Eleição de Salvador: enfrentar ACM Neto com uma política de esquerda, classista e socialista

Por: Jean Montezuma, de Salvador

Nas campanhas publicitárias da Prefeitura de Salvador, somos apresentados a uma cidade que ninguém conhece, ninguém vê. Na Salvador que ACM Neto mostra na TV tudo vai bem, as desigualdades desaparecem e se passa uma mensagem de que Salvador está no caminho certo. Será mesmo?

Quando chegou ao palácio Thomé de Souza em janeiro de 2013, ACM Neto encontrou uma prefeitura paralisada. A marca do último ano da gestão de João Henrique era crise. O antigo prefeito, que hoje está no PP, chegou se arrastando ao fim do mandato, totalmente isolado politicamente, enfrentando greves e paralisações do funcionalismo municipal, já sem nenhuma força para implementar os principais projetos de interesse da burguesia da capital. Tal era o estado de descontrole e desordem da antiga gestão, que não foi a toa que o Tribunal de Contas reprovou as contas do antigo prefeito deixando-o inelegível por oito anos.

Essa crise e paralisia da gestão anterior são hoje habilmente utilizadas por ACM Neto para vender o seu mandato como aquele que recolocou Salvador nos trilhos. Contudo, uma análise crítica sobre o sentido da gestão de ACM Neto não nos deixa dúvidas de pra quem governou o prefeito democrata. O foco do herdeiro do carlismo foi tornar Salvador novamente um lugar atraente para os investimentos dos empresários. Ou seja, voltar a encher os bolsos de quem sempre lucrou com as injustiças da nossa cidade foi desde o começo a prioridade do atual prefeito.

Na capital onde ACM Neto diz que tudo vai bem, a taxa de desemprego chegou a 19,6% no final de 2015 mantendo na incômoda posição de capital do desemprego no Brasil. Se em todo país a renda média do trabalhador caiu 7%, em Salvador ela despencou 14%, ficando em R$1.619,00. Em julho, a cesta básica teve nova alta e chegou a R$380,03, abocanhando 49% do salário de um trabalhador ou trabalhadora que ganha um salário mínimo, realidade da ampla maioria dos trabalhadores da cidade. Acrescentando a isso a tarifa de ônibus mais cara do norte/nordeste, o preço médio do aluguel que segue salgado, e por aí dá para se ter uma noção da verdadeira prova de resistência que os trabalhadores enfrentam no seu cotidiano. Isso para não falar das demais tarifas e impostos como o IPTU, que sobrecarregam o custo de vida dos trabalhadores.

A Salvador real segue injusta e desigual. O povo negro e trabalhador de nossa cidade batalha duro dia a dia, mas segue tratado pela prefeitura como se fossem cidadãos de segunda classe aos quais direitos essenciais como saúde, educação, moradia, e tantos outros, lhes é negado. Na educação, o problema vem desde a base, menos de 5% das crianças de zero a quatro anos tem acesso a creche, pois não existem vagas suficientes, e a prefeitura passou quatro anos para construir apenas duas novas creches. Construídas a toque de caixa no apagar das luzes do mandato, como forma de tentar aliviar a barra do prefeito que está de olho na reeleição.

Quando se fala em moradia, impossível não registrar que somos a segunda cidade em termos de percentual, 33%, da população morando em favelas. No governo Neto, um plano para construção de moradias dignas e de resolução do problema das encostas passou longe de qualquer atenção. Esse menosprezo com as condições de moradia do povo pobre e trabalhador, de maioria negra, resultou na infeliz tragédia provocada pela temporada de chuvas de 2015. Ao todo foram 20 mortes, e de lá para cá nenhuma inciativa estrutural foi assumida pela prefeitura e pelo governo do estado. Somado a isso o segundo maior déficit habitacional entre as capitais, um problema que tem endereço, raça e classe. Na contramão dessa realidade, o principal projeto de ACM Neto, o PDDU, vai no sentido de agravar essa situação e servir aos interesses da especulação imobiliária.

