Por: Waldo Mermelstein
No dia 17 de julho de 1936, 80 anos atrás, os generais comandados por Francisco Franco anunciavam o golpe contra a República espanhola. Em dois dias, os trabalhadores e os camponeses o derrotaram nas principais cidades do país. Vitória que se deu apesar da falta de preparação das lideranças dos trabalhadores à época para essa hipótese que se anunciava como muito provável. A força revolucionária se impôs. De forma decidida, nas principais cidades, os trabalhadores enfrentaram e venceram os golpistas amotinados. Que, diga-se de passagem, eram muito mais e com um programa muito mais claro do que os que tentaram dar o golpe na Turquia recentemente.
A maioria da produção industrial e das regiões produtoras de trigo ficou na zona republicana. Com sua derrota, ocorreu o efeito que os fascistas mais temiam: produziu-se uma verdadeira revolução social na zona republicana. A economia e a sociedade nessas regiões, em particular em Barcelona, foram radicalmente modificadas. Fábricas, serviços e campos foram coletivizados e colocados a serviço da população. O exército regular no território republicano evaporou-se ou se uniu às milícias de operários e camponeses. Por dois meses, o verdadeiro governo na Catalunha, centro desse processo revolucionário, foi o Comitê Central das Milícias operárias e camponesas.
Preparava-se uma longa e mortífera guerra civil em que os franquistas montaram uma poderosa máquina de guerra, com o apoio material e humano das potências fascistas, Alemanha e Itália.
Circunscrevendo o debate somente a esse período inicial, cabe a pergunta: poderia ter sido distinta a história daquela que foi a principal revolução operária e socialista do século XX na Europa após a revolução russa? Poderia ter sido ainda mais decisiva essa vitória inicial?
Sabemos que em história essa demonstração é não mais do que um exercício de pensamento, pois é impossível de provar. E não se pode cair tampouco nas tentações primárias de fazer essas considerações fora do contexto real da correlação de forças entre as classes, do caráter de suas direções, etc.
Atrevemo-nos, no entanto, a entrar cuidadosa e rapidamente por este sinuoso e incerto caminho, tomando um tema crucial: a solidez dos exércitos franquistas.
Primeiro: se a derrota do golpe não foi ainda maior, deveu-se à hesitação nas filas da resistência, inclusive à credulidade dos dirigentes dos trabalhadores. Em Oviedo, por exemplo, capital das Astúrias, região mineira de grande combatividade, que caiu toda em mãos dos republicanos, o general Aranda declarou-se republicano no dia 17 e as colunas mineiras armadas se dirigiram a outras regiões deixando a cidade desguarnecida. No dia 19, o ardiloso general se levanta em apoio aos franquistas e conquista a cidade.
Segundo: no início da guerra civil, a ponta de lança dos exércitos de Franco eram os soldados fornecidos pelas tribos do Marrocos Espanhol. Contatos foram feitos com os nacionalistas daquela colônia espanhola. Um trotskista francês, David Rousset, conta como, no mês de agosto, em Fez, no Marrocos, reuniu-se com o Comitê de Ação Nacionalista, organismo unificado dos nacionalistas marroquinos. Chegaram a um acordo, em que os nacionalistas iniciariam um levante armado pela independência do Marrocos espanhol – sem questionar de momento a parte francesa do território para não enfrentar diretamente os franceses, sendo que a República apoiaria a independência, o que seria um golpe frontal contra a própria retaguarda franquista. Levados a Barcelona, houve acordo em geral com a Generalitat (o governo catalão no poder efetivo após a dissolução do Comitê Central das Milícias) e foram a Madrid, onde o governo do socialista de “esquerda” Largo Caballero não ousou seguir com os planos, pois isso contrariaria os supostos aliados franceses e ingleses. (Saiba mais aqui)
Some-se a isso o fato de que a esquadra de guerra espanhola tinha caído em sua maioria nas mãos dos marinheiros revolucionários, mas por uma decisão do governo da República, temeroso também da opinião de ingleses e franceses, não foi utilizada para impedir o transporte das tropas marroquinas no início da rebelião, quando ainda não estava consolidado o golpe e eram vitais para os fascistas.
Esses são apenas alguns poucos exemplos de como em um processo revolucionário não há resultados definidos de antemão e é o curso dos acontecimentos, a decisão (ou indecisão) dos dois bandos que pode significar uma vantagem decisiva. Não foi o único momento em que a história poderia ter sido distinta durante a revolução espanhola, mas isso excede os limites deste artigo.
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