Pular para o conteúdo

Para uma anticampanha de Flávio Bolsonaro

Por Jorge Badaui, do Rio de Janeiro

Da defesa da tortura e da ditadura militar, passando por reforçar a cultura do estupro, à redução da maioridade penal e pena de morte: pense em uma ideia reacionária e, na primeira linha da sua defesa, não demorará a encontrar Jair Bolsonaro ou um de seus filhos. Nestas eleições para prefeito do Rio, a família de extrema direita apresenta a candidatura de seu herdeiro, Flávio. Seu partido é o PSC, legenda que compartilha com o sinistro Marco Feliciano. Sua candidatura merece mais que hostilidade da esquerda socialista, faz jus a uma verdadeira anticampanha.

Flávio Bolsonaro está em seu quarto mandato de deputado estadual. Nas últimas eleições, foi reeleito com mais de 160 mil votos, tendo sido o 3o candidato mais votado. Da tribuna do parlamento, entre outras “realizações”, lutou com energia contra a CPI dos Autos de Resistência. Em sua visão, investigar o uso do mecanismo de legalização de assassinatos por policiais militares levaria à “insegurança jurídica” da atuação da PM. Para Flávio, a polícia deve ter nada menos que uma licença para matar a juventude negra nas periferias e comunidades.

Se antes a influência da família Bolsonaro restringia-se a um nicho eleitoral de militares corporativistas e saudosos dos tempos em que estavam no poder, hoje figura pontuando com destaque nas primeiras pesquisas para as eleições presidenciais de 2018 – capitalizando parte da classe média raivosa que esteve nas ruas desde 2015. Igualmente, Flavio Bolsonaro corre por fora na disputa pelo segundo turno da eleição para prefeito do Rio, com inimagináveis 7% de intenção de votos. Subproduto de condições objetivas, mas também herança da conciliação de classes petista, há um crescimento das ideias conservadoras no Brasil – não há vantagem alguma em o negar. É preciso entender porque isso acontece. Sem racionalizar, os ativistas de esquerda se desorientam e se tornam suscetíveis a desmoralização.

As crises econômicas acirram as contradições entre os interesses das classes e, dessa forma, tem sido um padrão histórico que nesses momentos abra-se espaço para discursos de radicalização – inclusive os de direita. Trata-se de uma tendência que segue operando em nível mundial, vide Trump nos EUA, Aurora Dourada na Grécia, Le Pen na França, UKIP na Inglaterra, manifestações xenófobas anti-imigrantes, dentre outros exemplos. Em comum entre eles, a escolha de bodes expiatórios para os pecados da sociedade capitalista mergulhada em decadência. É palatável, em tais circunstâncias, reduzir as contradições sociais à busca por culpados, em geral, negros, LGBT, imigrantes, “traidores”, “vagabundos”, etc.

A ausência ou omissão de alternativas de esquerda, por sua vez, oferece mais uma condição para que idéias reacionárias penetrem as massas pauperizadas. Dessa maneira, o discurso moralizador contra a corrupção e de crítica aos políticos e à política em geral é percebido no imaginário popular como se fosse uma alternativa de ruptura com o estado presente de coisas.

Tomando-se, portanto, o binômio crise econômica e crise política, a verdade é que o Brasil pós-golpe parlamentar oferece terreno mais fértil para Bolsonaros e outros pregadores de ódio. Daí, a necessidade de encarar de frente, com toda seriedade, a luta contra a extrema direita em nosso país. Se nos meios intelectualizados da esquerda, Bolsonaros, Felicianos e Malafaias são tidos como figuras repulsivas e caricatas, a realidade é muito mais dura e esses senhores, desgraçadamente, são adversários a não subestimar na disputa pela consciência da classe trabalhadora.

É preciso explicar que, do ponto de vista programático, no entanto, Flávio Bolsonaro representa, no que é essencial, uma continuidade do modelo implementado por Paes e os governos do PMDB no Rio. Embora pincelado com chavões protofascistas, a verdade é que seu programa não vai muito além do neoliberalismo comum a seus pares de classe.

