Francisco da Silva |
O estudo deste tomo está concentrado principalmente na Resistência à “Revolução Libertadora” (nome que o próprio regime dava ao golpe militar pró EUA na Argentina) e a intervenção de nossa corrente na reorganização do movimento operário. “A Resistência” por outro lado é o nome de como os opositores ao golpe a ao regime militar ficaram conhecidos.
Diferente do estudo do tomo anterior, neste tomo procuraremos ser mais breves para que o artigo seja mais atraente. Esta opção, porém, faz com que abandonemos a minúcia e os detalhes e nos concentremos nos fatos e fenômenos principais.
PALABRA OBRERA E A RESISTÊNCIA (1955 – 1959) – TOMO 2
Em setembro de 1955 ocorre um golpe militar pró EUA na Argentina que depõe Perón. Este golpe se insere numa contra ofensiva global do imperialismo a partir das revoluções coloniais e políticas que ocorriam no mundo e que a nível continental tinham vários sinais: o esvaziamento da revolução boliviana; A deposição do presidente da Guatemala que tinha tentado reduzir a dependência econômica em relação aos EUA; O curso “moderado” dos governos nacionalistas no Brasil, Chile e Equador. Etc.
O golpe de 1955 que depôs Perón se articulava através de uma frente promovida pelo imperialismo norte americano e a Igreja. Este movimento que foi executado pelas forças armadas, tinha o apoio da ampla maioria da burguesia e da classe média. Considerando que essa frente era abertamente pró imperialista e anti classe trabalhadora, havia pelo menos duas alas principais disputando: um setor da burguesia “nacionalista” que via como inevitável a entrada da Argentina na órbita do imperialismo yanqui, mas queria negociar algumas condições. E a ala “liberal” ligado aos setores financeiros claramente pró yanqui. Dessa divisão decorre certa instabilidade na parte “de cima” do regime. No campo da oposição burguesa ao regime militar havia uma frente em formação entre os setores prejudicados pela colonização yanqui que se apoiava na pequena burguesia urbana. Arturo Frondizi era a principal voz desse setor (voltaremos à ele no futuro). O peronismo por sua vez logo depois do golpe na figura do próprio Perón e dos líderes da CGT procuraram apaziguar os ânimos e construir uma saída negociada. A classe trabalhadora não.
A corrente morenista frente ao golpe militar contra o peronismo em 1955
Desde antes do golpe o POR já desenvolvia uma opinião de que estava se alterando a relação de forças entre as classes no continente e postulando uma estratégia de lutar contra a dominação imperialista na região. Coerente com essa análise e prognóstico
“Produzido o golpe, num primeiro momento defendemos a ação comum com o conjunto do movimento peronista, numa frente única antiimperialista de fato contra a colonização do país e a ofensiva patronal. Assim foi que nos opusemos ao regime ‘libertador’ e o ‘gorilismo’ no terreno político geral, e aos seus agentes —os ‘sindicalistas livres’— no plano sindical. Mas, a recém a Resistência colocava-se em marcha, a direção peronista —tanto política como sindical— demostrou que somente se propunha a chantagear o regime com lutas e a ação dos ‘comandos’. Confiava sua saída à um golpe militar de um setor ‘nacionalista’ das Forças Armadas, deixando os trabalhadores a resistir como pudéssem. Isto levou a que nosso partido centrasse sua atividade em impulsionar a formação de agrupamentos sindicais ‘antilivres’, coincidindo com o que era a tendência que expressavam as bases operárias na sua ação”[1].
Uma vez que a ditadura tinha como estratégia (para colonizar o país a serviço dos EUA) esmagar as organizações dos trabalhadores e para isso começou a prender muitos dirigentes sindicais e intervir nos sindicatos, o documento escrito por Moreno “E depois de Perón, o que?” desenvolvia a necessidade de reorganizar o movimento operário como condição para lutar contra a ofensiva patronal imperialista. E como parte de reorganizar o movimento operário, organizar uma grande frente anti imperialista com todos os setores:
“Temos que unir ao redor do movimento sindical a todos os que se opõem à colonização yanqui e ao seu plano político; temos que desenvolver todo choque de uma personalidade ou instituição com o imperialismo para que se transforme em uma firme oposição antiimperialista. Para que a frente seja sólida é preciso que todas as organizações que o formem tenham absoluta independência política para criticar a quem queiram, e além disso a frente deverá estruturar-se em base a objetivos claros e precisos. Hoje em dia por exemplo, temos que propor essa frente a todas as personalidades e organizações que de uma ou outra forma tem criticado os pactos firmados com os yanquis”[2].
