.com/2014/03/29/vision-bresil-31-mars-2014-il-y-a-cinquante-ans-le-coup-detat-militaire/
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