Por: Renata Mallet, candidata a vereadora de Salvador, BA
Precisamos falar de aborto. É um tema polêmico, com muitas opiniões políticas, sociais e até religiosas. Mais do que um tema, o aborto é uma realidade entre as mulheres de Salvador. É uma dura realidade. Precisamos falar de aborto, precisamos falar sobre a necessidade da descriminalização do aborto e das mulheres.
Como candidata a vereadora de Salvador, não falar desse tema é hipocrisia. Como militante de esquerda, ignorar a necessidade de uma política para essa questão é oportunismo. Não irei me abster desse debate. Como mulher, como militante feminista e, principalmente, como socialista, sei que descriminalizar o aborto é defender a vida das mulheres. Em Salvador, e na maioria do país, é defender a vida das mulheres negras.
Faço parte do Movimento por Uma Alternativa Independente e Socialista (MAIS), uma organização que defende que a construção de uma sociedade igualitária passa obrigatoriamente pela organização dos setores oprimidos e pela luta contra a opressão e a exploração. Estamos nas principais mobilizações pelos direitos das mulheres e pelas reivindicações feministas. O direito a decidir pelo próprio corpo e o fim da criminalização das mulheres que abortam são pautas necessárias e uma questão de vida, literalmente, de vida.
Um olhar sobre as mulheres que realizam aborto
Só conseguimos fazer uma discussão séria sobre o aborto em nossa cidade se olharmos para as mulheres que realizam o aborto. Quem são e onde estão? Em grande maioria, elas são as trabalhadoras, elas são as negras, são o nosso povo. Um corte racial e de classe é necessário nesse tema.
Mesmo que ilegal, no Brasil, uma em cada cinco mulheres já realizou aborto. Na Bahia, quase 20 mil mulheres deram entrada em hospitais por abortamento em 2013. Destas, 40% são solteiras, 85% negras e 60% de baixa escolaridade. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, em pesquisa de 2013, o aborto é responsável por 22% das mortes maternas em Salvador, dados ainda subnotificados. Na nossa cidade, o índice de mortalidade materna é cinco vezes maior que o mínimo definido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 10 óbitos por 100 mil gestantes.
Nossas mulheres, negras e do povo, abortam porque não têm condições financeiras ou preparação para ter um filho, porque são abandonadas grávidas por seus companheiros, porque o marido não quer o filho, por falhas nos métodos anticoncepcionais, por falta de acesso a esses métodos e por uma rede de saúde pública que não funciona. Muitas não querem ter um filho, ou mais um filho, de um marido violento que a espanca e a estupra. Estamos falando de mulheres que abortam não com o intuito de cometer um crime, mas por necessidade.
Estamos falando de mulheres da periferia, que estão nos piores trabalhos, nos mais precarizados, maioria nos setores terceirizados e que recebem menos de dois salários por mês. Aquelas que não encontram creche pública para deixar os filhos quando vão trabalhar e que ainda acumulam uma dupla jornada, tendo que cuidar da casa, filho e marido depois da dureza do batente. As que esperam meses para marcar uma ginecologista pelo SUS e que têm dificuldade no acesso aos métodos contraceptivos na rede de saúde.
Estamos falando daquelas que não podem pagar dois mil reais para fazer um aborto nas clínicas clandestinas de Salvador e que recorrem a procedimentos muito inseguros, como remédios, chás e outras práticas caseiras. Que se vêem sozinhas quando fazem o aborto. Que sofrem com as consequências físicas e emocionais do aborto inseguro e, quando recorrem ao hospital, sofrem preconceito e são maltratadas pela equipe de saúde.
As mulheres negras que realizam o aborto, além de sofrerem com o próprio ato do aborto, métodos de risco que podem ter consequências físicas, fatores emocionais, dores, ainda são vítimas de preconceito. Por ser uma prática ilegal, elas ainda podem ser presas. E sabemos muito bem como funciona a justiça racista, as negras são as mais vulneráveis e com mais chances de serem presas por fazerem aborto.