O POR frente ao golpe ainda levantava uma campanha pela legalidade do peronismo e do próprio general Perón. E para levantar esta campanha levava em consideração dois íntimos fatores: que o peronismo havia sido deposto antes que o movimento operário completasse sua experiência com ele; e que por maiores que fossem as críticas à Perón, era uma questão de princípio reconhecer o direito a atuar em completa liberdade, e inclusive voltar ao governo, se a maior parte da classe trabalhadora o apoiava, por mais que Perón e o peronismo era essencialmente patronal, era essencialmente um partido burguês.[3]
“Por isso chamávamos a frente única de todas as organizações operárias antiimperialistas para lutar pela legalidade do partido peronista, demostrando assim a sua mesma base a importância das liberdades democráticas que, por sua parte, o peronismo havia cerceado quando estava no governo. Ademais, a mera possibilidade de regresso de Perón neste período era um revulsivo político que intranquilizava profundamente a burguesia, alentando o ódio popular contra o regime ‘gorila’”[4].
A classe operária queria lutar. Estava enfurecida pelos ataques patronais e do governo ao seu nível de vida e também pela profunda restrição às liberdades democráticas. Como prova disso, em 1956 ocorreu uma histórica greve de 40 dias dos metalúrgicos. Essa greve mostrava a grande disposição de luta e o potencial duma nova camada de ativistas que lutaram contra as direções burocráticas. O jornal Unidade Operária da corrente morenista foi um marco nesse processo e a própria corrente teve um papel destacado nessa luta. Na opinião de Gonzáles, por mais que esta luta tenha sido derrotada pelo governo, ela animou o surgimento de uma nova vanguarda classista no seio do movimento operário.
A reorganização do movimento operário e as agrupações sindicais anti livres
Segundo Gonzáles, “na segunda metade de 1957, a Argentina entrou numa situação pré revolucionária. Sua característica principal foi a recuperação das lutas e do nível de organização dos trabalhadores. Nossa corrente teve presença notória neste processo através do Movimento de Agrupações Operárias (MAO) e Palavra Operária.”[5]
Após quase dois anos de ditadura, havia ficado evidente para o novo regime que não poderiam liquidar pela força a influência do peronismo nos sindicatos. E se por um lado mantiveram a linha repressiva, por outro começaram a utilizar outra estratégia: disputar e dividir o movimento dos trabalhadores. Assim nasceu a ideia de “normalização” dos sindicatos com o chamado às eleições. A ditadura utilizou do seu aparato e das intervenções nas principais organizações para animar uma corrente “livre” – como ficaram conhecidos aqueles que defendiam ou ao menos colaboravam com o governo gorila. Contraditoriamente, o decreto chamando a eleições fechou a etapa de clandestinidade total e os morenistas decidiram aproveitá-la[6] levantando a necessidade de criar novas direções, democráticas e combativas, frente aos “livres” e também à setores da burocracia peronista[7].
Nesse contexto começou um processo de reorganização do movimento operário que resultaria num movimento de agrupações sindicais de base formados pelas comissões internas das fábricas dispostos a lutar contra o governo e a patronal disputando as eleições sindicais. Em que pese Perón e a cúpula dirigente peronista jamais incentivou tal formação, elas se formaram e eram em sua maioria peronistas.
Seguindo com a estratégia de formar uma tendência sindical classista, a partir da vanguarda surgida na histórica greve metalúrgica de 40 dias com importante influência dos trotskistas, os morenistas impulsionaram a Lista Verde metalúrgica. Segundo nosso jornal da época[8], Unidad Obrera, o critério dessa frente era ser anti patronal, anti livre e querer lutar. Nas eleições de junho de 1957, a Lista Verde ficou em segundo numa das 3 principais seções. A ditadura porém não permitiu que assumisse como minoria (critério de proporcionalidade imposto por ela mesma quando do início das intervenções).
Unidad Obrera frente a Constituinte
Gonzáles defende que “Paralelamente ao avanço da reorganização expressada nas eleições sindicais, vinha se produzindo uma série de reacomodamentos no país a partir do lançamento do Plano Político do governo. Este se concretizou no chamado à eleições de convenções constituintes para o mês de julho de 1957, e a eleições gerais de autoridades para fevereiro de 1958, o que terminou de definir as alianças dos setores burgueses”[9].
Frente à Constituinte os setores “anti livres” se dividiram em abstencionistas, que não queriam participar[10] “legitimando” esta fraude já que o maior partido da oposição e seu líder Perón estavam proscritos, e os concorrencistas que queriam concorrer. Os morenistas queriam concorrer para não facilitar a vida da ditadura e, aproveitando essa brecha democrática, lutar por liberdades democráticas e pela independência política da classe operária. E com isso começaram a lutar por uma linha de “Frente Operária que levasse candidatos próprios[11]”.