Para a educação, Flávio arranca de reivindicar o “bom plano realizado pela especialista Claudia Costin”. A primeira e mais importante de suas medidas seria “a manutenção das medidas meritocráticas implementadas no atual governo”. Não há uma palavra sequer sobre o aumento de verbas públicas para o setor. Constam dentre suas propostas, como alegorias do seu discurso reacionário, a volta do ensino de Moral e Cívica e OSPB, o combate ao que chama de “ideologia de gênero” e a implementação do que define como “escola sem partido” – projeto de censura e uniformização ideológica do ensino.

No entanto, a verdadeira diretriz de seu programa é a da privatização. Para responder à demanda não atendida pelo número de vagas oferecidas, propõe a criação de um sistema de compras de vagas na rede privada via isenção fiscal – projeto semelhante, quem diria, à implementada pelos governos do PT, no âmbito dos ensinos técnico e superior. É preciso explicar ao povo trabalhador que tal medida significaria a transferência de verbas públicas para a educação paga, o que tenderia a precarizar ainda mais as escolas municipais.

Na saúde, Flávio apresenta como grande panaceia a informatização do sistema hospitalar via e-SUS, que, diga-se de passagem, já existe. A tendência a orientar as políticas de saúde em benefício do setor privado é nítida, a tal ponto que faz menção elogiosa às OS. Segundo o candidato, é “um instrumento de gestão que, se bem fiscalizado, pode ter alguma serventia”. Além do uso das PPPs, Flávio propõe a contratação de leitos da rede privada. Novamente, nenhuma novidade em termos de gestão nas suas propostas.

No âmbito dos transportes, Flávio faz discurso sobre a ineficiência do sistema de mobilidade urbana. Mas não vai além de propostas genéricas para o “planejamento”, “integração” e “racionalização” dos modais. É preciso dizer aos trabalhadores que sem questionar licitações e acenar com a estatização dos transportes públicos, o “enfrentamento da máfia dos transportes e combate ao alto preço das tarifas” são pura demagogia eleitoreira.

No terreno da segurança pública é onde se concentra a visão de mundo da família Bolsonaro. É preciso compreender que a violência nas cidades é um dos aspectos mais duros da vida da classe trabalhadora. Daí que propostas de militarização apareçam como alternativa razoável para milhões de pais e mães de família cariocas. Flávio propõe o monitoramento paranóico, com câmeras por toda a cidade, e o aumento do efetivo da Guarda Municipal, que passaria a portar armas de fogo.

É preciso dizer que esse tipo de resposta só aumentaria a violência e a repressão sobre o povo pobre e seus territórios e que o discurso moralista contra a legalização das drogas só colabora com os que lucram com o negócio ilegal. Saída radical de verdade seria o controle da polícia por parte das comunidades, com a desmilitarização e a eleição direta e revogabilidade para cargos de chefia. Basta ver os resultados catastróficos das UPP, que em nada reduziram a violência e só serviram para instalar verdadeiros regimes de exceção nas áreas mais pobres do Rio. Segurança de verdade se faz combatendo a fundo a desigualdade social e nisso o programa de Flávio não tem nada a oferecer.

É possível e necessário derrotar a ascensão das idéias conservadoras no Rio e no Brasil. Para isso, a esquerda socialista deve chocar-se, programa contra programa, com Flávio Bolsonaro e demais demagogos de ultradireita. E para lembrar a espécie de bravateiros de quem estamos falando, nada melhor que recordar o próprio Jair Bolsonaro, quando de seu discurso pelo impeachment de Dilma. A repugnante menção à memória de Brilhante Ustra acabou ocultando que tipo de figura do presente é digna de elogio para o deputado:

“Neste dia de glória para o povo brasileiro, tem um nome que entrará para a história nesta data (sic), pela forma como conduziu os trabalhos desta casa. Parabéns, presidente Eduardo Cunha!”

Ódio às esquerdas, bajulação à direita mais corrupta e medíocre. A obsessão em atacar os setores oprimidos é análoga à submissão aos interesses dos poderosos. Diante da desigualdade e da injustiça, a extrema direita é e sempre foi a cara da covardia. Se à esquerda socialista não faltar ousadia de apresentar um programa anticapitalista, poderemos seguir dizendo com toda convicção: não passarão!