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Escola sem partido ou Escola sem liberdade?

Foto: Tânia Rego / Agência Brasil
Foto: Tânia Rego / Agência Brasil

Por: Professora de História*
Para quem ouviu falar recentemente no Programa Escola sem Partido, talvez o projeto possa soar como algo positivo: “afinal, não é bom que não haja partidos nas escolas? Isso não seria bom pra impedir a influência de partidos da direita também?”. Bem, é a quem pode ter pensado assim que estou direcionando este texto. Primeiramente, a resposta é: ‘Não. Tirar os debates políticos das salas de aula não é positivo, e isso não vai impedir a direita de impor suas ideias nas escolas.’ Como a necessidade de debater questões de gênero e sexualidade tem sido bem abordada pelo movimento, gostaria de expor um pouco de outros problemas dessa proposta.

O projeto é neutro? Não. Não existe imparcialidade em política, cada partido possui concepções e ideologias, e a política deveria ser um espaço de debate entre essas ideias (o que nem sempre ocorre). O projeto foi elaborado por membros de partidos da direita, portanto ele não visa simplesmente pensar a educação em nome de um Estado neutro. O Estado não é neutro, no caso do Brasil, ele é dirigido por partidos políticos que representam as ideias da burguesia (dos grandes empresários, dos latifundiários, dos banqueiros, daqueles que exploram as/os trabalhadoras/es), nesse caso, alguém poderia dizer que esses partidos foram eleitos democraticamente e por isso poderiam tomar essas decisões: dois problemas, um nosso sistema político não é de fato democrático, dois, mesmo os partidos sendo eleitos isso não pode diminuir o peso da sociedade vigiar suas ações, cobrar medidas ou ir contra elas. Assim, a questão não é só que o projeto ‘não é neutro’, o que seria impossível de esperar, mas que ele propõe implementar na educação um programa que só é de interesse da burguesia, dos ricos e poderosos. Os governos hoje já definem os conteúdos escolares. Como não existe Ciência isenta de posicionamento, também não existe currículo escolar isento de posicionamento. Existem leis, diretrizes e currículos implementados nos âmbitos federal, estadual e municipal. Por si só, isso já implica num grande engessamento da atividade docente, em que as/os professoras/es por vezes não podem elaborar seus próprios planos de aula, apenas repetir mecanicamente o que já foi estabelecido. Os conteúdos críticos que encontramos nesses currículos oficiais foram colocados lá com muita luta da categoria docente e dos movimentos sociais, como no caso da implementação do Ensino de História Indígena e Africana nos currículos de História (que em muitos lugares ainda não saiu do papel).

Mas por quê a direita quer controlar a educação? Em 2013, quem protagonizou as mobilizações foi a juventude, e em 2015, os governos ficaram apavorados com as ocupações das escolas feitas por estudantes secundaristas. Desesperados, os governantes tentaram apontar que o movimento era “manipulado pelos professores de esquerda”. Talvez as ocupações e mobilização secundarista tenha sido influenciada positivamente por algumas/ns professoras/es, o que não seria um problema, porque é importante a unidade professor-estudante-funcionário na luta pela educação; mas é inegável que a juventude estudantil se moveu porque sentiu a necessidade de lutar pelos seus direitos. A educação não é neutra, porque numa sociedade dividida em classes sociais, a educação oficial é a que a classe exploradora quer: que forme mão-de-obra qualificada, mas barata, derivando num ensino mais tecnicista e menos crítico, e principalmente uma educação alienada, ou seja, formar pessoas que não conheçam seus direitos, que não entendam nem de política nem de economia, que não saibam questionar, que não pesquisem por conta própria, que não acreditem em mudanças.

“Todo mundo tá fazendo esse barulho porque o projeto proíbe os professores de abordar as questões de gênero e sexualidade”. Bom, se fosse “só isso”, já seria um ótimo motivo, defendemos sim a necessidade de debater questões de gênero, orientação sexual e identidade racial nas escolas, como uma das formas de combater a imensa violência que mulheres, LGBTs e negras/os sofrem. Mas o projeto generaliza a proibição das/os professoras/es abordarem QUALQUER posicionamento político, ideológico ou moral. Por isso vem sendo chamado de Lei da Mordaça, pois propõe um falso conteúdo escolar “totalmente neutro”, o que significa na realidade impor um conteúdo escolar tecnicista e acrítico. O contraditório do projeto é que para não revelar sua natureza autoritária, o Programa Escola sem partido está maquiado com uma suposta democracia, embasando-se com o argumento de que ‘a liberdade de ensinar não significa liberdade de expressão’, de modo que o projeto teoricamente não feriria a Constituição e a liberdade de expressão das/os professoras/es. A questão é que  se as/os professoras/es não podem colocar suas opiniões em sala de aula, significa que elas/es não podem suscitar debates, polêmicas, e divergências de ideias.

O que queremos ao ser contra o Programa Escola sem partido

Ao invés dessa suposta neutralidade, o que precisamos é sim politizar a educação, é propiciar à juventude a chance de questionar o que aí está. Politizar significa permitir que as/os estudantes entendam o que é política, conheçam as diferentes posições políticas, entendam como funciona o sistema político atual e percebam os problemas e injustiças. Politizar a educação significa que as/os estudantes possam conhecer o mundo em que vivem e perceber a exploração e a opressão, desenvolver o senso crítico, aprender a embasar suas opiniões com argumentos, e adquirir autonomia para definir suas próprias posições políticas, fazer suas escolhas e pensar o futuro da sociedade.

Para saber mais: “O Projeto de Lei do Senado nº 193 de 2016 (PLS 193/2016), de autoria do Senador Magno Malta (PR), inclui entre as diretrizes e bases da educação nacional, de que trata a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, o “Programa Escola sem Partido”.”

* A autora preferiu não se identificar.
Marcado como:
Escola sem Partido