Coerente com essa tarefa, se “Propunham a iniciar conversações com todas as comissões de fábricas que lutavam contra os ‘livres’ e, colocando-se de acordo para organizar a maior quantidade de companheiros possíveis, formar ‘comitês de enlace’. Considerávamos, como um princípio de programa, que a Frente Operária devia incorporar a todas as correntes e ativistas que estivessem de acordo com recuperar os sindicatos, obter a legalidade de todos os partidos políticos e deter o plano yanqui de colonização da Argentina[12]”
O sexto congresso do partido ajusta a orientação
Em junho de 1957 aconteceu o sexto congresso desde a fundação do POR em 1948. Após reafirmar a tarefa histórica de elevar a uma política operária revolucionária os ativistas sindicais classistas, o congresso afirmava[13]
“[nossa orientação principal estava dada] pela necessidade de que o partido tenha uma tática e uma política para lograr uma frente única sindical-política geral operária revolucionária com as correntes sindicais de classe. É um fato que há ativistas e tendências sindicais que tem ou esboçam posições de classe frente aos problemas do país e da classe operária. Se trata de elevar do plano sindical ao político numa frente única revolucionária de classe (…) seja ou não um fenômeno geral, se impõe que nosso partido organize ou eleve ao plano da atividade política esses ativistas e tendências sindicais. Esta será a única forma de lograr uma ponte de grande eficácia entre a classe operária e nossa política (…) [enfim lutar para] elevar os ativistas operários peronistas a uma atividade política sindical e que eles desenvolvessem uma ação política independente revolucionária”.
Criação do Movimento de Agrupações Operárias (MAO) e entrismo no peronismo
A nova orientação votada no congresso do POR se concretizou na criação do MAO. Assim o bureau político do partido o caracterizava[14]
“O MAO começou sendo um acordo revolucionário entre duas correntes: os militantes trotskistas e os ativistas próximos a nós que surgiram na luta contra a ditadura e as eleições (sindicais) contra os gorilas”.
Vejamos a opinião de Gonzáles sobre o que era o MAO[15]
“Em meados de 1957, a partir das agrupações metalúrgicas, se gestou esse acordo, constituindo-se uma organização de frente única entre nosso partido e uma parte do ativismo operário peronista. A mesa de direção provisória inicial do MAO estava formada por 3 peronistas (…) e 2 trotskistas (…) O partido qualifica o MAO nesse momento como organização ‘centrista revolucionária’. Não se podia defini-la como revolucionaria já que não adotava o programa trotskista em toda a linha. Mas tampouco era uma organização centrista no sentido estrito da palavra já que não capitulava nem à patronal nem às direções burocráticas e seus aparatos, senão que pelo contrário todo seu programa e ação era de luta intransigente contra elas. O MAO era proposto como uma ‘ponte’ para superar a atrasada consciência política da vanguarda operária (que seguia dentro das filas peronistas), que era a necessidade mais imediata na luta pela independência política de classe, e a formação de uma direção revolucionaria. Daí essa qualificação que marcava seu caráter contraditório e dinâmico”.
“Como ‘órgão do MAO’ em julho de 1957 começamos a publicar um novo semanário, Palabra Obrera, que daria nome à toda uma etapa de nossa história partidária (…) Dentro do MAO os trotskistas constituíam uma fração que na documentação interna ás vezes era chamada ‘ex PSRN’, mas muitas outras ‘Partido Operário Revolucionário’ (POR). A fração ‘ex PSRN’ ou ‘POR’ mantinha sua estrutura e organismos de direção (bureau político e Comitê Central), as relações com o Comité Internacional da Quarta Internacional, o trabalho latinoamericano do trotskismo através do SLATO e a publicação de seus boletins”[16]
Pelo que diz Gonzáles, o POR levantava 3 hipóteses de desenvolvimento do MAO[17]:
“A primeira era que existisse uma importante camada de ativistas sindicais de classe. Assim o MAO iria se ampliando e não perderia seu caráter “centrista revolucionário” por bastante tempo. Se isso ocorre poderia se dar uma segunda hipótese, de que sob grande êxito o MAO começasse a se cercar de importantes setores burocráticos que buscariam no MAO a oportunidade de uma ação política independente em função de seu próprios objetivos, burocráticos e pro patronais. Se fosse assim o MAO se transformaria numa “frente política de classe” mas deixaria de ser uma tendência classista. A terceira hipótese era de que não existisse uma importante e numerosa camada de ativistas e que o MAO seria apenas mais uma etapa intermediária na nossa organização, justificada porque os ativistas, mesmo que pequenos em número, seriam muito mais numerosos e com ligações na classe que o próprio POR. Para o CC todas as variantes eram progressivas e seja qual fosse o desenvolvimento do MAO, isto dependia muito mais do ascenso do movimento operário do que alguma habilidade tática da corrente”.
