Alona Liasheva (*) & Bhaskar Sunkara (**) | Trad. Betto della Santa
Por Alona Liasheva (AL) | A Jacobin é uma das mais bem-sucedidas publicações da esquerda radical no mundo contemporâneo e, com certeza, a mais bem-sucedida da história dos Estados Unidos. Embora o projeto só tenha sido iniciado em Setembro de 2010 a sua audiência já atingiu 700mil visitantes por mês para a versão online e 15mil assinantes na versão impressa dentro e fora dos EUA. A revista cobre política, economia e cultura contemporâneas, dos Estados Unidos e em todo o mundo, desde uma perspectiva socialista. Para entender o que são as condições e estratégias de avanço de Jacobin e os planos futuros do seu projeto editorial o portal Commons decidiu falar com o editor-chefe e secretário de redação da revista, Bhaskar Sunkara (BS), sobre a batalha que seu periódico está travando no mundo das letras e da política.
AL: Em suas outras entrevistas você costuma enfatizar que Jacobin é mais um produto da nova geração. O que há de especial a respeito desta geração?
BS: Eu não acho que haja nada de especial sobre esta geração. O que é diferente é apenas o fato de que as expectativas de trabalho e de vida desta geração vão ser piores do que as gerações anteriores. Há um certo conjunto de situações econômicas objetivas diferentes: há uma massa maior de gente alienada, desbaratada e jovem desempregada que têm a percepção de que mereceria emprego em tempo integral estável, à maneira da geração de seus pais, mas eles não têm acesso a isso . E, obviamente, isso leva a um nível de mal-estar que a esquerda pode explorar. E eu acho que o fenômeno Sanders é indicativo disso. Considerando que, por anos e anos, as pessoas foram dirigidas pela mensagem de que quaisquer problemas particulares que estejam acontecendo são resultado de seus fracassos pessoais, produto de falta de reciclagem, incapacidade de se adaptar à nova economia, fracasso em tentar – arduamente o bastante – conseguir um emprego. Sanders está enfatizando que as raízes desses problemas são sociais e as soluções para esses problemas são coletivas. Por isso, é mesmo uma forma em que a maioria da população jovem iria apoiar – uma espécie de Estado social de redistribuição de renda – e eu acho que é um tremendo progresso. E eu também acho que é terreno fértil para aqueles de nós, da esquerda radical, construir algo por fora disso.
Portanto, esta situação é um dos fatores da nossa origem, mas honestamente eu acho que nós poderíamos ter sido bem-sucedidos em outros contextos também. Poderíamos ter construído provavelmente alguma coisa, sem crescer tão rápido, mas relativamente competente, em condições políticas menos propícias.
AL: Como vocês conseguem estar presentes nos debates políticos mainstream [da grande mídia] com uma posição radical à esquerda?
BS: Se você escrever de forma clara e sem jargão, e mantiver algum tipo de profundidade analítica, é mais fácil para as pessoas honestas da mídia em geral se envolverem com o seu trabalho. E como está escrito de tal forma, que exige envolvimento, nós nos envolvemos em política no patamar que eles estabelecem. Então, se a Vox [grande corporação midiática dos Estados Unidos] tem um artigo polêmico sobre a saúde pública, partimos de observar a forma como eles estão usando os dados e, como eles estão manipulando-os, e nós os desmontamos por dentro, em paciente explanação, em vez de manter a denúncia em um nível puramente moralista. Eu acho que isso é importante.
Há outra razão para nós sermos capazes de debater com o mainstream. As pessoas da centro-esquerda podem estar dispostas a se voltar mais para as forças mais à esquerda, hoje em dia, porque nos Estados Unidos por um longo tempo a centro-esquerda foi considerada extrema-esquerda e deixou de ser, de muitas maneiras, isso é o que o espectro político era. Por isso nós fomos uma surpresa para eles. Mas o que é a chave para chamar a atenção da mídia é que estamos chegando a centenas de milhares de pessoas todos os meses online. Se você tem tráfego suficiente e se você tem suficiente audiência, em algum grau você exige alguma atenção.
AL: Vocês tiveram receios sobre a utilização de um vocabulário marxista na abordagem do público norteamericano, que por muitos anos não estava usando nem mesmo a palavra “classe”?