A mulher que faz o aborto não é uma criminosa. Não podemos aceitar que estas sejam humilhadas e culpabilizadas. O aborto deve ser encarado seriamente, como uma política de saúde pública e de direitos humanos.
ACM Neto (DEM) realmente se preocupa com as mulheres de Salvador?
Posso dizer: Não. A Prefeitura de ACM Neto não se preocupa com as mulheres negras porque não tem política que realmente combata a dura realidade de nosso povo. Ao contrário, legitima a violência machista e racista institucional.
Qual foi a principal medida de ACM Neto para reduzir a morte devido a aborto? Nenhuma. A proposta dele para esse tema é criminalizar ainda mais as mulheres e tem como consequência o aumento das mortes. Em 2015, ACM Neto sancionou a lei que define a segunda sexta-feira do mês de maio como Dia Municipal Antiaborto. Essa lei foi aprovada na Câmara de Vereadores, na qual, a maioria é aliada ao prefeito e de autoria de Cátia Rodrigues (PROS), pertencente à bancada evangélica da Câmara e conhecida por depoimentos e projetos de forte conteúdo de intolerância às religiões de matriz africana.
Além de desconsiderar a realidade das trabalhadoras negras de nossa cidade e os fatores que as levam a fazerem o aborto, o Dia Municipal Antiaborto fortalece o preconceito e a criminalização dessas mulheres. Uma vez que o projeto prevê a realização de atividades em escolas, postos de saúde e comunidade, o que irá ser legitimado é a concepção moralista e conservadora que culpabiliza a mulher pela realidade e a trata como uma criminosa por abortar. Isso é tão perigoso que até em casos ditos legais de aborto, devido a estupro, risco de vida da mãe e criança com anencefalia, poderão ser encarados com o mesmo moralismo e culpabilização, trazendo ainda mais retrocessos nas conquistas e interesses das mulheres.
O Dia Municipal Antiaborto não é uma medida de defesa das mulheres, é mais uma violência institucional. Não visa beneficiar as mulheres, mas atender as exigências da bancada evangélica da Câmara Municipal de Salvador. É com essa base de apoio que ACM está preocupado, e não com as soteropolitanas.
O Dia Municipal Antiaborto é expressão da opinião do moralismo fundamentalista evangélico. Não foi à toa que a data escolhida para essa campanha antiaborto é tão próxima ao Dia das Mães. Essa moral conservadora e machista reduz a mulher ao papel de reprodutora e de ser mãe e condena como pecadora a mulher que realizou o aborto. É um absurdo o Estado, no caso, a Prefeitura de Salvador, que deveria ser laica, definir uma lei baseada apenas em uma opinião da religião sobre o tema do aborto. As mulheres devem ter liberdade de escolha sobre o corpo e a vida.
Para nós do #MAIS essa medida não tem nada de progressivo. É um grande retrocesso à luta das mulheres e às reivindicações feministas. É um duro ataque às mulheres de nossa cidade que são vítimas das práticas do aborto inseguro e da política da Prefeitura de ACM Neto.
Um debate mais nacional é importante sobre esse tema. Não podemos esquecer que ACM Neto, e o seu partido DEM, é base de apoio do governo ilegítimo Michel Temer (PMDB). ACM Neto apoia o governo de Temer, que nomeou uma evangélica contra o aborto para a Secretaria de Mulheres e formou uma equipe ministerial machista, racista e lgbtfógica. Esse mesmo presidente quer retirar direitos, acabar com a aposentadoria e atacar as mulheres trabalhadoras. Sempre é bom afirmar o Fora Temer.
É verdade que o bloco do PT e PCdoB está ao lado das mulheres?
É verdade que o PT elegeu a primeira presidente do país, Dilma Rouseeff. Mas, será que Dilma governou para as mulheres? Governa para as mulheres uma presidente que corta verbas da educação e saúde pública, dificultando ainda mais o acesso a creches e atendimento médico? E a presidente que corta verbas da secretaria de mulheres, dificultando ainda mais o combate à violência doméstica? Dilma significou mais sacrifícios para as trabalhadoras.