Dois meses depois o CC faz um primeiro balanço afirmando que estava se dando a 3ª variante[18]:
“[o partido dizia que das 3 alternativas possíveis o MAO devia explorar a] que é e não a que pode ser (…) Esse acordo de classe revolucionário deve ser ampliado e desenvolvido ao máximo. Desenvolvê-lo ao máximo significa fazer toda classe de concessões formais, mas não de conteúdo. Concessões formais, frases, slogans, etc. O que caracteriza o conteúdo de uma tendência revolucionária operária é a reivindicação de que somente a ação revolucionária da classe operária pode solucionar os problemas do país e da classe operária. Se o MAO se desenvolve sobre essa base, toda concessão é lícita”
O entrismo no peronismo
De acordo com Gonzáles[19]
“Como é possível apreciar, com o MAO o partido tentava criar uma frente única revolucionária com a vanguarda de operários peronistas, uma corrente política classista e revolucionária. A realidade da luta de classes levou, quase imediatamente, a ajustar a orientação, iniciando uma tática diretamente entrista nas organizações operárias do peronismo. Palabra Obrera, que desde o começo falou como parte do ativismo das agrupações sindicais, começou a considerar-se parte do movimento peronista. (…) O que quero destacar é que desde a criação do MAO, nos consideramos parte do movimento peronista, independentes, mas parte do movimento. Que quero dizer com isto? Que nosso entrismo não se concretizou quando fomos reconhecidos oficialmente pela direção peronista, ou quando nós decidimos expressamente ser a fração trotskista dentro do peronismo. E mais, chegou um momento que nosso periódico saía com a legenda ‘Palabra Obrera, sob a disciplina do General Perón’ (…) O resto do peronismo, falo de seus distintos dirigentes e setores, também nos reconheciam assim (…) O próprio Cooke[20], quando escreveu à Perón (em 28 de agosto de 1957), lhe disse que Palabra Obrera era o ‘semanário operário de mais garra e com declarações de fé peronista’”.
Naquela época os militantes do POR iam aos domingos pela manhã vender jornais nos bairros operários. Lembremos que ainda vigorava a ditadura e havia um decreto que impedia que se fizesse menção à Perón e seu partido. Mesmo assim, os morenistas passavam em frente às casas gritando “Perón, Perón” como forma de oferecer o jornal[21].
O surgimento das 62 organizações
A ditadura argentina seguia com uma estratégia de dividir o movimento operário. Este, por outro lado, estava – conforme Gonzáles[22] – se reanimando e voltando a lutar e se organizar. A ditadura tentou enfrentar a oposição peronista chamando um congresso “normalizador” para a CGT de forma a que esta fosse dirigida pelos “livres” (pró ditadura). Foi sob esta batalha que surgiu o movimento das 62 organizações. Após dias de discussão sobre o credenciamento dos delegados e acusações de fraude nos delegados “livres”, estes deixaram o congresso. O congresso era dirigido por um interventor da ditadura e na verdade uma vez que os militares viram que o movimento operário ia retomar a CGT, incentivaram os “libres” a romper[23].
Os “livres” romperam com 11 grêmios e nos dias seguintes se somaram outros formando 32 organizações que se auto intitulavam “grêmios democráticos”. Do outro lado, 56 grêmios que não haviam se retirado começaram os trabalhos do congresso. Nas próximas semanas se juntaram mais 6 e daí se formou o movimento das 62 organizações.[24]
De acordo com Gonzáles[25]
“Com elas surgia uma nova direção centralizada e a nível nacional do movimento operário. Nas 62 se nucleavam os principais grêmios industriais —UOM (metalúrgicos), têxteis, carne, alimentação —, da energia —petroleiros do Estado, Luz e Força — e de alguns serviços básicos — portuários (SUPA), motoristas de ônibus e bondes (UTA), os telefônicos (FOETRA), telegrafistas—. As 62 eram ademais a direção de todas as agrupações sindicais ‘antilivres’, incluídas as que correspondiam a sindicatos enrolados nos ‘32’” (…) “a luta de classes havia retomado o curso das greves e paralisações gerais e sua direção indiscutida eram as 62 organizações[26]”
Gonzáles citando[27] algum texto ou documento que não conseguimos identificar diz que
“Na direção das ’62’ coexistiam duas camadas de dirigentes: os que haviam se destacado e surgido na Resistencia […] e os ‘elefantes brancos’ do sindicalismo, os dirigentes anteriores a 1955 que mantinham seu prestígio […] Esta era a ala vacilante de Vandor (…) fiéis aos métodos de negociação e à burocracia, por mais que a pressão da base os levou muitas vezes a coincidir com os setores classistas, conformando de conjunto o setor ‘duro’ do sindicalismo, em oposição aos ‘brandos’ capitaneados por [Manuel] Camilas [UTA]”.