BS: Eu acho que, dadas as condições do terreno, no final de 2010, ficou claro que há um público potencial que teria interesse neste tipo de coisas, mas eu nunca pensei em audiência. Estamos publicando o que desejamos publicar, usando o quadro de referências que pensamos ser útil, um quadro marxista e de política socialista. E no processo de criação disso, construímos e formamos um público. E temos tido a audiência da esquerda liberal de forma ampla e os formamos de várias maneiras, e temos um público socialista. Nós não estávamos tentando “esconder” o marxismo! Isto seria um grande erro. Eu acho que é melhor ser claro a respeito. Obviamente, vocês, na Ucrânia [Commons é uma iniciativa ucraniana, bilíngue, de política radical], tem uma situação particular para lidar, que é o legado do stalinismo, mas até certo ponto, nos Estados Unidos, temos de lidar com o legado do anticomunismo, que é uma espécie de paralelo, por assim dizer. Mas se você deixar a terminologia marxista e sua linguagem apenas para as velhas forças stalinistas, então as pessoas nunca terão uma concepção do socialismo como algo antiautoritário, no final das contas. E a coisa é que eles vão te chamar stalinista não importa o quê faça, não importa o que sua política seja, não importa em que vocabulário você descrevê-la. Então você pode chamar-se abertamente-se um socialista e usar abertamente a terminologia, porque o uso de expressões como “esquerda democrática” e congêneres não iria realmente evitar as acusações. Então é levantar a cabeça, sacudir a poeira, e dar a volta por cima!
AL: Sendo socialistas, como vocês abordam projetos socialistas do passado, que tinham um monte de contradições?
BS: Ainda que venhamos de uma tradição intelectual e política que sempre foi muito fortemente antistalinista, ainda nos apontam o dedo em riste. E às vezes a melhor maneira de responder ao anticomunismo não é ser completamente defensivo. Em outras palavras, não temos nenhum problema em falar sobre o legado positivo do Partido Comunista dos Estados Unidos, e o trabalho de organização que eles fizeram. Da mesma forma não temos problemas ao falar sobre o papel de Cuba e de outras forças que atuaram em Angola, por exemplo, ou o papel que desempenharam os soviéticos em lugares como o Vietnã. Portanto, somos muito explícitos ao dizer que nosso modelo é diferente daqueles realmente existentes ao longo da história, mas, ao mesmo tempo, nós queremos fazer recuar certos discursos de volta ao armário. Especialmente as ideias do liberalismo político, europeu ocidental, que iguala nazismo a comunismo. Que a União Soviética, e aqueles que lutaram contra ela, eram essencialmente uma só e mesma coisa: duas forças más lutando entre si… E apenas pelo princípio mesmo de sermos honestos com a história tal como aconteceu é que criticamos essas visões equivocadas. Mas, em geral, tomamos uma distância suficiente da metástase anticomunista do câncer stalinista, que não nos representa.
AL: Que papel a Jacobin desempenhou na ascensão de Bernie Sanders?
BS: É difícil dizer. Mas acho que contribuiu para a politização de muitos daqueles que estão ativamente envolvidos no terreno, porém, é uma influência de tipo indireta. Iria existir de alguma forma, objetivamente, mesmo sem nós, enquanto fenômeno. Nós desenvolvemos a consciência de classe dos ativistas envolvidos em algum grau. E é o objetivo pelo qual estamos inspirados: elevar o nível de organização coletiva, e consciência de classe, e perspectivas políticas, das pessoas envolvidas em movimentos reais. Eu não acho que podemos fazer, diretamente, nada além disso.
AL: Vocês publicam análises incrivelmente nítidas sobre a situação em países europeus e outros rincões do mundo. Por que é importante para você ter uma perspectiva internacional? E como manter isso?
BS: Estamos cobrindo a Europa, talvez porque, de longe, somos capazes de acessar às redes que já construímos. Eu sei de pelo menos algumas dezenas de pessoas boas, com boas perspectivas, claras e nítidas, em quase todos os países da Europa. Nós cobrimos até a Moldávia, com alguns artigos. Nós não somos uma organização de mídia tentando fazer conexões com outras organizações de mídia, somos socialistas que têm laços e perspectivas internacionais e, obviamente, nós pensamos que muitos desses debates são de particular interesse para os socialistas nos Estados Unidos. Por exemplo, na Grécia vemos problemas no poder de Estado em se estabelecer até mesmo o mais moderado dos projetos de esquerda, também vimos o que aconteceu na França, com Hollande, e assim por diante. Então, todos esses exemplos tristes tem relevância nos Estados Unidos. E na organização Podemos [do Estado espanhol] – nós estamos vendo um projeto político interessante e há muito que aprender. Estamos vendo também os limites do discurso populista, de tipo “nem esquerda, nem direita”. Oxalá isto esteja mudando e as coisas estejam se movendo em uma boa direção com Podemos. E, claro, isso tem muita relevância aqui. Então nós meio que queremos cobrir essas coisas com um nível de detalhe que as pessoas nos países em si ainda podem obter algo útil fora dele, enquanto um monte de outras publicações de esquerda, que geralmente publicam coisas, sobre eventos internacionais, pretendem atingir apenas o seu público interno, em vez de pessoas que são diretamente afetados pelos acontecimentos.
AL: Vocês começaram a compartilhar a versão impressa da revista internacional. Em que outras partes do mundo a Jacobin é popular? Vocês acham que há uma chance de que ela venha a se tornar a voz principal da esquerda global?
