Melhor participação brasileira nas Olímpiadas?

Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 20/08/2016- Olimpíadas Rio 2016- Futebol Masculino- Final- Brasil e Alemanha, no estádio do Maracanã. Foto: Ricardo Stuckert/ CBF http://fotospublicas.com/jogos-olimpicos-rio-2016-final-masculina-de-futebol-brasil-x-alemanha-no-estadio-do-maracana/

Por: Caue Vieira Campos, de Campinas, SP

Após o encerramento das Olimpíadas Rio 2016 e a classificação brasileira na 13ª posição no ranking geral, com 19 medalhas, sendo sete de ouro, a grande mídia só fala que essa é a melhor participação brasileira em uma Olimpíada. De fato, contra os números não há argumentação. Nunca na história desse país se foi tão bem. Mas, é preciso questionar isso a partir de duas perguntas:

  1. Essa é a posição que o país deveria ocupar nas Olimpíadas na ordem atual?
  2. Essa participação representa um desempenho suficiente dentre as possibilidades brasileiras?

Obviamente, não se deve responder essa questão apenas esportivamente e nas individualidades dos atletas. Entende-se a participação olímpica como resultado de um longo processo de investimento e reflexão sobre o esporte nacional.

Na época capitalista, deve-se perceber que os resultados esportivos, com foco nas Olimpíadas, são resultados com leves distorções de dois fatores combinados. O primeiro é a força econômica nacional. Os recursos para as práticas esportivas dependem de investimento de capital. Assim, quanto mais rico um país, provavelmente, a participação nas Olimpíadas será tanto melhor. Pode-se perceber com exemplos clássicos, nos EUA e na antiga URSS, que utilizavam do poder econômico como forma de monopolizar as disputas olímpicas e como propaganda no período de Guerra Fria.

Este fator é combinado com o tamanho da população do país. Imagina-se que a presença de atletas altamente aptos a determinados esportes seja igual entre os países. É preciso que a população local tenha contato com as mais diversas práticas esportivas. Assim os atletas olímpicos surgiram. Em países mais povoados deve haver mais atletas olímpicos do que em países com menos habitantes.

Esses dois fatores são combinados. Países altamente povoados como Paquistão, Indonésia e outros têm participações inexprimíveis devido à posição das economias no cenário mundial. Há os considerados ricos e desenvolvidos com baixas expressões olímpicas, como Suécia, Dinamarca e Suiça. As distorções ficam por conta de supostos fenômenos que desviam da regra, como a Jamaica, Cuba e Quênia, que por características específicas dos países têm participações superiores ao que se poderia esperar a partir desses fatores.

Sendo assim, se levarmos esses dois fatores para analisar o caso brasileiro poderíamos concluir que o país deveria se classificar entre o 5º e 7º, disputando posições com Rússia, Alemanha, França e Japão em 2016. Afinal, somos o 5º país em habitantes e o 7º maior PIB do mundo, segundo o Banco Mundial. Ou seja, mesmo na considerada pela mídia como melhor participação da história, o Brasil está aquém das capacidades. Se forem levadas em consideração as outras Olimpíadas, a situação é mais grave. Michael Phelps, o maior nadador de todos os tempos, conquistou em três olimpíadas 18 medalhas de ouro, sendo que o Brasil nas participações de 1920 a 2012 conquistou 21 medalhas de ouro. A desproporcionalidade é nítida.

Dois exemplos são importantes para pensar as causas dessa situação olímpica brasileira. Primeiro, o caso notório da pequena ilha de Cuba. Desde a Revolução comandada por Che, Cienfuegos e Castro, as participações olímpicas cubanas são sempre dignas de espanto. Mesmo após o fim da URSS e o aprofundamento do isolamento e da crise pela restauração capitalista comandada pela ditadura castristas, até 2008 a Ilha sempre ficou à frente do Brasil no quadro de medalhas. Em Londres 2012, ano que se tem índice de PIB e populacional de ambos os países, seria algo em torno de um medalhista olímpico a cada 785 mil cubanos e um a cada 12 milhões de brasileiros. Considerando o PIB, seria uma medalha para 141 milhões de dólares produzidos no país, já em Cuba uma a cada 8 milhões de dólares.