No próximo período as 62 Organizações cumpririam um papel protagonista na luta da classe trabalhadora. As 62 ajudaram a animar e coordenar um exitoso paro nacional que arrastou até as bases das 32 organizações “livres” e uma onda de greves que iniciando pelos profissionais telefônicos percorria as categorias e começava a dividir o movimento estudantil arrancando um setor para as 62. Foi nesse contexto que se abriu segundo Gonzáles uma crise no governo central. Esta crise já estava se gestando a partir de uma profunda divisão da burguesia fruto da situação econômica e o deterioramento crescente das relações da economia burguesa nacional com o imperialismo resultado do avanço da colonização. Mais pra frente as 62 organizariam inclusive uma greve geral de 48h.
A opinião do partido era de que se havia entrado numa situação pré revolucionária
“É indubitável que entramos numa nova etapa da luta de classes no país. Superada a reorganização do movimento operário, mesmo que com tremendas debilidades, este se encaminha a uma batalha de conjunto contra quem considera, neste caso, seu inimigo imediato, direto: o governo gorila. Este, por sua parte, compreendendo que seu inimigo jurado levanta a cabeça e o perigo que se abre sobre seu futuro, se prepara a conjurar o perigo com diferentes planos (…) Este ascenso do movimento operário, esta contraofensiva que se inicia de forma impetuosa, encontra a um governo e a uma classe exploradora que se debilitam dia a dia, desgarrados por terríveis contradições[28]”.
Na opinião de Gonzáles[29]
“Em que pese a sua crise, a direção burguesa e o governo —pelo apoio objetivo do imperialismo e o peso da tradição— seguia sendo muito superior à direção do movimento operário, inexperiente e ligada por mil laços à burocracia sindical anterior. Essa tremenda vantagem que a classe operária dava ao governo, colocava ao partido a possibilidade de que a crise tivesse 3 saídas. A primeira era que o governo, considerando inevitável a batalha de conjunto, trataria de provocá-la o mais pronto possível para esmagar o movimento operário. A segunda, que o governo conseguisse melar a combatividade da classe operária por meio de conflitos isolados e a derrotasse evitando um enfrentamento de conjunto, desviando ao campo eleitoral ou parlamentar todos problemas importantes. E a terceira era que, pela covardia das direções sindicais e a pressão da base, bem como a debilidade que sentia o governo, se abrisse toda uma série de conflitos parciais, gremiais, sem solução de continuidade, que acelerassem enormemente o aprendizado da nova direção sindical e da vanguarda operária, postergando por 2 ou 3 meses a batalha de conjunto”.
Palavra Operária e as eleições de 1958
Em outubro de 1957 ocorreu uma greve geral de 48h. Seis milhões de trabalhadores cruzaram os braços. Parou 80% da indústria de Buenos Aires e Grande Buenos Aires. Esta ação massiva do proletariado acentuou a crise do regime e o obrigou a caminhar para uma saída eleitoral fraudulenta[30]. Desde antes o governo já estava ventilando essa saída com os setores burgueses e até com alas do peronismo para caso as coisas fugissem do controle. O partido analisou que a greve geral de 48h abria a possibilidade de uma insurreição contra a ditadura militar, mas que foi desperdiçada pela direção peronista que na verdade atuou para acalmar e desorientar a classe operária chamando o apoio em Frondizi nas eleições de 1958. Na opinião de Gonzáles[31], com isso se abriu uma nova etapa de tréguas e negociações que culminou na derrota da greve geral de janeiro de 1959.
Coerente com a estratégia de derrotar o movimento operário, o governo atuou para dividir o peronismo e o movimento operário nas eleições de 1958. Assim sustentou uma linha de permissão aos “peronistas sem Perón” e portanto alentou a divisão entre os que queriam concorrer e os que queriam se abster. Segundo Gonzáles[32]
“Palavra Operária denunciou a fraudulenta convocatória feita pela ditadura, afirmando que tudo seria ilegal sem a legalidade para o partido majoritário e seus dirigentes, e propunha aos trabalhadores que seguissem atuando como um bloco sem fissuras ante a nova manobra que se preparava. Com esse fim, nosso partido lançou uma campanha de unidade frente ao inimigo fundamental, o imperialismo e seus agentes nacionais. Não esqueçamos que nesse momento atuávamos dentro do peronismo, que considerávamos um movimento burguês nacionalista, fundamentalmente antiyanqui. Daí que nossa política de unidade foi dirigida especialmente à fortalecer a organização e mobilização dos trabalhadores peronistas”
A opinião pública do partido era de que se o governo conseguisse dividir o movimento entre concorrencistas e abstencionistas mais uma etapa do plano imperialista para vencer o movimento operário estava cumprida. Frente ao perigo iminente dessa divisão não importava se íamos concorrer ou se abster e sim a unidade. Então o partido iniciou uma campanha por um “Cabilde[33] Aberto Popular Operário” para que se averiguasse qual era a posição majoritária e que todos aplicassem a mesma linha como forma de evitar a divisão.