E sobre o aborto, qual foi a postura de Dilma? Abandonou a pauta, para manter a governabilidade e sustentar a bancada aliada fundamentalista evangélica, na qual estão machistas Feliciano (PSC), Bolsonaro (PSC) e Eduardo Cunha (PMDB). Dilma e seu bloco PT e PCdoB entregaram a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados para Feliciano. Não esqueceremos que Cunha defendeu o PL 5069 que quer proibir a pílula do dia seguinte, no caso do estupro. Para que um médico possa fazer o aborto, o PL exige exame de corpo de delito e comunicação à autoridade policial, pune trabalhadores da saúde que orientam sobre o aborto e dificulta o procedimento legal de aborto em vítimas de estupro.
Também por essas questões colocadas não defendemos a volta de Dilma à Presidência. Dilma mentiu para as mulheres trabalhadoras. Defendemos Eleições Gerais, com novas regras.
Olhando para a Bahia, Rui Costa (PT) propôs alguma medida para por fim às mortes das mulheres que abortam? Nenhuma. E ainda manifestou apoio público à candidatura a prefeito de Sargento Isidório (PDT), um deputado que é quase a representação na Bahia do que é Cunha a nível nacional, que odeia as mulheres, os negros e o setor LGBT. Isidório é contra a descriminalização do aborto. Já o ex-governador Wagner (PT) chegou a dizer que o aborto é uma “prática abominável”, criminalizando ainda mais as mulheres.
A candidata do bloco PT e PCdoB à Prefeitura de Salvador, deputada Alice Portugal titubeia muito quando o debate é o aborto. Para defender a postura de Dilma de abandonar a pauta da legalização, a deputada disse que não era nem contra e nem a favor, que defendia que as mulheres deveriam ser atendidas nos hospitais quando chegam “em condições de aborto”. Foi contra o PL 5069, mas nunca apresentou um PL de descriminalização do aborto, enquanto deputada.
Um programa para as mulheres trabalhadoras de Salvador: descriminalização do Aborto
Minha candidatura se propõe a lutar contra a morte das mulheres que abortam e meu mandato defenderá a vida das mulheres. As mulheres negras de nossa cidade estão morrendo devido às práticas inseguras do aborto e a grande culpada não é a mulher, mas a lei que criminaliza essas mulheres. É necessário mudar a legislação para que quem faz aborto não seja encarada como criminosa.
Sei que a legislação deve mudar e que essa mudança ocorre a nível nacional, pelo Congresso. Sei também que nesse atual Congresso corrupto e reacionário, uma lei com esse conteúdo nem sequer é debatida. Acredito que a força popular é que garante a mudança. Meu mandato terá como objetivo impulsionar as lutas das mulheres pela descriminalização do aborto. E para impulsionar principalmente a construção de um terceiro campo, independente dos governistas da direita e do PT e PCdoB, porque será esse campo alternativo que irá realmente pautar as reivindicações dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos.
Como proposta enquanto vereadora, defendo a revogação da Lei do Dia Municipal Antiaborto. Se fôssemos criar uma data para debater a questão do aborto deveria ser o ‘Dia Municipal Contra a Criminalização do Aborto’, com o objetivo de promover uma forte campanha de conscientização do nosso povo sobre a lei que condena as mulheres às praticas inseguras e à morte, principalmente as negras e pobres.
Além de mudanças na esfera legal, precisamos de políticas públicas nas esferas da educação, saúde, combate à violência à mulher e do emprego digno. As mulheres precisam de um trabalho digno para que possam criar seus filhos, de creches e escolas públicas e de qualidade para as crianças e de um programa de saúde de atenção à mulher que atenda de forma integral e universal. Uma educação sexual não sexista para evitar a gravidez não desejada, anticoncepcionais gratuitos para não abortar e um aborto legal, seguro e público para não morrer.
As mulheres negras de nossa cidade, as maiores vítimas do aborto inseguro, precisam de um governo comprometido com essa mudança, com a vida das mulheres e com o direito sobre p corpo e escolhas. Não precisamos desse Dia Antiaborto e nem de uma Prefeitura moralista, com políticas machistas e racistas que institucionalizam a violência contra o nosso povo.
Comentários