“Muita gente estava no trabalho, correu pra cá e se deparou com um cenário desesperador”, relata Helena Silvestre sobre o incêndio na Ocupação Esperança

Por Raíza Rocha, da Redação

O Esquerda Online entrevistou Helena Silvestre, liderança do Movimento Luta Popular que está a frente da Ocupação Esperança em Osasco. A ocupação foi vítima de um incêndio, no final da tarde de terça – feira (13), que destruiu mais de 40% da área ocupada por cerca de 500 famílias há três anos. Confira a entrevista.

Esquerda Online: Você poderia nos contar o que aconteceu nesta terça-feira na Ocupação Esperança?

Por volta das 17 horas, um incêndio começou na parte alta da Ocupação. Os moradores, assim que perceberam, correram para tentar apagar. Mas o fogo era imenso e o tempo seco junto ao vento fazia com que as chamas fossem gigantescas e se espalhassem muito rápido. Os bombeiros foram chamados, mas tiveram dificuldades de iniciar logo o trabalho já que a comunidade tem uma infraestrutura precária.

Muita gente estava no trabalho e, ao saber da notícia, correu pra cá e se deparou com um cenário desesperador.

As pessoas dessa ocupação são guerreiras de aço e todos os homens e mulheres daqui fizeram tudo o que podiam. Tentavam apagar o fogo com todas as poucas ferramentas que tínhamos, afinal, na comunidade havia falta de água há 2 dias.

Correndo do fogo para a estrada em frente à área, o desespero se multiplicou quando a Polícia Militar formou um cordão que impedia os que saíram do terreno de voltar. Nesse momento, o desespero se transformou em discussão com uma polícia absolutamente despreparada para proteger, mas treinada para amedrontar. Ao serem questionados do motivo de não permitir que as pessoas chegassem até a área não atingida pelo fogo, a PM respondeu jogando bombas e spray de pimenta em pessoas que fugiam de uma tragédia e que ainda choravam vendo tudo o que tinham perdido. Nesse momento, Avanilson Araujo, advogado e militante do Luta Popular, foi preso, foi algemado, jogado no chão e teve seu pescoço pisado pelas botas de um policial. Com a denúncia feita à OAB sobre o tratamento que a PM estava dando a um advogado, a PM levou Avanilson detido para um 10º DP de onde ele foi, posteriormente, liberado.

14355645_501023700091460_6813082666750990855_n-1
Imagem do incêndio

EO: Como está a situação das famílias após o incêndio? O que os movimentos e ativistas solidários podem fazer para ajudar?

Todas as famílias que tiveram seus barracos atingidos pelo fogo perderam tudo o que tinham e se salvaram apenas com a roupa do corpo. Perderam a casa, os poucos móveis que tinham, as roupas, os sapatos, os brinquedos, os documentos, enfim. As nossas crianças choram ainda porque estão traumatizadas com tudo o que viveram. Todos e todas estão muito cansados, porque ter esperança em um mundo injusto como o nosso cansa até nossa fé.  Mas, ao mesmo tempo, damos graças por estarem todos vivos e porque a mesma união que nos permitiu resistir durante estes três anos de luta, renasce e se fortalece. Estão sendo montados grupos de trabalho coletivo para reconstrução dos barracos. Há uma coordenação de voluntários que organiza a coleta de doações, o recebimento, separa todas segundo as necessidades das famílias e realiza a distribuição. Como as máquinas (tratores e plantadeiras) ainda estão trabalhando no local, estamos recebendo também doação de materiais para reconstruir as moradias que serão feitas também em regime de mutirão. Muitas pessoas nos perguntam o porquê construir outra vez de madeira ao invés de alvenaria. É porque, com a crise econômica que assola nosso país, há muita gente desempregada, sobrevivendo de bicos ou simplesmente ganhando muito pouco ao ponto de não conseguir comprar materiais de construção para fazer casas melhores. Diante das condições que temos, faremos o nosso melhor e nossa esperança nunca vai fraquejar.

Sobrevivemos até agora porque lutar é preciso. Porque o Luta Popular é um movimento organizado e que confia os rumos das coisas às decisões do povo. Mas não teríamos conseguido sem a ajuda de sindicatos, movimentos, partidos de esquerda, colaboradores avulsos e às vezes anônimos. Sobrevivemos, até agora, nos apoiando na grande solidariedade que existe entre os que são pobres e trabalhadores. Nossas primeiras doações chegaram dos bairros vizinhos, vinda de gente como nós, que com certeza deu mais do que poderia para tentar ajudar.

Precisamos de doações de materiais de construção, precisamos de comida, precisamos de produtos de higiene pessoal e limpeza, precisamos de móveis usados, precisamos de colchões, precisamos de cobertores, precisamos de brinquedos, precisamos de panelas grandes para as cozinhas coletivas, precisamos…

Todos os que puderem contribuir, há pontos de coleta na cidade inteira movido por amigos e amigas parceiros. Alguns dos endereços estão página de facebook do Luta Popular.

14330145_667973566703802_1269008432206251050_n
Parte da área destruída pelo fogo

EO: Como anda o processo junto ao poder público em relação à construção de moradias para estas famílias?

Há três anos, vivemos numa luta ininterrupta contra a ameaça do despejo que ronda nossas cabeças.

Há três anos, pedimos que a prefeitura de Jorge Lapas (até 2016 ligado ao PT e, atualmente, PDT) negocie com o proprietário e busque envolver o MinCidades que nunca fez nada por aqui.

No último sábado (10/09), ele esteve na ocupação e numa Assembleia dos Moradores apresentou um Decreto assinado por ele de Desapropriação por Interesse Social da área. Para nós, isso foi uma vitória. Mas esta vitória seria maior se este decreto saísse há um ano e, assim, com a segurança de não ser despejados, as famílias poderiam ter construído suas casas de tijolos.

Neste sentido, a prefeitura de Osasco está, neste momento, com uma postura positiva na negociação.

Mas é necessário que o Governo Estadual preste auxílio também. Não é da violência da PM que precisamos. Precisamos que o governo do estado, através do Programa Casa Paulista, se comprometa em investir recursos na construção de moradias populares para estas famílias no terreno e, caso seja necessário, garanta solução provisória até que a definitiva seja entregue.

É preciso também que o governo federal pare de fingir que nada tem a ver com o problema. A política de habitação no Brasil foi municipalizada, mas funciona à partir de verbas, recursos e repasses da União. É preciso que o Ministério das Cidades, que a Secretaria Nacional de Habitação e que a Caixa Econômica Federal se disponham a construir uma mesa ampla de negociações unificando as duas outras esferas de governo e apliquem uma solução para a construção de moradias.

MATÉRIAS RELACIONADAS:
Nesta terça-feira, após vitória na Justiça, incêndio atinge a ocupação Esperança em Osasco
Nota do Luta Popular sobre incêndio na Ocupação Esperança em Osasco
Incêndio na Ocupação esperança