Por: Silvia Ferraro
A semana teve um gosto de vitória. O ouro de Rafaela nos emocionou. Não era qualquer medalha, era a primeira medalha de ouro, recebida por uma mulher, negra, lésbica e nascida e criada na Cidade de Deus, comunidade no Rio de Janeiro.
Mas o ouro de Rafaela revela o que é o Brasil, tanto pela regra, quanto pela exceção. Rafaela faz parte da maioria. A maioria da população brasileira que é negra, que vive em famílias com até dois salários mínimos, que mora nas periferias das grandes cidades, e que é mulher.
A regra é que esta população mal tem chance de concluir os estudos. Aos 25 anos, metade da população ainda não terminou o ensino fundamental. E estes jovens vão ter mais que o dobro de chance de ficarem desempregados, pois o desemprego entre os jovens entre 18 a 24 anos é o mais alto.
Rafaela emocionou o Brasil por representar esta maioria e, ao mesmo tempo, ter sido exceção à regra. A menina que começou a praticar judô aos cinco anos e que nem Kimono tinha, que vivia em um dos bairros com o índice de desenvolvimento humano mais baixo do Rio de Janeiro, conseguiu o que a maioria das Rafaelas, Marias, Pedros, Joanas e um cem números de nomes de crianças e jovens, talvez, tão ou mais talentosos que Rafaela, jamais conseguirão: participar de uma Olimpíada e ainda por cima ganhar uma medalha de ouro.
Um país que investe apenas 4% em educação e gasta dez vezes mais (43%) em pagamentos da dívida. Um país em que 65,5% das escolas não possuem sequer quadra de esportes, e das quadras existentes, apenas 42,6% são cobertas. Um país em que os direitos mínimos trabalhistas e previdenciários são a todo momento aviltados, e que menos da metade dos trabalhadores têm a carteira assinada. Em um país como esse, o ouro de Rafaela surge como excepcionalidade.
Mas a medalha de Rafaela poderia ser a regra, se o Brasil não fosse um país governado para o 1% mais rico. Aos oito anos, Rafaela começou a praticar judô em uma ONG, o Instituto Reação, que por sinal é financiado por empresas que devem pertencer a este 1% mais rico: IBM, Vale do Rio Doce, Qualicorp, Sportv e outras. Escolas públicas propositalmente sucateadas, geram ONGs minimamente estruturadas.
Não há investimentos públicos massivos em educação, o que há são auxílios de bolsas para atletas com potencial para ganhar medalhas. Rafaela foi uma destas bolsistas. Uma das atletas beneficiárias pelo programa “Bolsa-Pódio”. Um dos tantos programas de bolsas criados pelos governos do PT, que perseguem resultados focalizados em troca de abandonar a universalização dos investimentos em serviços públicos.
Rafaela conseguiu furar o bloqueio, com a ajuda de uma ONG, com o auxílio de políticas focalizadas. Ela espelha o que a maioria gostaria de ser: a garotada da Cidade de Deus agora quer virar judoca como Rafaela, estão improvisando tatames nas ruas, em meio aos tiroteios entre o tráfico e a “polícia pacificadora”. Quantas irão conseguir?
Talvez com o governo Temer fique mais difícil termos algumas Rafaelas. O que vem por aí é um Brasil mais excludente. A PEC 241 vai diminuir os investimentos em educação e saúde e, junto com ela, tantas outras reformas privatizantes.
Mas as Olimpíadas com protestos de Fora Temer nas arquibancadas, com jogadoras lésbicas assumidas fazendo declaração de amor e com negras e periféricas ganhando medalhas de ouro, pode ser o sinal de que o Brasil da maioria quer que a exceção vire a regra, e que se torne o país de muitas Rafaelas.
Foto: Roberto Castro/ Brasil2016
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