Por: Henrique Canary
Temos insistido em distintas ocasiões que o impeachment de Dilma Roussef (PT) é uma manobra sórdida e ilegal, orquestrada pelo que há de pior no país: a FIESP, os partidos de direita, a Rede Globo, a Bovespa, o STF e alguns outros sócios minoritários que, na última hora, se juntaram a esta iniciativa vergonhosa. O objetivo do golpe palaciano aplicado contra o governo do PT fica cada vez mais evidente: impor uma nova correlação de forças no país, mais desfavorável para a classe trabalhadora, de forma que possam ser aprovadas no Congresso medidas que atacam conquistas muito importantes da Constituição de 1988, como o SUS, a Previdência, a própria CLT e outros direitos democráticos elementares. Neste sentido, a manobra parlamentar iniciada por Cunha e que será encerrada em breve por Ricardo Lewandowski não merece dos trabalhadores mais do que desprezo.
Mas, dado às forças reacionárias o que lhes é de direito, é preciso reconhecer que Dilma Roussef e o PT carregam uma enorme carga de responsabilidade por tudo o que acontece hoje no país. E não se trata aqui apenas das medidas adotadas ainda na gestão Dilma e que hoje são utilizadas pela direita reacionária, como a famigerada lei antiterrorismo, que já começou a ser usada contra os movimentos sociais. Se trata sobretudo da própria lógica com que o PT governou o país nos últimos 13 anos. Esta lógica se materializou nesta terça-feira (16) na carta enviada por Dilma ao Senado como parte de defesa no processo de impeachment. O texto fala de “Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social” como se nada tivesse acontecido no país nos últimos 13 anos; como se ela e Lula não tivessem governado o país justamente em base a esse pacto, ou tentativa de pacto.
Não é de se admirar que o PT, na qualidade de governo derrubado, recorra novamente à ideia de um pacto nacional, como uma espécie de reedição da Carta ao Povo Brasileiro de 2002, a famosa carta-programa que Lula endereçou ao povo, mas que foi escrita para acalmar empresários e banqueiros.
Isso não surpreende.
O que surpreende é que uma parte da esquerda continue refém de algo que nunca existiu, de um suposto governo progressivo, que trouxe supostas conquistas, e que por isso supostamente deve ser defendido.
Não. A manobra reacionária do Congresso deve ser combatida. Mas, isso não deve implicar, para a verdadeira esquerda, em qualquer defesa do governo do PT, qualquer compromisso com seu legado. E muito menos com qualquer proposta que flerte com sua reedição.
Ao contrário, a falência do projeto do PT entrega uma chance à verdadeira esquerda, de superar o ciclo histórico do petismo e forjar uma nova alternativa política para o país.
Mas, para isso, há condições.
É preciso abandonar o sonho improdutivo de um retorno de Dilma ao Planalto. O estelionato eleitoral petista em 2014 foi um fato. E os trabalhadores lembram.
É preciso superar o calendário estritamente eleitoral, estritamente sindical, e levar à base dos movimentos sociais uma verdadeira discussão sobre a necessária resistência. O “Fora Temer” e a luta contra o ajuste fiscal não podem ser um show de pirotecnia que busca apenas construir o retorno de Lula à Presidência em 2018.
A direita existe e se fortalece. Mas, não se combate a direita selando com ela um novo pacto nacional. A direita só será combatida com um governo que acabe com o monopólio privado dos meios de comunicação; que exproprie as grandes empresas que serviram ao golpe parlamentar; que combata com mobilização popular o projeto Escola sem Partido e todos os similares; que acabe com a isenção fiscal das igrejas; que promova uma reforma política de radicalização da democracia, não de cerceamento da já escassa liberdade de expressão e organização; que promova uma educação libertadora.
Estará o PT disposto a isso? É para implementar esse programa – ou pelo menos algo parecido – que Lula pretende voltar em 2018? Não parece ser o caso.
A esquerda socialista e radical pode superar o impasse em que se encontra o país. Mas, para isso, terá que superar, antes, seu próprio impasse: Ser o apêndice de um nova experiência petista, ou apresentar seu próprio projeto?
Passamos por 2013. Vimos novos movimentos sociais progressivos surgirem e se desenvolverem a par e passo com o crescimento de uma direita violenta e com iniciativa política. Lula e o PT quiseram governar com a FIESP e a Polícia Federal. Ganharam em troca o pato de borracha e a Operação Lava Jato. O ritmo histórico do país acelerou e o conflito parece pedir um desenlace. Não é preciso uma nova Carta ao Povo Brasileiro, um novo pacto nacional. O que é preciso é dar adeus às ilusões.
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