Fetichização da cultura afro-religiosa e a ‘afro conveniência’

Por: Gleide Davis, colunista do Esquerda Online

Presenciamos, nos últimos dias, três situações de intrínsecas à representação da condição de negro e, ou candomblecista no Brasil. Um candidato pagou sete dermatologistas para comprovar sua condição social de pardo, e assim assumir um cargo público ao qual ele pleiteou como cotista racial. O candidato e prefeito da cidade de Salvador declarou-se pardo para as próximas eleições e uma representante do candomblé foi chamada de “macumbeira” (sic) pelo motorista ao qual ela tentou entrar num ônibus. Desses, a única pessoa negra é a moça que foi humilhada publicamente pela sua condição racial e religiosa.

Assim, reascendemos o debate sobre a autodeclaração racial e os problemas que as permeiam a conveniência de pessoas potencialmente privilegiadas na sociedade, ora não negras, ora sequer trabalhadoras, que decidem quando e como querem ser negros para pleitearam vagas de candidatos negros, em universidades, cargos públicos e afins.

Este debate estende-se também para as religiões afro-brasileiras, que vêm passando por um processo de inserção muito forte, fato que em grande parte das vezes, está diretamente ligado à autodeclaração racial, gerando um passaporte da fetichização das religiões de matriz africana e, por conseguinte, a banalização dos conceitos que possuem não só relevância espiritual, mas apresentam simbolismos de resistência e permanência da ancestralidade de todo um povo que teve a sua história deturpada e roubada por mais de 400 anos.

Temos uma clara minimização de condição da população negra no Brasil, fator macrossocial que é inerente não só às relações de trabalho, que perpassam pela escravidão, pelos primeiros movimentos trabalhistas organizados no Brasil, os quilombolas. Mas, pela conjuntura de repressão do estado e da simples negação da existência da população tal qual ela é: negra. Negação esta que está diretamente ligada ao mito da democracia social que viabilizou a auto negação racial da população negra para se abrigar do ostracismo causado por esta condição. Ostracismo este que tem vieses no trabalho, nas organizações políticas, nos meios comuns sociais e na religião. Religião esta que serviu como encalço de resiliência sobretudo para as mulheres negras, outrora escravizadas, que assassinavam filhos para não gerarem mais escravos, agora, mães de filhos assassinados pela polícia que serve ao estado genocida e racista.

Ser negro e adepto de religiões afro-brasileiras não é só uma condição racial e ideológica, é também uma condição de classe que é subjugada, que possui demandas primárias em relação à luta da classe trabalhadora e que tem seus direitos de representação política, igualdade no mercado de trabalho e livre expressão histórica negados puramente pela sua condição social.

Ser, de fato, negra e negro no Brasil, não tem nenhuma conveniência e comodismo. É lutar, inclusive, contra a apropriação dos pouquíssimos direitos conquistados por aqueles que já os possuem há muito tempo.