De rosto lavado da maquiagem do trabalho formal

Assembleia com trabalhadores na Ford, em São Bernardo do Campo, sobre assuntos diversos. Foto: Edu Guimarães/SMABC

De panelinhas a vassourinhas como é ser terceirizada dentro de uma montadora no berço do movimento operário brasileiro

Por: Daiane Curi, do ABC Paulista

Para quem já foi, é ou conhece algum trabalhador terceirizado, já percebeu como as relações de trabalho são diferentes daqueles que conhecemos como trabalhador direto. Isso vai muito além daquilo que salta aos olhos como a remuneração menor e a jornada maior de trabalho que são elementos que podem ser mensurados.

A terceirização do trabalho mesmo ainda não aprovada pelo Senado Federal brasileiro – antigo PL 4330 e agora PLC 30, vem sendo na prática aplicada, teve um forte crescimento nos anos 90 com o neoliberalismo e um grande salto nos governos petistas. Teve como herança do governo tucano 1,8 milhões de terceirizados e passou para 12,7 milhões em 2013, representando 26,8% dos trabalhadores formais.

Como trabalhadora da mesma montadora da qual sou terceirizada agora, vivi muitas diferenças na pele. Quando não terceirizada, recebia um salário que me possibilitava uma vida com recursos dignos, um bom convênio médico, um ambulatório médico interno para consultas, exames e emergências, um subsídio para almoço, transporte fretado, 40 horas semanais de jornada, relações de trabalho que eram reguladas pela representação interna dos trabalhadores e sindicato. Assédios não eram evitados, mas eram resolvidos. Saí por meio de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) que me garantiu a quitação com a faculdade e ter como continuar meus estudos.

Passados cinco anos, retornei para a montadora, e o choque se deu logo de cara: 42 horas semanais, há casos piores como dos trabalhadores da limpeza e conservação que chega a 44 horas, salário reduzido a um quinto daquilo que recebia antes, plano médico limitado, auxílio alimentação com poder de compra baixo. Alguns companheiros não têm direito ao transporte fretado, mesmo pagando mais caro e sem subsídio. O ambulatório médico interno é apenas para emergências, pois as empresas prestadoras pagam alto pelo acesso e não incentivam o uso do mesmo. Há inúmeras diferenças que poderia contar por horas.

E há o que está por baixo do tapete. Mesmo dentro de uma montadora no ABC paulista,  duas empresas não depositavam o FGTS e recolhiam o INSS dos trabalhadores durante seis meses. Portarias eram fechadas na madrugada obrigando trabalhadores e trabalhadoras a andarem mais de dois quilômetros para encontrar outra aberta. Ainda há o assédio e desrespeito praticados pelos não terceirizados, que chegam a apelidar os terceirizados conforme as funções que exercem. Vassourinhas, panelinhas são alguns dos nomes.

Nós terceirizados vivemos o medo constante de não termos o mínimo de garantias, com a alta rotatividade, o corte de postos de trabalho e o aumento da carga do serviço, além de PLRs ridículas, a dificuldade na organização dos trabalhadores, entre outros fatores.

Atualmente, trabalho com muito mais mulheres do que na época quando eu era direta, e isso não é à toa, pois exercemos atividades exploradas e divididas sexualmente, como nos setores de limpeza e alimentação. Para justificar todas essas precarizações, as grandes empresas que prestam serviços terceirizados contratam trabalhadoras, em sua maioria, que mantêm sozinhas as famílias. Possuem baixa escolaridade, muitas são negras ou nordestinas, perfil que se reproduz em muitos postos de trabalhos informais ou terceirizados, mostrando assim a maquiagem do trabalho formal , que muitas vezes são invisíveis à classe trabalhadora pelo discurso falacioso de que se trata da modernização das relações do trabalho e que será a salvação da economia.

Foto:  Edu Guimarães/SMABC – Assembleia com trabalhadores na Ford, em São Bernardo do Campo.