Por Pedro Augusto, do ABC
Os quatro sócios fundadores do Mercosul chegaram a um acordo nesta terça-feira (13) para a conformação de uma presidência colegiada do bloco até o dia 1º de Dezembro. O acordo impede a Venezuela de exercer o cargo que, pela ordem alfabética, lhe caberia ocupar depois do Uruguai .
O Mercosul enfrenta esse embaraço diplomático desde o fim do mandato do Uruguai na presidência do bloco, no último 25 de Julho. Argentina, Paraguai e Brasil, liderados por esse último, decidiram não aceitar a transferência da presidência rotativa do bloco para a Venezuela, alegando que essa não teria cumprido com o prazo de quatro anos para se adequar às regras internas comerciais e de direitos humanos.
Entre as regras ainda não ratificadas pela Venezuela, uma nota divulgada pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra (PSDB), cita o Acordo de Complementação Econômica nº18, de 1991, que trata sobre a livre circulação de bens, assim como o Protocolo de Promoção e Proteção de Direitos Humanos, de 2005, e o Acordo sobre Residência de Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, assinado pelos demais membros em 2002.
De acordo com a mesma nota do Itamaraty, caso a Venezuela não cumpra com esses compromissos, será suspensa do Mercosul ao fim do prazo de 1º de dezembro.
Diplomacia com lances pouco ortodoxos
A regra de ouro de funcionamento do Mercosul é o consenso. Foi justamente a falta deste que justificou o imbróglio em torno da presidência. Apesar do governo da Venezuela ter declarado que o país estava exercendo “legalmente” a presidência do Mercosul desde o dia 29 de Julho, na prática, a cadeira está vaga por não haver consenso entre todos os membros fundadores sobre a passagem da presidência.
A situação do Mercosul rendeu lances pitorescos como a reunião dos coordenadores nacionais convocada unilateralmente pela Venezuela em Agosto (24). Nela só compareceu um representante do Uruguai e um delegado da Bolívia, que não é membro pleno do bloco. A reunião foi boicotada pelos representantes de Argentina, Brasil e Paraguai que não reconheceram a legitimidade da convocação.
Após esse episódio a situação se tornou insustentável para a Venezuela. Embora o governo do Uruguai tenha diferenças com a linha adotada pelo bloco majoritário dentre os membros fundadores, ao final, terminou se abstendo na decisão sobre a presidência colegiada. Na prática não impediu que a manobra fosse efetivada.
José Serra lidera bloco majoritário dentro do Mercosul
O atual ministro das relações exteriores do governo Temer, José Serra (PSDB), tem sido um dos principais porta-vozes do bloco majoritário dentre os membros fundadores do Mercosul. Serra tem trabalhado abertamente para intensificar o cerco sobre a Venezuela. Ainda ontem (13), divulgou comunicado de seu ministério expressando preocupação do governo Temer com relação a supostas detenções arbitrárias praticadas pelo governo de Nicolás Maduro contra seus opositores.
A narrativa de Serra é acompanhada pela chancelaria dos governos de Macri, na Argentina, e de Cartes, no Paraguai. Ela endossa a declaração feita pelo secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, em carta aberta de Agosto (22), onde afirma que “… na Venezuela não há democracia nem Estado de Direito”.
Esse esforço de José Serra também coincide com informações ventiladas pela imprensa internacional de que ele já teria feito um contato com o Secretário de Estado americano, John Kerry, sobre o assunto. Este teria manifestado preocupação com a Venezuela e pediu a liderança do Brasil na solução do problema. Ao mesmo tempo, pediu também o apoio do Brasil na Cúpula sobre os Refugiados realizada pela ONU nos dias 23 e 24 de maio passado, como já citado em artigo anterior do Esquerda Online.
Oposição comemora derrota de Maduro no Mercosul
A oposição venezuelana a Maduro disse, através de Luis Florido, presidente da Comissão de Política Externa do Parlamento, que [Maduro] “foi derrotado pelo Mercosul, a comunidade internacional hoje está clara sobre a realidade (da Venezuela), onde se violam os direitos humanos e não há democracia”.
Tudo indica, portanto, que a decisão tomada pelos governos dos países que hoje presidem o bloco de forma colegiada terá reflexo direto na crise política enfrentada pelo governo de Nicolás Maduro, que está envolto em manifestações lideradas pela oposição de direita que pedem uma consulta pública sobre a continuidade do governo.
Também parece improvável que Maduro consiga aprovar qualquer legislação que adeque a Venezuela às regras do Mercosul a tempo de cumprir o prazo de 1º de dezembro. Até porque além das dificuldades econômicas, o governo enfrenta uma enorme crise política. Caso essa adequação não ocorra o mais provável é que ocorra sua suspensão do bloco. Lembremos que o Congresso na Venezuela já é comandado pela oposição desde as últimas eleições legislativas realizadas em dezembro de 2015.
A oposição tem atuado não só no âmbito interno como também externo. Henrique Capriles – governador do estado de Miranda e líder do grupo de oposição a Maduro MUD (Mesa de Unidade Democrática) – ao visitar o Brasil em Junho (15), cobrou de José Serra a mudança da política do Brasil em relação à Venezuela, à qual qualificou de “indiferente”.
Assim, a marginalização da Venezuela no âmbito do Mercosul não é um fato isolado. Ela atende a um realinhamento da política exterior dos governos do Cone sul que cobram agilidade para cumprir os compromissos comerciais, especialmente em relação à efetivação de acordos com a União Europeia.
Fontes:
Agência EFE
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/15/politica/1465953832_841335.html
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/09/oposicao-celebra-como-derrota-o-bloqueio-do-mercosul-a-venezuela-7458519.html
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/08/1806680-sem-fundadores-caracas-faz-suposta-reuniao-do-mercosul-no-uruguai.shtml
http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/08/1806022-venezuela-nao-tem-democracia-nem-estado-de-direito-diz-chefe-da-oea.shtml
http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-08/serra-e-kerry-dizem-que-relacao-brasil-eua-entra-em-nova-fase
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