A mordaça olímpica

Por: Isabel Fuchs, de Campinas

Desde o ano passado, com a discussão da votação dos Planos Municipais de Educação, temos acompanhado um avanço de propostas reacionárias, como é o caso da retirada do debate de gênero nas escolas, e mais recentemente o projeto Escola Sem Partido. Em nome de uma suposta neutradidade em sala de aula o projeto quer fiscalizar, proibir e coibir professores de ensinarem suas disciplinas e desenvolverem a criticidade da juventude. Mas, não é só nas escolas que querem nos amordaçar. Em tempos de Olimpíadas no nosso país, precisamos discutir também o Código de Ética do Comitê Olímpico Internacional, que é uma verdadeira mordaça olímpica.

O Código visa proibir e punir os atletas de todo o mundo de se manifestarem politicamente sobre qualquer assunto. A proibição se encontra no Artigo 1º do Código de Ética que versa sobre os princípios éticos fundamentais da entidade, como pode ser visto aqui: O respeito ao princípio de universalidade e neutralidade política do movimento olímpico. (do original: 1.2 Respect of the principle of the universality and political neutrality of the Olympic Movement;).

As manifestações políticas de atletas durante as Olimpíadas não são tão frequentes na história, mas marcaram momentos importantes, como foi o caso por exemplo em 1968, quando os atletas norte­americanos Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio na Cidade do México e ergueram os punhos cerrados, em alusão aos Panteras Negras, no meio de intensos conflitos raciais nos EUA. O resultado disso foi a expulsão dos atletas da equipe olímpica norte­americana.

No ano passado, a atleta Joanna Maranhão se posicionou no Facebook contra o projeto de lei da redução da maioridade penal e disse que não iria representar, nos jogos Pan­americanos, nenhum Cunha, Feliciano, Bolsonaro ou Malafaia. Logo após a declaração, o Comitê Olímpico Brasileiro advertiu a atleta. Curiosamente nos mesmos jogos Pan­Americanos diversos atletas brasileiros bateram continência à bandeira e a resposta do Comitê Olímpico Brasileiro foi que aqueles atos eram demonstração de respeito, portanto não poderiam ser proibidos.

Esse ano Joana Maranhão novamente é alvo de críticas, dessa vez por parte da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Após ser eliminada da prova dos 200 medley, a atleta deu diversas declarações sobre como nosso país é extremamente racista, machista e LGBTfóbico, logo após receber ataques machistas e inclusive ameaças de estupro na internet. Joanna ainda criticou a CBDA por ter não ter dado à atleta as mesmas condições que ao resto da equipe brasileira. A Confederação, ao invés de sair em sua defesa, a repreendeu através da mídia e a nadadora foi chamada para uma conversa com Ricardo de Moura, superintendente da CBDA.

Em nome da falsa neutralidade política o COI e o COB, assim como diversos outros comitês olímpicos ao redor do mundo, proíbem e punem os atletas que se manifestam contrariamente às ideias dominantes e às injustiças sociais ao redor do mundo, dentro e fora do esporte. Mas, a questão é que não há neutralidade no esporte e existe uma ideologia que determina e guia as decisões do mundo esportivo, que explica as ações e também os momentos de silêncio. Além disso, as decisões políticas mais gerais também têm interferência nos eventos do mundo do esporte.

Como não reconhecer o machismo que impera no esporte, quando há diferenças salariais gritantes entre as delegações masculinas e femininas? O que dizer sobre a delegação Palestina, que ficou dias no Brasil sem seus uniformes oficiais, porque Israel simplesmente os impediu?

Em 2014, as Olimpíadas de Inverno foram realizadas em Sochi, Rússia, no mesmo momento em que Putin aprovava uma legislação evidentemente LGBTfóbica, e o COI, mesmo sob protestos internacionais, nada disse sobre o assunto. As Olimpíadas ocorreram dentro de uma aparente normalidade, mesmo com centenas de protestos internacionais contra a realização do evento e o medo que assolava parte dos atletas LGBTs das diversas delegações, que foram inclusive orientados a respeitarem as leis russas. O Comitê Olimpíco Internacional foi conivente com a LGBTfobia quando realizou um evento olímpico na Rússia. Foi conivente com o racismo quando ordenou o Comitê Olimpíco norte­-americano ao expulsar Tommie Smith e John Carlos por terem se posicionado em 1968. O COI é conivente diariamente com o machismo quando não fiscaliza com centralidade as relações de machismo que imperam em todos os comitês olímpicos.

Mais absurdo é o silêncio do COI sobre o caso de estupro ocorrido nos últimos dias, envolvendo o boxeador Hassan Saada. Não há neutralidade nas punições desses atletas, assim como não há neutralidade na perseguição imposta à Gaviões da Fiel quando a torcida protagonizou protestos contra Alckmin, o ladrão de merendas. Não há neutralidade no esporte quando torcedores são retirados dos estádios por gritarem “Fora Temer”. Não há neutralidade quando o COB orienta Joanna Maranhão a se silenciar, por ter se levantado contra Cunhas e Felicianos e o projeto de lei que institucionaliza mais ainda o genocídio e encarceramento da juventude pobre e negra do nosso país. É preciso acabar com a mordaça olímpica imposta pelo Comitê Olímpico Internacional. Os atletas têm direito de se manifestarem politicamente.

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