Por: Waldo Mermelstein
A diminuição do crescimento econômico na China tem levado a um aumento no número de greves no país. A repressão do estado e das próprias empresas faz com que essas greves e mobilizações sejam, em grande maioria, realizadas por local de trabalho, sem que haja coordenação entre elas.
A própria organização independentes dos trabalhadores são proibidas e reprimidas com determinação pelo estado. A Federação de Sindicatos de Trabalhadores da China e suas entidades filiadas são mais propriamente órgãos do estado e, em geral, estão ao lado dos patrões estatais ou privados. Seus dirigentes costumam ser pessoal de confiança das empresas ou funcionários do regime. Por isso, são enganadores os seus 173 milhões de filiados.
A nova situação econômica faz com que se possa prever um aumento na combatividade e mesmo de novas organizações dos trabalhadores chineses. A questão é como isso se dará, em que ritmo.
Uma novidade surge nas lojas do Walmart
Chama atenção pelo que pode representar nesse sentido a luta dos trabalhadores do Walmart na China, que são cerca de 100 mil, distribuídos em 433 lojas e que começaram uma mobilização inédita em nível nacional.
O motivo foi a decisão de companhia de mudar a forma de contratação dos trabalhadores, aplicando o chamado ‘sistema global de cálculo de horas de trabalho’. Dessa forma, em vez de trabalhar as oito horas diárias, os funcionários regulares da companhia poderão ter a jornada diária alterada, trabalhando doze horas em um dia, quatro em outro, com a única condição que o total mensal não passe de 174 horas trabalhadas.
Com isso, eliminam-se praticamente as horas extras, que são muito comuns para complementar o salário, e dificulta-se a vida dos que possuem outros trabalhos de meio período, ou similar. Pior, abre-se espaço para a contratação de mais trabalhadores temporários.
A empresa começou a pressionar fortemente os funcionários a assinar os novos contratos, o que ampliou o repúdio entre eles. Há também uma razão mais de fundo para a revolta. Os salários nas lojas do Walmart, que eram três vezes maiores que a média dos salários dos trabalhadores em geral até a metade dos anos 2000, caíram para próximo dos salários mínimos locais em toda a China.
Uma tradição de luta e uma nova forma de organização
Os trabalhadores do Walmart na China têm lutado há anos por ter direito à sindicalização, o que conquistaram em 2006. Mas, rapidamente, os dirigentes sindicais locais foram cooptados e os que se negaram foram demitidos.
Com essa experiência, desde o ano passado, os trabalhadores começaram a se organizar de forma independente em nível nacional em toda a China continental. Utilizaram para isso a rede social Weixin, a versão chinesa do We Chat, que conta com 700 milhões de usuários no país, na chamada Associação de Trabalhadores do Walmart na China, que já agrupa 20 mil participantes, ou seja, um quinto do total dos empregados da multinacional no país.
Em julho, um passo nessa luta foram as greves simultâneas em quatro lojas em diferentes partes do país, protestando contra os novos contratos. Não por acaso, a primeira loja a entrar em greve foi a de Nanchang, a mesma que começou o processo de luta pela sindicalização há dez anos. É o que explica Anita Chan, professora da Universidade Nacional da Austrália, especialista no tema da classe trabalhadora chinesa e suas lutas.
Ainda segundo a professora, “É um fato sem precedentes que os trabalhadores se organizem dessa forma. A maioria das greves ocorrem em um só local de trabalho. Esta é diferente – o Wal-Mart tem muitas lojas na China e utiliza os mesmos métodos gerais em todas elas. Portanto, os trabalhadores entendem as situações de cada um deles: elas são as mesmas”.
Ressalte-se que ela, entre os estudiosos do tema, é uma das menos otimistas em termos dos avanços organizativos que deixam as cada vez mais numerosas lutas da classe trabalhadora chinesa pelos direitos.
Para coroar o ineditismo da situação, os trabalhadores chineses enviaram uma carta aos colegas de empresa nos EUA, que é a principal empregadora do país, com cerca de 1,2 milhão de trabalhadores, dizendo que “Temos razões para acreditar que suas condições de hoje serão as nossas de amanhã”, referindo-se ao grande número de trabalhadores que não têm contratos de 40 horas nas lojas da empresa nos EUA.
De forma significativa, um cartaz na greve do Walmart em Chengdu, dizia “Nós apoiamos a luta nos EUA pelos U$15 por hora”, em referência à luta dos trabalhadores americanos por um aumento substancial no salário mínimo.
Foto: Arquivo pessoal Flickr Cory Doctorow
Comentários