Outro exemplo vem de uma nação que era considerada companheira do Brasil nas representações olímpicas aquém da capacidade, a Grã-Bretanha. Após o fiasco das Olimpíadas de 1996, no qual o ‘Team GB’ ganhou apenas uma medalha de ouro, oito de prata e seis de bronze, ficando apenas em 36º, o esporte virou uma política de Estado ganhando centralidade de investimento. Resultou nas participações históricas de 2012 e 2016, respectivamente 3º e 2º lugares, primeiro país-sede a ir melhor nas Olimpíadas seguintes a ser sede.

Antes de tudo, Cuba e Grã-Bretanha são expressão de que os resultados são manifestação de políticas conscientes de Estados em esporte, mas não somente. É preciso investimento em educação, saúde, transporte e segurança pública. É exatamente isso que falta ao Brasil, se analisamos os primeiros colocados na classificação geral das Olimpíadas percebe-se que são também os países como maiores índices de investimento em segurança, transporte, saúde e, principalmente, educação.

A formação de um atleta é influenciada por um conjunto de fatores. Começa-se pelo óbvio. Deve estar vivo para ser um atleta olímpico. Com o índice de homicídios brasileiro, principalmente na periferia e pelas polícias, já é uma primeira barreira. É preciso ter uma vida saudável, algo impossibilitado para a maioria da população que depende do SUS. Para treinar e competir é preciso se locomover pelas cidades, com o transporte publico cada vez mais caro e ruim, o esporte torna-se um peso muito grande para a juventude da classe trabalhadora. É notório que os campeões olímpicos levam anos ou até décadas para serem formados. O desenvolvimento esportivo deve passar pela escola. Como isso seria possível em um país onde 60% das escolas não têm quadras esportivas? Sem falar nas condições e nos materiais esportivos.

Este tipo de investimento deve acontecer pelo Estado. Apesar de pequenas exceções, o esporte não sana a gana por lucro do grande capital. Estas outras áreas de investimento social são vistas como despesas desnecessárias pelo capital. No Brasil foi exatamente o contrário o que aconteceu, os esportes foram deixados para serem geridos por confederações autônomas em relação ao Estado, sem qualquer fiscalização e controle. A prática esportiva atual é reservada aos clubes e aos selecionados das confederações, criando verdadeiras máfias que controlam de forma escusa as modalidades. Para piorar, a prática esportiva ser reservada aos clubes elitiza as modalidades. Só os com acesso a esses clubes conseguem praticar desde jovem.

O atleta que chega a uma final olímpica é um sobrevivente com uma resistência fora de série para superar todas essas barreiras impostas por essa sociedade excludente. Ainda mais para aqueles que além de afetados pela desigualdade social, sofrem com o racismo, machismo e LGBTfobia no cotidiano, glorificando ainda mais as medalhas de Isaquias Queiroz, Rafaela Silva, Thiago Braz, Robson Conceição e outros.

Apesar de ser a melhor participação olímpica do Brasil na história, ainda está aquém das possibilidades concretas brasileiras na realidade mundial. Ainda que os torcedores gostassem de ver o Brasil disputando posições com EUA, Grã Bretanha e China, são sabidas as condições que são colocadas na economia capitalista mundial. Mesmo assim, ainda é preciso mais investimento nas áreas sociais, como saúde, transporte, segurança e educação pública para que os atletas brasileiras possam cumprir plenamente os objetivos.

Há falta de interesse dos governantes em resolver questões básicas da vida da população brasileira, atrelada a condições impostas a uma economia periférica e subdesenvolvida, não sendo possível mais que essa superação ocorra nos limites de um governo voltado para a burguesia, não para os jovens, trabalhadores, artistas e atletas brasileiros.

Foto: Ricardo Stuckert/ CBF