A nova LOUS – Lei de ordenamento e uso do solo – aprovada sem debate por uma Câmara Municipal dominada por uma maioria servil ao prefeito, abre caminho para a reafirmação de um projeto de cidade privatizada e por consequência, excludente e racista. Em quatro anos não nos faltam exemplos da faxina étnica promovida pela prefeitura. Basta citar a perseguição aos moradores de rua, as desapropriações arbitrárias e truculentas que expulsaram famílias de imóveis do Centro Histórico, assim como com o tratamento truculento dado aos camelôs e demais trabalhadores informais. Foi assim também com a reforma do Rio Vermelho, que expulsou do mercado do peixe trabalhadores que há gerações tiravam dali o sustento de suas famílias. Na Salvador pra inglês ver que ACM Neto vende para o turismo, o povo negro da cidade fica de fora, continuamos barrados no baile.

O PT de Rui Costa aposta no vale-tudo para disputa eleitoral

É inegável que o PT chega às eleições no meio de uma tempestade. Os efeitos da crise política instaurada no país e o impeachment de Dilma farão dessas eleições um processo totalmente distinto dos pleitos anteriores. Da parte da direção do Partido dos Trabalhadores parece não haver nenhuma reflexão crítica mais profunda sobre tudo que vem acontecendo. Junho de 2013 demonstrou de modo categórico que o PT não possui mais o patrimônio exclusivo da direção de grandes movimentos de massa da juventude e da classe trabalhadora. De lá para cá esse processo de perda de referencial perante sua base histórica se aprofundou. Setores cada vez maiores da classe trabalhadora já não enxergam o PT como portador de um projeto verdadeiramente capaz de transformar suas vidas. Essa desilusão é resultante de anos de experiência com as traições, fruto da escolha petista por governar em aliança com os patrões.

A ausência de reflexão leva o PT a cair em contradições gritantes com o seu próprio discurso. Ao mesmo tempo que gritam contra o golpe, PT e seu mais fiel aliado PcdoB participarão dessas eleições fazendo alianças com os golpistas em várias cidades do Brasil. Foi o próprio presidente nacional do PT que se posicionou contrariamente a qualquer veto prévio a coligações com o PMDB de Temer, Renan e Eduardo Cunha.

Em Salvador, mesmo á frente do Governo do Estado, o PT não terá um nome direto do partido na disputa pela prefeitura. A opção feita foi pela deputada federal Alice Portugal (PcdoB), que terá a deputada estadual petista Maria Del Carmen como vice. Alice, que é uma ex-sindicalista, tem uma trajetória histórica de luta contra o Carlismo e sem dúvida usará muito disso em seu discurso. Não é correto apagar esse passado da deputada, mas será mesmo que a plataforma de governo que apresentará na campanha será digna de uma oposição de esquerda ao projeto de ACM Neto? Tomemos o governo Rui Costa como exemplo. O que tem a dizer os servidores do estado que sofrem com o arrocho imposto pelo petista? E quanto ao problema do desemprego, quando a Ford anunciou a demissão de centenas de trabalhadores de que lado ficou o governador? Nunca é demais lembrar também de casos como a chacina do Cabula, que expressam que, assim como a velha direita, o PT no governo criminaliza a pobreza e promove o genocídio da juventude negra. De que lado ficará Alice na hora de responder essas questões? Apenas o discurso anti-carlista não é suficiente, uma verdadeira alternativa para Salvador precisa de um programa radicalmente oposto ao de ACM Neto. Não se pode fazer isso através de uma candidatura que, além de tudo, terá na composição de sua chapa o PSD de Otto Alencar.

E não para por aí. Além da candidatura de Alice Portugal, o governador Rui Costa apoia diretamente outras duas candidaturas oriundas de partidos da base aliada do governo do Estado. Rui Costa saudou e se fez presente na convenção que lançou a candidatura do deputado Cláudio Silva do PP, partido do vice-governador João Leão e com o maior número de parlamentares envolvidos no esquema de corrupção investigado pela operação Lava Jato. A outra candidatura celebrada por Rui Costa é a do Pastor Sargento Isidorio, ex-PSC de Feliciano e Bolsonaro, que lançou-se candidato pelo PDT. Isidorio que se diz ex-gay e ex-drogado é defensor de inúmeros projetos conservadores e inimigo declarado das mulheres, dos lgbt’s e dos negros e negras. Sempre com uma bíblia na mão, Isidorio é um ilustre representante das bancadas religiosas conservadoras, que usam da fé para pôr em pauta projetos reacionários e até mesmo fascistas que contribuem com agravamento do machismo, do racismo e da lgbtfobia.

