Por Waldo Mermelstein, São Paulo(SP)
Em julho, a Corte Permanente de Arbitragem, sediada em Haia, decidiu a favor das Filipinas contra as pretensões chinesas no chamado Mar do Sul da China. A China reivindica uma Zona Econômica Exclusiva de 200 milhas que abrange grande parte daquela área marítima. O problema é que a Linha de Nove Traços que demarca essa demanda se choca com os direitos de outros países banhados pelo Mar (Vietnã, Filipinas, Taiwan, Indonésia, Brunei e Malásia). A Corte somente concedeu à China direitos territoriais de 12 milhas náuticas, reconhecidos pela Lei dos Mares das Nações Unidas (UNCLOS, em sua sigla inglesa, que aliás não foi assinada pelos EUA) a alguns dos ilhotes, rochedos e bancos de areia reivindicados. E unicamente aos que poderiam ser habitados de forma permanente inclusive em períodos de baixa maré. Por isso, todas as imensas obras de aterramento feitas pelo governo chinês (e outros países região, em muito menor escala) foram desconhecidas como marcas de territorialidade.
A relevância da região
No Mar do Sul da China circula metade da tonelagem da frota mercante do mundo, transportando 5 trilhões de dólares em produtos, e é a via de comunicação marítima quase exclusiva da China e dos países por ele banhados. As demais grandes economias do Extremo-Oriente, o Japão e a Coreia do Sul, além da Austrália na Oceania, já utilizam também outras rotas a partir do Estreito de Malaka, como o Estreito de Lombok entre as ilhas de Bali e Lombok no arquipélago indonésio.
Imensas reservas de gás e petróleo foram detectadas nas suas águas e algumas delas começaram a ser exploradas. Além disso, o alto consumo de peixe na região (24 kg por habitante por ano, em comparação com 9 kg no Brasil) torna muito importante a pesca, que, por exemplo, representa 3% do PIB da China. Há na região uma frota pesqueira equivalente a 12% da mundial. São comuns os incidentes de pescadores dos vários países com as diversas forças navais e o uso predatório desse recurso pelos diversos países da região se constitui num grave problema.
Novos contornos geopolíticos mundiais
Essas razões de enfrentamento se potencializam e ganham maior dimensão por ser neste Mar que o novo papel da China na geopolítica mundial começa naturalmente a ser exercido: a analogia histórica que pode ser feita é o papel assumido pelos EUA no Caribe em sua ascensão a potência mundial, o que não quer dizer que os caminhos se repitam.
A China tornou-se a segunda economia mundial em uma fulminante arrancada após a restauração do capitalismo iniciada nos anos 80 (mesmo que sua economia ainda esteja muito atrás dos EUA e mesmo dos demais países europeus e o Japão em termos de produtividade).
Pelo seu tamanho e pelo ritmo de sua ascensão, a emergência da China como um país que começa a se colocar como uma das potências mundiais levou os EUA a tentar conter sua expansão. Por isso, desde pelo menos o primeiro governo de Obama, a política americana prevê um “giro estratégico” para a Ásia.
No terreno militar, o plano americano é o de deslocar 60% de sua Marinha de Guerra para o Oriente até 2020. A China vem fazendo investimentos militares em ritmo acelerado nos últimos anos, em particular em sua Marinha de Guerra, mas parte de um atraso imenso, além de que o gasto anual em 2015 no orçamento de defesa era de 595 bilhões dólares nos EUA e de 190 bilhões na China. Os demais países da região também têm aumentado aceleradamente seus gastos militares, com valores absolutos bem menores.
O plano americano para a região
A estratégia americana procura utilizar e mesmo extremar as justas disputas dos países da região com a China. Para tal, está tecendo uma rede de alianças com países como o Vietnã e as Filipinas e, claro, seu grande aliado, o Japão, a potência rival dos chineses na Extremo Oriente (uma área de confronto direto entre eles se dá no Mar da China Oriental, ao redor de outro pequeno arquipélago). Sem falar no estreitamento das relações com o outro gigante asiático, a Índia.
Além disso, os EUA iniciaram a negociação da chamada Parceria Trans-Pacífica, um tratado de livre-comércio com 15 países banhados pelo Pacífico, cuja maioria é da Ásia e que aumentaria os já grandes laços da economia desses países com a dos EUA. O problema é que a onda protecionista que começa a crescer nos EUA se reflete nas posições inicialmente hostis a ela nos dois principais candidatos presidenciais americanos
As contradições abertas pela expansão da China
A China aumentou muito suas relações com os países da área em termos de investimentos e mercados para seus produtos, tendo se tornado o principal parceiro econômico do Sudeste Asiático, em particular de Myanmar, Laos e Camboja. Isso torna mais complexa a adesão às alianças propostas pelos americanos, pelo menos até agora.
A China se propõe a construir um gigantesco complexo de ferrovias, gasodutos e oleodutos, que serviria como rota alternativa de comércio: a chamada nova Rota da Seda, que vai de Moscou até Beijing, passando por muitos países, com resultados imprevisíveis na economia e na geopolítica da Ásia.
Se a China não é páreo para o poderio da Marinha americana em nível global, é relativamente mais fácil para ela manter uma presença considerável em uma superfície marinha costeira ao país. Para tal, está investindo pesadamente em novos barcos e submarinos e sua principal base de submarinos está em Hainan e está tentando fazer com que ela tenha saídas não detectadas até o Pacífico, o que lhe daria nova abrangência geográfica.
O poderio militar americano continua incomparável, mas a sua relativa decadência econômica percentual, o aumento da competição internacional e o surgimento de potências regionais e mesmo globais como a China tornam mais difícil que possa fazer valer seu peso em várias regiões decisivas do mundo ao mesmo tempo. O atoleiro em que estão involucrados no Oriente Médio, impede que consigam se concentrar totalmente em sua nova prioridade.
O Mar do Sul da China é um foco de grandes tensões
Por essas razões, a região passa por demonstrações de força militar, controlados e sem conflito aberto, até agora pelo menos. Por exemplo, a Marinha americana realiza as chamadas Operações de Liberdade de Navegação, em que seus navios entram no espaço reivindicado pela China, sendo acompanhados pela Marinha chinesa, sem que haja confronto. Em várias ocasiões, o mesmo procedimento pelos vietnamitas e filipinos causou uma reação muito mais enérgica por parte dos chineses.
Mesmo que não se possa prever com certeza, a militarização dessa região marítima e a multiplicidade de atores e conflitos interligados são ingredientes para conflitos militares mais intensos. Ainda mais em uma situação mundial de fraca recuperação da economia, aumento da competição inter-imperialista e de multiplicações de crises políticas nacionais e regionais.
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