Quando os artistas desafiam o poder: sobre a polêmica com o filme Aquarius

Por Mariana Rio, do Rio de Janeiro, RJ

Nos últimos 30 anos, o cinema nacional viveu de baixos e altos. O complexo dilema, vivenciado pelos realizadores dos anos 70, que eram ao mesmo tempo censurados e apoiados financeiramente pelo mesmo Estado que praticava a censura, parece se repetir em pleno ano de 2016. Tudo começou quando o renomado cineastas Kleber Mendonça filho e a equipe do filme Aquarius, na première do longa no Festival de Cinema de Cannes, em maio deste ano, decidiram protestar através de cartazes. O protesto foi contra o “golpe institucional” que retirou a presidente Dilma Rousseff do seu cargo, e coloco seu vice como interino. A manifestação ganhou repercussão internacional, e constrangeu o governo de Michel Temer.

A poucos dias da sua estreia, marcada para 1 de setembro, o premiado filme de Kleber Mendonça Filho é cercado de diversas polêmicas,  mas nenhuma tem a ver com o conteúdo do filme, mas sim com as posições dos realizadores.

Censura 18 anos
Tudo começou com a classificação indicativa que o filme foi colocado. Para a galera ligada em cinema, uma classificação indicativa de 18 anos é algo que atrapalha a carreira de um filme. Ainda mais um filme nacional que já tem que enfrentar uma concorrência desleal do cinema estrangeiro e conviver com a política de distribuição de filmes no Brasil. Sob a alegação de “situação sexual complexa”, a indicação aferida pelo Ministério da Justiça foi recebida com estranhamentos por grande parte do mundo cinematográfico. Para ser ter uma ideia, nem filmes como Deadpool e 50 Tons de Cinzas ganharam classificação de 18 anos. Para muitos, esta classificação seria um tipo de “retaliação à atitude de Kleber e sua equipe em Cannes”.

Para colocar ainda mais lenha na fogueira, na última semana, foi escolhida a Comissão de Escolha dos Indicados brasileiros ao Oscar.  Essa comissão é montada todos os anos pelo Ministério da Cultura (MINC) e é composta por profissionais da área.  Inclusive, outro filme de Kleber Mendonça, O som ao redor”, já foi escolhido para representar o Brasil na disputa para uma vaga de melhor filme estrangeiro no Oscar de 2014.

Tudo estaria bem, se não fosse a composição “suspeita” dessa comissão. Segundo o próprio cineasta Kleber Mendonça, em carta à imprensa, o convite do MINC ao crítico Marcos Petrucelli, demostra uma imparcialidade do MINC no processo de escolha. Petrucelli tinha feito declarações nadas gentis sobre Kleber Mendonça na época do festival de Cannes. O crítico chegou a pedir o boicote ao filme depois do protesto da equipe no festival e, mais recentemente, no início de agosto, publicou um artigo chamado “A Esquerda Cinematográfica”, no qual ele volta  a se colocar contra aos posicionamentos de Kleber Mendonça.

Protestos
A comissão e a classificação de 18 anos geraram uma onda de solidariedade ao cineasta no mundo cinematográfico. Três cineastas retiraram seus filmes da disputa à candidatura brasileira ao Oscar estrangeiro de 2017. Gabriel Mascaro com Boi Neón, Anna Muylaert  com Mãe Só Há Uma, e também Aly Muritiba retirou o seu filme Para Minha Amada Morta. Entre os membros da comissão, a atriz Ingra Lyberato também saiu da Comissão em protesto contra o golpe.

Toda essa história abriu um intenso debate público sobre uma possível volta da censura no Brasil.  O debate tomou dimensões tão grande que, na abertura do Festival de Gramando (26), foram ouvidos vaias e gritos de “fora temer” e “golpistas”. Na abertura, estavam na plateia Marcelo Calero, Ministro da Cultura do Governo Interino de Michel Temer, Alfredo Bertini, Secretário Nacional do Audiovisual, e o crítico Marcos Petrucelli.

O cinema nacional, como qualquer arte, sempre sofreu com os turbilhões da política nacional. Kleber Mendonça não foi o primeiro cineasta que defendeu seus posicionamentos políticos e sofreu retaliações. Figuras como Leon Hirszman, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo César Saraceni e Gauber Rocha tiveram que se enfrentar com o poder devido suas posições políticas contrárias ao regime da época.

Essa onda de solidariedade no mundo cinematográfico com o filme Aquarius demostrou que os artistas estão conectados à realidade politica, e se colocam em movimento contra uma possível política isolacionista de críticos aos governo interino.