É com esse figura sinistra que o governador petista Rui Costa foi se aliar. Rui Costa fecha os olhos para todo o conservadorismo de Isidorio em troca dos votos que sua candidatura a prefeito pode conquistar. Votos, que no cálculo eleitoral podem fazer a diferença evitando uma possível vitória de ACM Neto no primeiro turno. Uma vez mais, vemos a direção do PT abrindo mão de princípios em nome do vale-tudo eleitoral.

Era preciso uma frente de esquerda classista e socialista

Nós do MAIS – Movimento por uma Alternativa Independente e Socialista- sempre defendemos que era preciso uma alternativa ao bloco da direita, capitaneado pela candidatura de ACM Neto, e ao bloco do PT e do PcdoB, que por insistir nas alianças com a direita são incapazes de se apresentar enquanto oposição de esquerda real e programática. Era preciso a construção de uma frente de esquerda e socialista envolvendo o PSOL, o PSTU, o PCB, movimentos sociais e demais organizações de esquerda.

Lamentamos que a candidatura de Fábio Nogueira (PSOL) tenha como vice na sua chapa Babuca Grimaldi da REDE, partido de Marina Silva. Achamos tal coligação um erro grave, uma decisão tomada pela direção do PSOL que na prática abre mão de lançar uma alternativa livre dos patrões a prefeitura de Salvador. A REDE, embora se utilize de um discurso diferente dos partidos da direita tradicional, tem como aliados e incentivadores Neca Setúbal, herdeira do banco Itaú e Guilherme Leal do grupo Natura. Marina Silva, principal liderança do partido, foi durante anos ministra do Meio ambiente de Lula e em 2014, após ser candidata pelo PSB à Presidência da República, apoiou Aécio Neves do PSDB no segundo turno. Um partido que chega ao ponto de aliar-se com os tucanos do PSDB e que tem nos seus quadros representantes diretos da burguesia não pode, sob nenhuma hipótese ou justificativa, ser considerado um aliado.

A direção do PSOL não tem o direito de levar os trabalhadores e trabalhadoras ao mesmo beco sem saída que nos levou o PT. Alianças com a direita nunca terminam bem. O PT apostou nisso durante anos e deu no que deu. Agora, mesmo após o impeachment, Lula, Dilma, Rui Costa e a direção petista insistem no mesmo caminho. Não pode ser que o PSOL tente fazer a mesma coisa. Nos dirigimos à militância do PSOL que em tanta luta tem se envolvido. É preciso refletir sobre essas escolhas assumidas pela direção de seu partido, pois a classe trabalhadora não merece viver de novo a reedição das mesmas práticas de alianças que só servem aos nossos inimigos.

É preciso afirmar o novo. A construção de um campo de classe independente que priorize a luta direta contra os graves ataques aos nossos direitos preparados por Temer e o Congresso, mas também por prefeitos e governadores, pode e deveria se materializar também, numa alternativa de esquerda, socialista e independente nas eleições. O programa de que precisam os trabalhadores de Salvador não pode ser construído junto com a REDE de Marina Silva.

Acreditamos que o compromisso da esquerda socialista é com a mudança real, que não virá plenamente através das eleições, e sim da luta. Contudo, perder a oportunidade de discutir uma saída classista com os trabalhadores no momento das eleições em nome de alianças que extrapolam os limites de classe é um erro, que exige reflexão para sua devida superação.

Nós do MAIS acreditamos que a esquerda socialista na nossa cidade tem a obrigação de apresentar um programa que responda ao problema do desemprego, da moradia, da mobilidade urbana, da falta de acesso a saúde e educação, que tanto afligem o povo pobre e trabalhador de Salvador. Um programa que comece por negar a Lei de Responsabilidade Fiscal que só beneficia os patrões, e ponha em seu lugar a Lei de Responsabilidade Social, que faça com que as riquezas de nossa cidade sejam usadas para mudar radicalmente pra melhor as condições de vida dos trabalhadores. Um programa que acabe com os privilégios dos políticos, que bote fim na escalada de privatização da cidade, que atire na lata do lixo o PDDU dos ricos e empresários colocando no seu lugar um plano diretor que vá ao encontro das necessidades da ampla maioria do povo. Nosso compromisso é com um programa que bata de frente com as injustiças sociais da nossa cidade, apontando uma saída classista para derrotar ACM Neto, os patrões e também a estratégia de conciliação do PT e do PcdoB.

Foto: Max Haack/ Agecom