Um dos principais políticos do partido peronista chamado Alejandro Leloir aceitou a campanha do MAO, mas já adiantou que era favorável a concorrer. Dele o MAO conseguiu um acordo de que uma vez que ele estava decidido a concorrer, caso o peronismo concorresse, que 60% das candidaturas fossem operárias constituídas pelo Bloco Operário (nome pelo qual o peronismo havia começado a se organizar dentro das 62 e que tinha os peronistas como sólida direção). O partido achava[34] que este era um bom acordo porque impedia a divisão; evitava que a direção caísse nas mãos do setor mais conciliador com a oligarquia; e porque permitia aproveitar as eleições para organizar as forças do movimento operário politicamente utilizando o aprendido no terreno sindical. E portanto tinha a opinião[35] de que “o Dr Leloir e o Bloco Operário devem organizar uma frente de ação comum para enfrentar as eleições. Nós opinamos que essa frente deve ser programada, controlada e dirigida pelo Bloco”
O próximo passo do partido foi solicitar a entrada no Bloco Operário
“O MAO e Palavra Operária que desde o princípio se alinhou junto às 62 agrupações e dentro delas junto ao Bloco, mas expressando sempre seus próprios pontos de vista (…) [vem] solicitar um posto de luta dentro do Bloco Operário que representa indiscutivelmente a maioria da classe trabalhadora. Nossa trajetória de luta junto ao povo proscrito contra os massacradores de 16 de junho; nossa prédica em favor do voto em branco, nossa campanha pela legalidade do partido majoritário e seu líder; nosso apoio às vitoriosas greves de 24 e 48 horas; nosso pedido de preparação do grande enfrentamento definitivo com o governo; e nossos destacados esforços, agora, para que não se divida o movimento majoritário, e em especial o Bloco Operário, são depoimentos que respaldam nosso pedido de ingresso dentro do Bloco Operário, e se foram poucos os antecedentes, nosso diretor está preso faz 3 meses acusado de violar o célebre decreto 4161 e o de levar nosso periódico à cifra recorde de 10 sequestros consecutivos”.
Frente a intransigência do governo, Leloir e seu grupo mudaram de ideia e chamaram o voto em branco. Ainda assim, o MAO acreditava que o melhor era ter participado para causar mais problemas para o governo. Mas aceitou a decisão para preservar a unidade do movimento. E levantou as próximas tarefas[36]: conseguida a unidade do movimento proscrito e das agrupações operárias é hora de por em pé de guerra o peronismo numa grande campanha nacional pelo voto em branco que seja dirigida e controlada pelo Bloco, que inegavelmente representa a classe. Entre os slogans, o Palavra Operária levantou “nenhum voto em Frondizi! Frondizi não dará legalidade à Perón!” Na opinião de Gonzáles[37]
“Palavra Operária sabia que a direção peronista havia deixado passar uma situação pré insurreccional depois dos exitosos paros de outubro de 1957, o que permitiu a reação do ‘gorilato’. Mas não descartava que voltasse a se repetir uma situação parecida. Por isso insistia tanto na unidade do movimento peronista, e fundamentalmente na unidade da classe operária, e no desenvolvimento de uma nova direção”.
Então veio a ordem de Perón para votar em Frondizi[38]. Isso desconcertou o movimento peronista, foi como um balde de água fria no movimento operário. A campanha pelo voto em branco já estava em curso e com a ordem houve uma confusão generalizada. O movimento peronista acatou e por fim o MAO também. Palavra Operária estampou[39] “Acatemos a ordem de votar em Frondizi, mas criticamente para salvar a unidade do movimento, do Bloco Operário e das agrupações”. Gonzáles citava ainda quão difícil foi convencer as bases de seguir a ordem de Perón. Tanto que em Rosario foi necessário 10 sessões antes de acatar essa ordem. O editorial do Palavra Operária dizia que[40]
“Ainda que critiquemos os procedimentos que mudam a posição em que estava de ‘coração’ toda a classe trabalhadora e nós portanto, dissemos: acatemos a ordem de votar em Frondizi mas sem nenhuma confiança que vá solucionar nada. Frondizi somente legalizará o que fez a ‘Libertadora’”.