BS: Nós realmente não perspectivamos esses tipos de expectativas grandiosas. Nós fazemos as coisas bem, peça a peça, dia a dia, em vez de definir grandes metas. Nosso público costumava ser ainda mais internacional, por porcentagem. É realmente uma coisa muito boa que tenhamos crescido tão rápido nos Estados Unidos ao longo dos últimos anos, por isso o nosso público doméstico supera as demais audiências. Então nós costumávamos ser algo como 53-54% com sede nacional, e no mês passado o público do país cresceu para 66%. Alguns dos maiores países são os que seria de se esperar: Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Alemanha, França, Índia, Brasil, Suécia, Holanda. Nós não vamos muito bem no Leste Europeu, afora a Polônia. Também nos Balcãs e na Grécia vamos muito bem. Na Ucrânia durante o mês passado só tínhamos um milhar de visitantes individuais, o que é bastante baixo. E em toda a Rússia tivemos apenas três mil. Na Romênia temos tantos quanto na Rússia.
AL: Você poderia nos dizer como a Jacobin é organizada a partir de dentro? Como as pessoas se coordenam entre si? E como vocês lidam com as diferenças ideológicas?
BS: Estamos estruturados como uma publicação de tipo profissional, todos os editores têm a sua esfera de competência e interesse especializado. Mas nós nunca nos estruturamos como uma revista tradicional. Para nós tem mais a ver com a divisão do trabalho. Se alguém sabe mais sobre um assunto, se alguém publica mais sobre um assunto, nós damos trabalho para eles. Mas a principal coisa também é que não somos uma publicação patrulheira. Nós só precisamos geralmente saber o que os perímetros mais amplos da nossa política são, o que é aceitável, o que é inaceitável, não precisamos saber quê posição a pessoa precisa tomar em particular. Assim, por exemplo, na questão do ‘Brexit’ [a saída da Grã-Bretanha da União Europeia] há uma diversidade inimaginável de opiniões, mas não precisamos de uma linha única, conquanto os artigos sejam provenientes da perspectiva socialista em sua pluralidade de posições.
AL: Quais as conexões que vocês tem com a academia norteamericana?
BS: Essencialmente uma boa parte de nosso conteúdo é proveniente de estudantes universitários ou jovens pesquisadores. Mas nós não prospectamos diretamente as instituições acadêmicas. Nós nos beneficiamos dos conhecimentos das pessoas que têm empregos e publicam no âmbito da universidade.
AL: E a última pergunta: quais os planos para o futuro, para além da revolução mundial [Sorriso]?
BS: Então, vamos lançar uma revista mais teórica, uma revista de ideias, chamada Catalyst: Um Órgão de Teoria e Estratégia, editado por Robert Brenner [importante historiador econômico marxista, ligado à New Left Review e Verso, com relevante contribuição à teoria da crise do capital] e Vivek Chibber [cientista social marxista de origem indiana crítico do pós-colonialismo e dos estudos subalternos, também ligado à NLR e V]. Está pra sair no Outono. Estamos planejando também alguns outros projetos. Em geral mais coisas vão sair, até o final do ano. E, além disso, em nível internacional, à medida que continuamos a crescer, gostaríamos de manter suficiente foco na perspectiva internacional, cobrindo coisas, como ocupações, em França, ou a crise, no Brasil, de muito perto, mas, ao mesmo tempo o que está realmente ajudando, uma coisa boa, é que a cobertura ao longo dos últimos anos girou um pouco mais na direção nacional, em termos do número de artigos. Isso mostra que há um interesse real de público, nos Estados Unidos, para a política socialista. Obviamente, é uma coisa muito boa. Eu acho que o papel de uma publicação socialista deve residir em cobrir as coisas que estão acontecendo no Estado espanhol, assim como o que está acontecendo no Canadá, com algum sentido de proporção e perspectiva. Mas também é bom que estejamos construindo cada vez mais o nosso público interno, tanto quanto pudermos, porque se nós construirmos uma oposição socialista radical por fora do âmbito dos apoiadores de Bernie Sanders, seria, mesmo, um tremendo de um avanço fenomenal.
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(*) Entrevistadora. É investigadora doutoranda em estudos urbanos na Università degli Studi di Milano, com ênfase na questão da moradia no Leste Europeu. Ucraniana, ela é co-editora de Commons: Órgão de Crítica Social. Cobriu eventos políticos atuais no Estado espanhol.
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(**) Entrevistado. É jornalista político, editor-chefe e secretário de redação da revista Jacobin. Filho de imigrantes de Trinidad Tobago, cresceu em Nova Iorque e lá fez parte da Democratic Socialists of America. Seu sonho era ser jogador de basquete profissional na NBA.
Originalmente publicado In: «We are not trying to hide Marxism!»: A brief interview with Bhaskar Sunkara, editor of Jacobin Mag. Consultado em: 17/ Jun./ 2016.
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