Por: Henrique Canary, colunista do Esquerda Online
Dentro de pouco mais de um ano comemoraremos o centenário da primeira revolução socialista vitoriosa da história. A Revolução Russa continua sendo o paradigma geral sobre o qual se ergue toda a estratégia da esquerda socialista. Isso não quer dizer, naturalmente, que o objetivo dos revolucionários seja a repetição pura e simples, em todos os seus detalhes, da experiência soviética. Como toda grande revolução, a Revolução de Outubro possui elementos particulares e universais. A estratégia dos revolucionários se ergue sobre os elementos universais. Mas quais elementos são esses? Eis uma pergunta que, provavelmente, cada organização da esquerda socialista ou intelectual marxista responderá de uma forma diferente.
A direita avança sobre a consciência das massas. O petismo ressurge para um setor do ativismo de esquerda como o único horizonte possível. Neste cenário, o pior que podemos fazer é nos encastelar em nossa própria arrogância ou nos esconder em nosso medo. É preciso uma contraofensiva da esquerda socialista. E num terreno onde ela sempre teve muitas dificuldades: o terreno das ideias. Se Bolsonaro tem a petulância de aclamar o torturador Ustra em rede nacional de televisão, a esquerda socialista também tem que ter a coragem de homenagear os seus. Se eles querem uma “escola sem partido”, terão a carga de marxismo decuplicada em cada escola e universidade do país.
Os 100 anos da Revolução Russa podem e devem ser marcados no Brasil pelo início de uma contraofensiva ideológica da esquerda. É preciso avançar para além do terreno político-prático. Em havendo boa vontade, é possível organizar um ciclo nacional de debates, ou um grande evento em alguma grande cidade do país. A forma é secundária. O central é que a esquerda possa se reunir e debater, a partir do balanço do centenário de Outubro, os grandes temas da estratégia socialista para o século 21. E não apenas debater, mas projetar suas ideias amplamente.
Evidentemente, nenhuma organização da esquerda socialista pode realizar sozinha tal tarefa. Será preciso uma grande frente única das mais variadas forças: partidos, grupos, coletivos, intelectuais marxistas, sindicatos, mandatos parlamentares.
Não devemos debater para nos auto-destruir, nem para provar quem são os legítimos herdeiros de Lenin e Trotski. O que precisamos é uma reflexão crítica e sincera. Precisamos falar, mas também ouvir.
A esquerda socialista está dispersa, confusa e desorganizada. Mas suas ideias são poderosas, já moveram e podem voltar a mover o Brasil e o mundo. Os mais antigos devem lembrar do grande ato em memória dos 40 anos do assassinato de Leon Trotski, realizado em 1980, em São Paulo, em uma ampla unidade de ação que envolveu a antiga Convergência Socialista e a Organização Socialista Internacionalista, mais conhecida na época por seu jornal ‘O Trabalho’, além de uma vasta gama de intelectuais e figuras históricas do trotskismo brasileiro. Segundo todos os relatos, foi um ato inspirador. O PT estava nascendo e os trotskistas da época tentavam uma unificação. Infelizmente, este objetivo final não foi alcançado e a unidade orgânica não se demonstrou possível, mas o ato em homagem a Trotski, celebrado em plena ditadura militar, entrou para a história da esquerda brasileira como um exemplo do que os revolucionários podem fazer quando colaboram em uma atividade comum com ousadia e espírito aberto.
Desgraçadamente, o marxismo se encontra, em geral, separado da atividade política prática das organizações de esquerda. O marxismo puramente acadêmico incorre frequentemente em pedantismo e soberba. As organizações políticas de esquerda pecam amiúde pelo praticismo eleitoral ou sindical. Mas o marxismo é, justamente, o encontro entre o ideal socialista e o movimento proletário realmente existente. Não estará mais do que na hora de promover esse reencontro?
As organizações da esquerda socialista precisam sentar e conversar sobre isso.
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