Em 1958 Frondizi foi eleito derrotando o candidato do governo provisório e com o apoio entusiástico do PC. Segundo o Palavra Operária[41] Frondizi representava a oligarquia industrial e grandes setores da classe média e que portanto não defendia os interesses do país, nem os da democracia, nem os do movimento popular e operário. Gonzáles citando um trabalho de Alejandro Dabat dizia que o partido de Frondizi era o verdadeiro partido da colonização ianqui[42].
Primeira análise do Frondizismo e uma reorientação das tarefas
A partir de toda uma avaliação do período anterior e do período que se abria os membros do MAO concluíram que
“Dentro das duas tarefas lançadas para a etapa, isto é a estruturação de uma corrente sindical classista e a independência dos trabalhadores, agora, pelas necessidades colocadas pela situação, se impunha uma ênfase expressamente na construção de uma corrente revolucionaria, trotskista, dentro do peronismo”[43].
Importa saber que a opinião da corrente na época era que a situação estava caracterizada por muita instabilidade e havia risco de um Golpe de Estado. E que nessas condições Frondizi sempre apelaria para a colaboração do movimento operário (postergando suas exigências) para evitar sua queda[44].
Frente a isso as 62 organizações estavam elaborando um programa que resultasse numa trégua[45]. Os morenistas defenderam que se fizesse uma trégua ao governo, mas com condições. A condição era que o governo fizesse um reconhecimento público das questões colocadas pelas 62 (mais tarde o partido faria uma avaliação crítica de sua posição de trégua de maio à agosto[46]). E também diziam que era necessário aproveitar a trégua para recuperar e fortalecer o movimento operário pois no último período o movimento operário havia obtido duas conquistas históricas que não se podia perder: o surgimento das 62 e dentro delas o Bloco Operário; e a aparição de numerosos agrupamentos que disputavam com os “livres” e os stalinistas a direção dos sindicatos[47].
Pouco tempo depois frente ao deterioramento no nível de vida, condições de emprego e trabalho, Palavra Operária clamou por um dia de “Paralisação Nacional porque Frondizi não é Perón”[48]. E depois reclamou das 62 organizações “Basta de negociar! Preparemos a paralisação já!”.
Quando parte da direção das 62 colocou a necessidade de uma greve de 24h no dia 17 de outubro, Palavra Operária respondeu negativamente dizendo[49]:
“é muito mais simpático votar pela greve; mas também somos fieis à consigna de que devemos dar a batalha com as armas e no momento que mais convenha ao movimento. Por isso repetimos: se ademais de recordar Perón, queremos que ele volte, utilizemos o 17 para lançar a todos os peronistas a preparar a greve de 48 horas, fortalecendo assim a luta efetiva pelo regresso do General Perón. Recordemos a Perón com atos massivos, enquanto preparamos seu regresso construindo uma nova greve de 48 horas”.
E finalmente quando a direção das 62 vacila completamente frente aos ataques do governo e chega a revogar o chamado que havia feito para uma greve de 48h passando por cima da decisão da maioria num plenário das 62, a nossa corrente sobe o tom e afirma que[50] essa direção já não reflete o real ânimo das bases e que era necessário trocar a Mesa Coordenadora, não menos que 70% de seus membros. E substituí-la por membros do interior, mais próximos dos problemas da fome e mais distantes da influência dos ministros compreensíveis. Essa era a opinião das bases que começavam a expressar bronca e crítica à mesa coordenadora. E logo adiante Palavra Operária segue acentuando suas críticas[51]:
“O movimento operário tem vivido as últimas semanas de sobressalto em sobressalto. Plenário que declara a greve de 48 horas. Estado de sítio. Greve petroleira. Greve ferroviária. Mobilização militar aplicada inexoravelmente. Levantamento da primeira greve de 48 horas por uma ‘reunião de secretários gerais’. Novo plenário em meio da magnífica greve dos ferroviários. Derrota da moção da mesa de fazer greve de 48 horas em 15 e 16 [de dezembro]. Triunfo da moção de greve geral de 48 horas para 11 e 12, e plenário para 17 para declará-la indefinida. Começa a fracassar a greve ferroviária. Fracassa a greve. Durante todo este tempo carta atrás de carta Perón denuncia a Frondizi como entregador do país e exige que o movimento operário o encare de frente. La mesa e as direções dos sindicatos não fazem nada, absolutamente nada, salvo honrosas exceções, para informar da greve os operários de base (…) A mesa é responsável pelo fato de que o governo estivesse ganhando a partida”.
