Pular para o conteúdo
MOVIMENTO

O golpe institucional e o amor à democracia

São Paulo – SP, 30/09/2016. Presidente Michel Temer, durante Solenidade de Abertura da 8ª edição do Exame Fórum. Foto: Beto Barata/PR

Por: Diogo Xavier, de Recife, PE

A democracia no Brasil está muito longe de ser sólida ou duradoura. A proclamação da República em 15 de novembro de 1889 inaugura um período de muitos golpes e disputas entre as elites pelo controle do poder central do país.

O primeiro período que pode ser considerado como democrático do país foi a República do Café com Leite, que durou de 1989 até 1930, momento marcado por uma alternância do poder entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. A política dos coronéis era a forma como se controlava a população afastada das grandes cidades, os interiores eram locais dos chamados currais eleitorais, onde o voto de cabresto era a prática de perpetuar as mesmas oligarquias através do voto da população que nada possuía.

Com o Crack da Bolsa de Nova York em 1929, as elites sofreram uma grande perda econômica e enfraquecimento político, principalmente a elite cafeeira de São Paulo. Getúlio Vargas, em 1930, se aproveita do enfraquecimento do estado e dá um golpe, permanecendo como presidente até 1945. O governo Vargas é visto com olhares utópicos por uma boa parcela da sociedade, como se o único período ditatorial fosse de fato o Estado Novo, que durou de 1937 até 1945. No entanto, Vargas assume com um golpe de estado e portanto se torna um presidente ilegítimo do país. É incorreto chamar de revolução o movimento de 1930, pois este não foi ancorado nos oprimidos da sociedade. Houve em 1930 um golpe de estado de uma elite que estava emergindo no país. Todo o período foi marcado por dura repressão, inclusive dos movimentos dos trabalhadores e perseguição ao Partido Comunista Brasileiro.

Após a derrubada do seu governo em 1945, Vargas volta à Presidência em 1951 por voto popular. Nesse intervalo o Brasil é governado por Gaspar Dutra, militar carioca que ocupou o cargo num período de instabilidade global para manter os interesses norte-americanos a salvo no pós segunda guerra mundial. Com a volta de Vargas, os setores militares não se viram satisfeitos e já planejavam mais um golpe militar, porém com o suicídio de Vargas em 1954 o golpe foi adiado.

Após uma sucessão de presidentes, sendo apenas dois destes por voto popular, veio abril de 1964 o golpe mais duradouro e que ainda traz feridas abertas mais latentes na sociedade. O golpe militar que derrubou João Goulart teve como objetivo aplicar a ferro e fogo os interesses Yankees, em um contexto de guerra fria era impedir qualquer burguesia nacionalista de desenvolver e industrializar o país por fora dos interesses da burguesia internacional. Foi o tacão a serviço do cifrão, como disse o poeta Marcelo Mario de Melo.

De 1964 até 2016, o Brasil teve 11 presidentes, destes apenas Collor, FHC, Lula e Dilma eleitos por voto popular e somente FHC e Lula terminaram os mandatos. A democracia no Brasil não é consolidada, mas este fato não se refere à imaturidade política do nosso país, pois temos exemplos de luta e experiências políticas que remetem a tempos longínquos. A democracia no Brasil está sempre pronta a ser derrubada por interesses do grande capital ao menor sinal de ameaça.

Muitos setores tentaram comparar o golpe institucional de 2016 com o golpe militar de 1964, as características são extremamente diferentes, inclusive dos governos em questão. João Goulart foi derrubado poucos dias após falar em reformas de base, Dilma foi derrubada enquanto fazia leis contra os trabalhadores para acenar com os banqueiros. O golpe que ocorreu em 2016 não muda o sistema, mas derruba um governo que saiu vitorioso das urnas, por isso vai dar um golpe na vontade popular e se coloca acima dos eleitores. Esta trama das elites não é de surpreender, pois a burguesia não mede os seus meios para extrair o máximo das costas dos trabalhadores e quando o governo do PT não conseguiu mais aplicar as medidas da forma abrupta, foi sacado para colocar um legítimo defensor dos interesses das oligarquias.

Esse golpe gerou na maioria da vanguarda um desejo de defender a democracia. Importante salientar que esse desejo é extremamente legítimo pelo acompanhamento do circo em que se montou no processo de impedimento, em que foi visto o desejo da maioria e a suposta democracia ser esfacelada ao vivo na televisão. Esse desejo, no entanto, não deve ser confundido com uma defesa da democracia burguesa como um valor absoluto, valor absoluto que coloca barreiras na superação dessa democracia tal qual está posta por uma democracia que de fato atenda a demanda dos trabalhadores, pois ela não reflete o desejo da maioria da população e serve para dispersar as lutas dos trabalhadores colocando como meta a eleição de cada vez mais representantes nas Câmaras e proclamando que através dessas reformas será possível a transformação da sociedade.

A democracia é o meio pelo qual a burguesia tem se utilizado para manter o controle da sociedade e foi nesse regime que aconteceram massacres contra a classe trabalhadora e períodos de repressão comparados a ditaduras. Por isso não podemos canalizar as nossas forças para defender um regime que some com o corpo do Amarildo, que prende o Rafael Braga, que mata oito pessoas na Candelária, ou que faz leis onde é permitido espancar e matar negros, como aconteceu nos Estados Unidos, o país que vive no regime democrático há mais tempo.

A esquerda que está indo às ruas organizada não pode ter em ‘Lula 2018’ o seu horizonte estratégico, o governo Lula não vai salvar o país da crise em que vive e não poderá romper os laços com o imperialismo que fazem com que o Brasil continue como país exportador, perdendo a sua soberania interna e entregando metade do seu PIB para os correntistas internacionais através da dívida externa. O projeto do PT já se provou ineficiente, não dá para governar com exploradores e explorados, a conciliação de classe é a tentativa de conciliar o inconciliável e na hora em que esse projeto não serve mais às elites, ela sabe muito bem se livrar daqueles que os servem, como fez com o impedimento de Dilma Roussef.

Vamos às ruas pra defender eleições gerais porque não acreditamos que apenas eleições para presidente seja o desejo da população. A classe trabalhadora não acredita nesse Congresso e no Senado Essas duas casas saem ainda mais manchadas após um processo ilegítimo onde ficou claro os interesses espúrios dos seus ocupantes e o antro de corrupção que se tornou o que deveria ser o espaço de representação popular. Por isso, defendemos as eleições gerais, mas não entendemos as eleições como nosso horizonte, defendemos a luta direta das massas para a tomada do poder. Só assim será possível construir o socialismo e uma nova sociedade será possível.

Foto: Beto Barata / PR