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TEORIA

O que a vida quer da gente é coragem!

Lana Bleicher  |

«O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria,
aperta e daí então afrouxa,
sossega depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem!»

(Guimarães Rosa)

Tenho conversado muito abertamente com companheiros que estiveram nesse último período lutando na mesma trincheira que eu contra uma série de ataques que os trabalhadores têm sofrido. Pessoas que foram comigo aos atos contra o PL da Terceirização. Pessoas que fizeram comigo uma greve sob um ataque brutal aos serviços públicos. Pessoas que, em 2013, me protegeram na rua, quando a turma do “abaixa a bandeira” tentou me agredir.

Tenho conversado e buscado entender. A conjuntura, as pessoas. Quando falo do contraditório que é  um governo, supostamente sob risco de golpe, aprovar uma lei antiterrorismo, as pessoas concordam comigo. Pois é, é algo muito bizarro, ‘né? Porque se vem um golpe, os golpistas vão ter na mão a faca, o queijo e a lei para criminalizar quem tentar lutar contra o golpe. Parece suicida, ‘né? Se várias concessões ao empresariado e aos setores fundamentalistas foram justificadas pela “correlação de forças desfavorável”, eu só digo uma coisa: não tem correlação de força que justifique isso. A situação não tá nem tranquila nem favorável para entregar ao inimigo as armas que serão usadas contra si.

A menos que a intenção não seja exatamente barrar um golpe. Vejam, esses meus companheiros não são governistas, não apoiam o governo ou suas políticas. Mas têm medo. Têm um incrível medo de que 1964 se repita. Eu entendo isso. Certas bizarrices assustam mesmo. Mas esse medo infelizmente está cumprindo um papel nefasto. Reforça a ideia de que a única maneira de combater a direita é garantir que um governo com políticas de direita continue, dentro da legalidade, a implementar políticas de direita.

Não faço pouco-caso da legalidade. O Estado de direito burguês não é democrático, mas o Estado burguês autocrático é pior. Condeno veementemente as violações às sedes do PT, da UNE. Por mais que sejam direções traidoras, são instrumentos que um dia foram construídos pela classe trabalhadora. É grave que o reacionarismo raivoso chegue a esse ponto. Assim como é nítido que estão sendo cometidas ilegalidades pela justiça burguesa. Sabemos que não há coisa diferente a esperar da justiça burguesa, mas em nada retira a necessidade de criticá-la.

A questão é que o medo não é bom conselheiro. O pânico, menos ainda. E infelizmente o governismo está insuflando o pânico em uma parcela considerável no que há de melhor dos ativistas para inflar seus atos. Sei que acreditam que é possível se diferenciar em meio à massa. Sei que não  querem se confundir com o governismo bárbaro – aquele mesmo que agrediu fisicamente as mulheres que denunciaram o sequestro do ato de 8 de março em São Paulo (quando um ato em defesa da legalização do aborto foi transformado sumariamente em defesa de Lula e Dilma). Sei que confiam que é possível separar a defesa do governo da defesa da legalidade do governo e que é possível criticar o ajuste fiscal e a retirada de direitos estando nos atos puxados pelas entidades que nos traem todos os dias. O problema é que não. Não é possível se diferenciar dos 100 mil ali presentes. Até porque, se a crítica ao governo for levada até as raízes, há riscos de integridade física – o oito de março está aí pra mostrar.

Não tá fácil pra ninguém. Meus companheiros hesitam frente ao convite de construir um terceiro campo, independente do governo e da direita. Têm receio, bastante justificado, de que as manifestações autônomas sejam pequenas. Pode ser que sejam. Pode ser que não. Se estes companheiros vierem, serão maiores. Não seremos 100 mil, mas não seremos confundidos com aqueles que estão interessados apenas em se manter no poder para continuar nos atacando. Ninguém acredita em uma guinada à esquerda de Dilma. A burguesia reclama, se impacienta, porque Dilma não está conseguindo implementar mais ataques. Porque não está sendo capaz de aprovar a Reforma da Previdência como Lula fez. Existe um ódio de classe contra Lula e Dilma por suas origens? Existe. Mas isso nunca foi exatamente um problema enquanto foram capazes de governar em benefício da burguesia. Problema é a incapacidade. A “incompetência”, como gostam de falar.

Digo a esses companheiros que entendo seus medos. Quanto mais a direita vocifera, mais o governismo chantageia. Há uma co-dependência aí impressionante. O que seria do ato de 18 se não fosse a massiva adesão ao ato do dia 13?

Entendo seus medos e não quero fazer caricaturas ou simplificações. A linguagem da internet, com seus memes e 140 caracteres, às vezes nos rouba a discussão mais profunda. Também sinto uma ponta de angústia. Sei muito bem o quanto é catártico ir à rua e encontrar outros cem mil, vestidos com a mesma cor que a sua. Dá uma sensação de alívio, de que não estamos abandonados. Mas o problema é que também há solidão na multidão. Estar na multidão cujas palavras de ordem se sobrepõem ao que você defende não nos serve de muita coisa. Minora um pouco medo, talvez, mas só até a chantagem e o fomento do pânico voltarem no dia seguinte.

O medo não é um bom conselheiro.

O que ela – a vida – quer da gente é coragem!