Trad. Betto della Santa |
Por Leon Trotsky
[E Acerca De Muitas Outras Questões…] | Publicado em 1901
Dum spiro spero! [Enquanto houver vida haverá esperança!](*)… Se eu fosse um dos corpos celestiais, eu olharia com completo despojamento para esta miserável pelota de areia e poeira… Eu brilharia indiferente entre o Bem e o Mal… Mas eu sou um homem. A história do mundo que para ti, ó desapaixonado glutão da ciência, ou para ti, ó guarda-livros de toda eternidade, parece apenas um soslaiável instante no escopo do tempo, para mim, é tudo! Enquanto ainda respirar eu deverei lutar pelo futuro, este radiante futuro, no qual o homem – forte e belo – se tornará enfim demiurgo da corrente flutuante de sua própria história e irá dirigi-la então para um horizonte ilimitado de beleza, alegria e felicidade!…
O Séc.19 de muitas formas satisfez e, de ainda mais formas, ludibriou, às esperanças do otimista… Ele o compeliu a transferir a maior parte de suas esperanças para o Séc.20. Sempre que o otimista se confrontava com um acontecimento atroz, exclamava ele: –«Como pode isso acontecer no limiar do Séc.20!». E quando este esboçava maravilhosos retratos de um futuro harmonioso, era à hora do Séc.20 que tal expressão do desejo tinha lugar.
E agora o novo século já chegou! O que trouxe, ele, a seu princípio?
Na França – escuma venenosa de ódio racial(1); na Áustria – litígio nacionalista…; na África do Sul – agonia de um povo, pequenino, em assassínio, por um colosso(2); na própria “ilha” da liberdade – cântico triunfante da laureada ganância de uma ufanista agiotagem; dramáticas “complicações” ao Leste; muitas rebeliões de massas plebeias, mortas de fome, da Itália, Bulgária e Romênia… ódio e morte, carestia e sangue…
Parece até que o novo século, gigante recém-chegado, tenderia a, no momento mesmo de sua aparição, querer levar o otimista ao pessimismo absoluto e a um nirvana civilizatório.
– Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à esperança!…, trovôa o Séc.20 com salvejadas de fogo ao ar e sonoro relampejar de armas.
– Renda-se, ó patético sonhador. Aqui estou, tão esperado Séc.20, sou eu o seu “futuro”.
– Não, responde o imperturbável otimista. – Tu, tu eres tão-só o presente.
(*) Dum spiro spero! (vide atalho ao lado) é um lema em Latim que quer dizer, literalmente, “Enquanto eu respirar [spiro], terei esperança [spero]”. Permaneceu como paráfrase moderna de ideias antigas a partir de escritores clássicos como Theocritus e Cicero servindo de leitmotif para propósitos tão diversos como a insígnia familiar do clã Owen na Inglaterra, o emblema oficial das forças especiais do Exército Tcheco até, como vemos, a própria pena do revolucionário ucraniano Leon Trotsky durante a virada do século.
(1) Affair Dreyfus (vide atalho ao lado).
(2) Guerra dos Bôeres (vide atalho ao lado).
Fonte:
Isaac Deutscher. The Prophet Armed: Trotsky 1879-1921. Verso: London, 1954/2003, p.45-46 apud Leon Trotsky. Sochinenya, vol. XX pp.12, 29-31.
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