Em janeiro de 1959 começou um importante conflito operário no frigorífico Lisandro de La Torre, e que começou a se alastrar e ganhar simpatia. No ápice do conflito, 9.000 operários ocuparam a planta e no dia 17 de janeiro o governo respondeu com 1.500 homens armados e tanques do exército A direção das 62 por proposta do famoso burocrata Vandor chamou uma greve geral por tempo indeterminado sem nenhuma preparação para o dia 18. E se as bases heroicamente começaram a organizá-la, a direção das 62 fez de tudo para quebrá-la desde o início[52]. Segundo Gonzáles foi uma das maiores greves da classe trabalhadora argentina. Em Rosario e Avellaneda (centro do ativismo mais combativo) a greve terminou só dia 24, após o movimento ser derrotado por falta de organização e repressão com muitas prisões.
A conclusão de Palavra Operária foi em letras garrafais[53]: GRANDE TRIUNFO OPERÁRIO! A MESA DAS 62 ENTREGOU. E disse:
“Mentem como canalhas ou idiotas os dirigentes que asseguraram que a batalha estava perdida; o governo, representante do bairro norte na emergência, não podia aguentar mais de uma semana sem carne, verdura, leite (…) Mentem como canalhas ou idiotas os dirigentes que juram que a greve foi um triunfo: começamos lutando por 10 pontos e não se conseguiu nenhum (…) Mentem como canalhas ou idiotas os dirigentes que se consideram companheiros ou amigos de nossos presos, especialmente os amigos do companheiro Vandor (…) A triste realidade é que um grupo de dirigentes, com boa ou má vontade, nos entregaram atados de pés e mãos ao governo de fome e entrega. Os trabalhadores da pátria não mereciam e não merecem essa direção de tão miserável capitulação, se impõe com toda urgência que os dirigentes honrados que se equivocaram, renunciem e voltem à base. Aos outros, o movimento operário deve ajustar contas em assembleias soberanas dos operários que se bateram contra o governo e aspiram a seguir batendo contra ele para salvar o país da fome, desemprego e a entrega. A causa da entrega é muito simples: dirigentes que querem conservar carros, salários e mesquinhos privilégios; dirigentes que consideram seus postos um privilégio e não uma vanguarda para a luta e para a defesa dos trabalhadores e da Pátria.”
Na opinião[54] de Gonzáles em que pese o fantástico heroísmo da classe trabalhadora na resistência aos planos de Frondizi, com a derrota do processo aberto com a ocupação do frigorífico Lisandro de La Torre se fechou a etapa extraordinária de ascenso do movimento operário iniciada em 1957. A partir daqui se abriria uma nova etapa, mas agora de retrocesso e lutas defensivas, produto da derrota.
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Notas
[1] p. 17 tomo 2.
[2] p. 50 tomo 2.
[3] p. 51 tomo 2.
[4] p. 51 tomo 2.
[5] p 142 tomo 2.
[6] p 143 tomo 2.
[7] p 143 tomo 2.
[8] p 147 tomo 2.
[9] p 149 tomo 2.
[10] Mais tarde ficaria evidente que uma parte deste setor não queria participar pois alimentava ilusões sobre um contra golpe de Estado. Os morenistas polemizaram contra essa ideia, pois acreditavam que qualquer saída que se apoiasse no Exército e não na mobilização independente dos trabalhadores não poderia ter um desfecho positivo.
[11] p 152 tomo 2.
[12] p 142 tomo 2.
[13] p 161 tomo 2.
[14] p 163 tomo 2.
[15] p 163 tomo 2.
[16] p 164 tomo 2.
[17] p 164 e 165 tomo 2.
[18] p 165 tomo 2.
[19] p 168 e 169 tomo 2.
[20] Naquele período o “braço direito” de Perón na condução da Resistência peronista à Libertadora.
[21] p 170 tomo 2.
[22] p 179 tomo 2.
[23] p 184 tomo 2.
[24] p 184 tomo 2.
[25] p 184 tomo 2.
[26] p 186 tomo 2.
[27] p 185 tomo 2.
[28] p 199 tomo 2.
[29] p 199 tomo 2.
[30] p 215 tomo 2.
[31] p 215 tomo 2.
[32] p 220 tomo 2.
[33] O termo Cabilde aqui parece referir-se a uma forma de decisão em assembléia ou via algum tipo de plebiscito (NE).
[34] p 221/2 tomo 2.
[35] p 223 tomo 2.
[36] p 223/4 tomo 2.
[37] p 225 tomo 2.
[38] p 225 tomo 2.
[39] p 226 tomo 2.
[40] p 226/7 tomo 2.
[41] p 229 tomo 2.
[42] p 235 tomo 2.
[43] p 230 tomo 2.
[44] p 231 tomo 2.
[45] p 231 tomo 2.
[46] p 237 tomo 2.
[47] p 232 tomo 2.
[48] p 233 tomo 2.
[49] p 240 tomo 2.
[50] P 243/4 tomo2.
[51] p 251 tomo 2.
[52] p 253 tomo 2.
[53] P 255/6 tomo 2.
[54] p 256 tomo 2.
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