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COLUNISTAS

Genocídio em nome da Guerra às Drogas nas Filipinas

Por Henrique Carneiro

Por Henrique Carneiro, Colunista do Esquerda Online

O atual governo das Filipinas, de Rodrigo Duterte, no poder desde julho de 2016, se lançou numa campanha de extermínio dos usuários de drogas e dos traficantes com já alguns milhares de mortos.

A pena capital por crimes ligados a drogas existe em ao menos 33 países e as execuções são comuns especialmente na China, na Arábia Saudita e no Irã.

Mas, no caso filipino, não se trata de execuções legais, mas de uma campanha de esquadrões da morte incitada pelo próprio presidente que prometeu na campanha matar cem mil pessoas para acabar com as drogas no país.

O fascismo pode ser caracterizado de diversas maneiras, como um fenômeno histórico específico do imperialismo europeu e japonês mas, também como um conjunto de métodos e ideologias que subsistem hoje em dia com influência crescente.

Os métodos são os da escolha de um bode expiatório a ser dizimado física e moralmente e o uso de agressões e assassinatos por milícias informais. A ideologia é a da intolerância contra grupos sociais e a defesa de sua erradicação genocida.

O fascismo filipino hoje escolheu os usuários de drogas ilícitas (especialmente metanfetaminas) para serem esse objeto de sacrifício ritual inquisitorial.

Como começou essa caça às bruxas contemporânea, dos usuários de drogas como indivíduos destituídos de direitos, de liberdade e da própria vida?

As Filipinas, coincidentemente, foram o pivô de uma articulação entre os conservadores xenofóbicos estadunidenses, o puritanismo religioso, especialmente o bispo católico Charles Brent, e os interesses da indústria farmacêutica no início do século XX.

Em 1909, os EUA que haviam tomado o controle das Filipinas, promoveram a realização da primeira conferência visando o controle do comércio do ópio, em Xangai. Um dos representantes estadunidense, Hamilton Wright, afirmava que o ópio era a pior droga da humanidade, que os EUA eram os maiores consumidores per capita do mundo, que as mulheres nos EUA eram levadas a coabitar com chineses por causa do vício no ópio.

O político que nomeou a primeira lei estadunidense de criminalização de opiáceos, o Harrison Act, proibindo e criminalizando o uso não medicinal do ópio e da coca e seus derivados, em 1914, foi Francis Burton Harrison, que se tornou depois o governador das Filipinas, de 1913 a 1921 e depois continuou servindo como assessor governamental nesse país ao ponto de adquirir a cidadania filipina.

Na verdade, o ópio era, com sempre havia sido, o principal fármaco da humanidade, utilizado de forma terapêutica e controlada em uma infinidade de medicamentos como o maior auxiliar nas dores, tosses e diarreias.

Em situações normais, o ópio e seus derivados eram recursos indispensáveis, mas em momentos de guerra o controle do seu abastecimento se tornava ainda mais estratégico.

A política de drogas vem sendo um dispositivo central nas relações internacionais, por meio de uma guerra permanente que militarizou múltiplas formas de controle social e está dedicada à limitação dos direitos fundamentais sobre a autodeterminação.

Há três grandes drogas lícitas (tabaco, álcool e café) e três ilícitas (maconha, coca e papoula), isso sem nos referir aos produtos farmacêuticos.

A criação de um circuito triplo de circulação destas substâncias fez parte de um processo ao longo do século XX que criou o monopólio médico-farmacêutico sobre certos fármacos, deixou outros disponíveis para adultos e proibiu um terceiro tipo para todos.

Esta normatização internacional política, médica, jurídica, policial e moral denominada de proibicionismo tem raízes complexas, ligadas à projeção geopolítica estadunidense, ao puritanismo religioso, ao industrialismo fordista, ao racismo xenofóbico e ao próprio corporativismo do aparelho judicial e policial. Seu resultado foi a “guerra às drogas”, declarada oficialmente por Nixon, em 1971.

Proibir é criminalizar, criar um dispositivo repressivo e prender, julgar e encarcerar pessoas que praticam uma conduta voluntária, que muitas consideram uma forma de medicação, outras um lazer ou um relaxamento que faz parte de suas formas de viver.

O mais singular do proibicionismo do século XX é o grau de consenso que ele goza entre os estados mais rivais. China e EUA, Arábia e Irã, Rússia e Turquia, Cuba e Vietnã partilham do mesmo paradigma repressivo e belicoso da guerra às drogas.

Os dois lados da Guerra Fria foram parceiros numa guerra comum travada por eles contra os povos, a liberdade, a saúde pública, as minorias étnicas, as mulheres, a juventude e os negros. Ainda hoje, os governos denominados “comunistas” da China, de Cuba, do Vietnã, se alinham com os países islâmicos e os EUA como os falcões da guerra às drogas.

Num mundo em que as diversas faces do fascismo se desvelam sem pudor, exaltando a violência, o ódio e o extermínio, o governo de Rodrigo Duterte nas Filipinas se destaca como uma vertente particularmente hedionda na explicitude dos seus planos genocidas.