Por: Professora de História*
Para quem ouviu falar recentemente no Programa Escola sem Partido, talvez o projeto possa soar como algo positivo: “afinal, não é bom que não haja partidos nas escolas? Isso não seria bom pra impedir a influência de partidos da direita também?”. Bem, é a quem pode ter pensado assim que estou direcionando este texto. Primeiramente, a resposta é: ‘Não. Tirar os debates políticos das salas de aula não é positivo, e isso não vai impedir a direita de impor suas ideias nas escolas.’ Como a necessidade de debater questões de gênero e sexualidade tem sido bem abordada pelo movimento, gostaria de expor um pouco de outros problemas dessa proposta.
O projeto é neutro? Não. Não existe imparcialidade em política, cada partido possui concepções e ideologias, e a política deveria ser um espaço de debate entre essas ideias (o que nem sempre ocorre). O projeto foi elaborado por membros de partidos da direita, portanto ele não visa simplesmente pensar a educação em nome de um Estado neutro. O Estado não é neutro, no caso do Brasil, ele é dirigido por partidos políticos que representam as ideias da burguesia (dos grandes empresários, dos latifundiários, dos banqueiros, daqueles que exploram as/os trabalhadoras/es), nesse caso, alguém poderia dizer que esses partidos foram eleitos democraticamente e por isso poderiam tomar essas decisões: dois problemas, um nosso sistema político não é de fato democrático, dois, mesmo os partidos sendo eleitos isso não pode diminuir o peso da sociedade vigiar suas ações, cobrar medidas ou ir contra elas. Assim, a questão não é só que o projeto ‘não é neutro’, o que seria impossível de esperar, mas que ele propõe implementar na educação um programa que só é de interesse da burguesia, dos ricos e poderosos. Os governos hoje já definem os conteúdos escolares. Como não existe Ciência isenta de posicionamento, também não existe currículo escolar isento de posicionamento. Existem leis, diretrizes e currículos implementados nos âmbitos federal, estadual e municipal. Por si só, isso já implica num grande engessamento da atividade docente, em que as/os professoras/es por vezes não podem elaborar seus próprios planos de aula, apenas repetir mecanicamente o que já foi estabelecido. Os conteúdos críticos que encontramos nesses currículos oficiais foram colocados lá com muita luta da categoria docente e dos movimentos sociais, como no caso da implementação do Ensino de História Indígena e Africana nos currículos de História (que em muitos lugares ainda não saiu do papel).
Mas por quê a direita quer controlar a educação? Em 2013, quem protagonizou as mobilizações foi a juventude, e em 2015, os governos ficaram apavorados com as ocupações das escolas feitas por estudantes secundaristas. Desesperados, os governantes tentaram apontar que o movimento era “manipulado pelos professores de esquerda”. Talvez as ocupações e mobilização secundarista tenha sido influenciada positivamente por algumas/ns professoras/es, o que não seria um problema, porque é importante a unidade professor-estudante-
“Todo mundo tá fazendo esse barulho porque o projeto proíbe os professores de abordar as questões de gênero e sexualidade”. Bom, se fosse “só isso”, já seria um ótimo motivo, defendemos sim a necessidade de debater questões de gênero, orientação sexual e identidade racial nas escolas, como uma das formas de combater a imensa violência que mulheres, LGBTs e negras/os sofrem. Mas o projeto generaliza a proibição das/os professoras/es abordarem QUALQUER posicionamento político, ideológico ou moral. Por isso vem sendo chamado de Lei da Mordaça, pois propõe um falso conteúdo escolar “totalmente neutro”, o que significa na realidade impor um conteúdo escolar tecnicista e acrítico. O contraditório do projeto é que para não revelar sua natureza autoritária, o Programa Escola sem partido está maquiado com uma suposta democracia, embasando-se com o argumento de que ‘a liberdade de ensinar não significa liberdade de expressão’, de modo que o projeto teoricamente não feriria a Constituição e a liberdade de expressão das/os professoras/es. A questão é que se as/os professoras/es não podem colocar suas opiniões em sala de aula, significa que elas/es não podem suscitar debates, polêmicas, e divergências de ideias.
O que queremos ao ser contra o Programa Escola sem partido
Ao invés dessa suposta neutralidade, o que precisamos é sim politizar a educação, é propiciar à juventude a chance de questionar o que aí está. Politizar significa permitir que as/os estudantes entendam o que é política, conheçam as diferentes posições políticas, entendam como funciona o sistema político atual e percebam os problemas e injustiças. Politizar a educação significa que as/os estudantes possam conhecer o mundo em que vivem e perceber a exploração e a opressão, desenvolver o senso crítico, aprender a embasar suas opiniões com argumentos, e adquirir autonomia para definir suas próprias posições políticas, fazer suas escolhas e pensar o futuro da sociedade.
Para saber mais: “O Projeto de Lei do Senado nº 193 de 2016 (PLS 193/2016), de autoria do Senador Magno Malta (PR), inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”.”
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