Por Waldo Mermelstein, de São Paulo
A Índia é o segundo país mais populoso do mundo, tendo tido um crescimento econômico anual de 6% em média entre 1951 e 2016, mas nos últimos dois anos o ritmo tem arrefecido. As condições sociais são terríveis, em especial para os 54% da população que ainda vivem no campo: por exemplo, em certas regiões o salário mínimo para o trabalho agrícola é de 1650 rúpias (R$80)!
Metade dos indianos sofrem de carências de todo tipo, como falta de água e serviços públicos mais básicos como saneamento, enquanto o número de milionários não cessa de crescer.
As jornadas de trabalho são brutais, mesmo nos setores formais, como na indústria do vestuário da capital, Nova Deli, em que se trabalha 10-12 horas na baixa estação e 15-16 horas no auge da demanda!
Um governo que ataca direitos sociais e das minorias
O governo de direita de Narendra Modi, dirigente do partido hinduísta BJP, que assumiu em 2014, além de estimular o fundamentalismo hinduísta, iniciou uma verdadeira guerra contra os direitos trabalhistas e sociais. Sua intervenção nas crises regionais nas áreas fronteiriças do Norte do país, como no Punjab ou na Cachemira – que luta por sua autonomia desde a independência do país em 47- alimenta a crescente resistência à brutalidade da dominação central.
Em mais um sintoma da revolta, o fundamentalismo hinduísta causa reações nos setores minoritários, como os dalits, remanescentes do sistema de castas do país. Estes realizaram um grande protesto com 20 mil pessoas no estado de origem de Modi, Gujarat, contra o açoitamento de 4 jovens por sacrilégio contra as vacas sagradas do hinduísmo, tendo recebido o apoio da grande minoria muçulmana. A decisão foi a de não mais realizar os trabalhos considerados indignos pelos demais e exigir do governo terra para cultivarem.
A grande greve geral de 2 de setembro
No dia 2 de setembro, o país conheceu a 17ª greve geral desde 1991 (“Bharat Bandh”, ou paralisação nacional em sânscrito), organizada por 10 dos 12 sindicatos nacionais do país.
No ano passado uma imensa greve já tinha atingido cerca de 100 milhões de trabalhadores. Neste ano, o total pode ter chegado a 150 ou até 180 milhões. Os cálculos, porém, são bastante imprecisos, por várias razões, entre as quais as dimensões continentais do país, as grandes desigualdades regionais e o grande número de trabalhadores informais (90% da força de trabalho). Além disso, mesmo nos setores de trabalho formal, os trabalhadores temporários são cerca de 34% e os filiados aos sindicatos representam somente 4% da força de trabalho de 450 milhões de pessoas.
O programa levantado pelas centrais sindicais para a greve tinha 12 pontos centrados em:
– Salário mínimo de 18 mil rúpias (cerca de 880 reais) e fim do teto aos bônus salariais
– Controle de preços
– Medidas contra o desemprego
– Seguridade social para todos e piso de aposentadoria de 3 mil rúpias (R$146!)
-Redução do trabalho temporário e vigência do princípio de salário igual para trabalho igual
– Cumprimento de todas as garantias laborais e fim das contrarreformas nas leis trabalhistas
– Fim ao desinvestimento e privatização de empresas públicas.
A mobilização atingiu fortemente alguns estados e cidades, sendo bastante desigual. Nos estados de Kerala, Andhra Pradesh, Bengala Ocidental e Tripura a paralização foi quase total. Os bancos tiveram o serviço de compensação seriamente afetado, as minas de carvão e os transportes tiveram grande adesão. Em Kerala, por exemplo, até os táxis e os condutores de riquixás aderiram ao movimento, demonstrando o grau de adesão popular.
O governo fez uma pequena concessão para evitar a greve, dando um aumento do salário mínimo diário de 246 para 350 rúpias (de cerca de R$12 para R$17!), que atinge somente os trabalhadores do governo central. Com isso, a agrupação sindical ligada ao partido do governo desistiu da greve.
Outro grupo de 14 sindicatos e federações de diferentes partes do país, anunciou a intenção de formar outra corrente sindical. Segundo afirmou Amitava Bhattacharya, um dos coordenadores do grupo, conhecido pelo seu acrônimo indiano MASA, “em 25 anos de neoliberalismo, as organizações das centrais sindicais (CTUO, pelo seu acrônimo em inglês) foram incapazes de construir um forte movimento trabalhista para proteger os interesses da classe trabalhadora. Houve uma greve nacional no dia 2 de setembro do ano passado também, e nos anos anteriores” (..) ”Houve algum progresso em algum dos temas laborais desde então? O CTUO tem diluído os interesses dos trabalhadores ao longo do tempo e fez acordos com um estado pró-patronal. Os trabalhadores perderam a fé em sua liderança. Por isso, esta iniciativa de criar uma alternativa”. Acrescentou que participariam da paralisação nacional, pois “precisamos fazer campanha pelos direitos dos trabalhadores”.
Pelas dimensões da greve, pelo seu caráter ativo, com grandes mobilizações de rua, as notícias das lutas dos trabalhadores da Índia são bons ventos que vêm da Ásia!
Foto: AFP
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