Por Renato Fernandes
Nos últimos meses a França foi sacudida por manifestações em oposição a contrarreforma trabalhista. A última delas aconteceu no dia 15 de setembro. Para entender um pouco melhor essas mobilizações, entrevistamos, por e-mail, Régis Louail, sindicalista da Conféderation Géneral du Travail (CGT) na montadora Reunalt, da cidade de Cléon (norte da França) e militante do Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA).
- Qual o balanço do último ato do 15 de setembro em seu setor e na classe trabalhadora em geral?
No 15 de setembro, a mobilização dos trabalhadores das grandes indústrias automobilísticas (Renault, PSA[1], Toyota) foi bastante limitada. Mas, a mobilização nesses setores foi limitada ao longo dos quatro meses de luta contra a « loi travail », notoriamente nas duas jornadas nacionais de ação organizadas entre os meses de março e o mês de julho. Uma das explicações dessa dificuldade é a precariedade crescente nos contratos de trabalho. Por exemplo, hoje, na montadora Renault, 60% dos operários da fabricação são provisórios, com contratos de trabalhos de somente alguns meses, enquanto que há três anos, isso não representava mais do que 15%. E, para eles, participar de uma greve é assegurar-se que o contrato de trabalho não será renovado. Uma outra explicação está no fato de que, se a precarização e a desregulamentação serão profundamente agravadas pela contrarreforma trabalhista, elas já são aplicadas amplamente no setor automobilístico.
Contudo, nacionalmente, a participação nas manifestações do 15 de setembro foi massiva em diversas cidades, tanto quanto no 5 de julho, apesar da longa interrupção devido às férias de verão [entre julho e agosto]. Isso quer dizer que, apesar de o governo conseguir adotar sua lei no parlamento, no início de julho, sem debate, como permite a constituição francesa, a insatisfação continua presente. Não há sentimento de derrota, nem de desmoralização. É isso que vai contar no curso das próximas semanas. E ainda, nesses dois últimos meses, o governo, assim como a direita e a extrema direita, explorando os assassinatos durante o verão na França[2], fizeram de tudo para que os trabalhadores esquecessem aquilo que eles conseguiram provar: sua capacidade de resistir contra as políticas patronais e do governo.
- Quais são as perspectivas do movimento?
Inicialmente, há a resposta que o movimento operário e a juventude devem dar à repressão sem precedentes que o governo e sua polícia aplicaram às manifestações de rua, ajudados pelo Estado de Emergência instaurado em novembro de 2015[3]. De fato, no decorrer das próximas semanas, dezenas de manifestantes serão julgados e correm o risco de receber penas de prisão por terem se manifestado, bloqueado estradas, realizado piquetes em empresas ou resistido às violências policiais sem precedentes às quais essa luta se enfrentou. O que coloca na ordem do dia a organização de iniciativas, quando as condições forem possíveis, para tornar essas mobilizações nacionais. Isso é o que se tentará fazer no próximo 19 e 20 de outubro, em Amiens, durante o julgamento do recurso de oito trabalhadores da Goodyear. Eles foram condenados a nove meses de prisão, em janeiro deste ano, por terem sequestrado dois chefes em suas usinas numa luta contra o fechamento da empresa e a demissão de 1143 operários. Essa será uma ocasião para tentar realizar a necessária convergência daqueles que lutam contra a repressão, daqueles que se engajam na luta contra a nova onda de demissões que varre o país e daqueles que querem continuar a luta pela revogação da contrarreforma trabalhista.
Mas haverá também que se preparar para as mobilizações que certamente surgirão contra a aplicação da lei, quando ela produzir seus primeiros efeitos sobre as condições de trabalho ou sobre os salários e que provocará reações de rejeição que poderão tomar um caráter explosivo. Sem esquecer que para o governo do PS, como para os partidos de direita que se preparam para governar a partir de 2017, a contrarreforma trabalhista não é mais que uma primeira etapa, antes de desmantelar completa e definitivamente o que resta do Código de Trabalho [leis trabalhistas], como planejado em 2018.
- Qual foi o peso e o papel da extrema esquerda nas mobilizações?
Mesmo se a extrema esquerda ainda é bastante minoritária, seus militantes, no entanto, tiveram a capacidade de tomar iniciativas que refletiram nessas mobilizações. Assim, enquanto as confederações sindicais nacionais opostas ao projeto da contrarreforma trabalhista não tinham convocado nenhuma manifestação antes do 31 de março, foi um chamado das organizações da juventude secundarista e universitária, impulsionada graças à iniciativa do setor de juventude do NPA, que os obrigou a apoiar uma primeira jornada nacional de mobilização em 09 de março – data na qual a ministra do trabalho apresentou seu projeto de lei no conselho de ministros.
Em certos setores da classe operária, onde a extrema esquerda acumulou uma pequena inserção, como os ferroviários de algumas estações de Paris, os militantes do NPA foram capazes de impulsionar a auto-organização, com comitês de greves eleitos, buscando coordenar a ação do conjunto dos grevistas nas estações de Paris. De qualquer maneira, quando os trabalhadores entram em luta, a presença e a inserção de militantes da extrema esquerda é, por sua vez, a condição para que possam se construir em cada local estruturas de auto-organização que não emergem espontaneamente.
[1]) Peugeot-Citroën
[2]) Refere-se principalmente aos assassinatos cometidos em Nice, no 14/7 :
[3]) O Estado de emergência é uma forma de estado de exceção que dá poderes especiais para as autoridades policiais. Essa situação começou em novembro de 2015, após os atentados a uma casa de shows em Paris, e foi prorrogado 4 vezes, a última foi em julho de 2016, após os atentados em Nice e tem a duração de 6 meses.
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