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TEORIA

Reversão do corte de ponto pelo CNJ: uma questão de legalidade

Jorge Luiz Souto Maior(*)

Marcus Orione Gonçalves Correia(*)

Valdete Souto Severo(*)

Luís Carlos Moro(*)

Alberto Alonso Muñoz(*)

Almiro Eduardo de Almeida(*)

Alessandro da Silva(*)

A Constituição de 1988 inverteu uma lógica de negação concreta ao direito de greve, que foi explicitada em diversos momentos da história do Brasil: Lei n. 38, de 4 de abril de 1935; Constituição de 1937; Decreto-Lei n. 431, de 18 de maio de 1938; Decreto-Lei n. 1.237, de 2 de maio de 1939; Código Penal de 1940; Lei n. 4.330, de 1º. de junho de 1964; e “lei de segurança nacional”, de março de 1967; mas o que se verifica é que boa parte dos entendimentos jurídicos sobre a greve ainda hoje se pautam pela ideia de que a ordem jurídica deva servir para inibir a greve em vez de garanti-la, mesmo que o Supremo Tribunal Federal já tenha se pronunciado, exatamente em sentido contrário (Mandado de Injunção 712, Min. Relator Eros Roberto Grau).

Na atual Carta constitucional, fruto do processo de redemocratização do país, que só foi possível em decorrência do advento das greves iniciadas no final da década de 70, os direitos dos trabalhadores ganharam posição privilegiada, inscritos que foram no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais, com especial relevo para o direito de greve:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Certo que o § 1º do art. 9º da Constituição estabeleceu que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” e que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”. Mas essas especificações atribuídas à lei não podem ser postas em um plano de maior relevância que o próprio exercício da greve. As delimitações legais, para atender necessidades inadiáveis e para coibir abusos, não podem ser vistas com um alcance tal que inviabilize o exercício do direito de greve.

Nos termos da Lei n. 7.783/89, deflagrada a greve, compete à entidade empregadora manter diálogo com os trabalhadores e não valer-se da via judicial para que esta dirima o conflito. Preceitua o artigo 9º da Lei n. 7.783/89 que “Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.” – grifou-se

As responsabilidades pelo efeito da greve não podem, portanto, ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque estão no exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabilidades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.

A greve no serviço público, oportuno dizer, não é apenas um ato político de interesse dos trabalhadores como se possa acreditar. Trata-se de uma ação de interesse de toda a sociedade, mesmo quando seu objetivo imediato seja a reivindicação salarial. Afinal, a prestação adequada e de qualidade de serviços à população, que é um dever do Estado, notadamente quando se trata de direitos sociais, depende da competência e da dedicação dos trabalhadores. Sem um efetivo envolvimento dos trabalhadores o Estado não tem como cumprir as suas obrigações constitucionalmente fixadas.

Mas foi a aversão cultural à greve, que gera interpretação extensiva da Lei n. 7.783/89, para aniquilar o direito de greve e fazer letra morta da Constituição Federal, que parece ter inspirado a decisão proferida pelo CNJ, que determinou o corte de ponto dos servidores da Justiça Federal em greve (Pedido de Providências – 0003835-98.2015.2.00.000).

Ora, ao contrário da fundamentação constante da referida decisão, a perda do salário, conceitualmente falando, só ocorre em caso de falta não justificada ao trabalho e a ausência da execução de trabalho, decorrente do exercício do direito de greve, está justificada pelo próprio exercício do direito constitucional da greve.

Além disso, não há distinção legal entre suspensão e interrupção do contrato de trabalho e também não há unanimidade entre os doutrinadores a respeito do melhor critério para identificar as figuras em questão. Arnaldo Süssekind, por exemplo, comentando a origem da distinção, que teria espelhado em experiências estrangeiras, prefere utilizar as expressões “suspensão total” e “suspensão parcial” do contrato de trabalho, fazendo menção, ainda, à posição Sebastião Machado Filho, que refuta tanto a nomenclatura quanto a distinção adotadas pela CLT, sustentando que se verifica em qualquer situação apenas “a suspensão da prestação de execução de serviço”[1].

No tema pertinente à suspensão da relação de emprego, o que importa é, portanto, verificar quais os efeitos obrigacionais são fixados por lei. Não cabe à doutrina dizê-lo. Se o legislador não fixou diferença entre suspensão e interrupção e, ademais, considerando o pressuposto da experiência jurídica estrangeira, trouxe essa forma de nominação fora de um parâmetro técnico, não se pode dizer que quando, em lei especial, referiu-se apenas à suspensão tenha acatado a classificação feita pela doutrina, que, ademais, como dito, não é unânime quanto aos critérios de separação entre hipóteses de suspensão e interrupção.

A lei de greve, além disso, é uma lei especial e que se insere na órbita do Direito Coletivo do Trabalho. Não é tecnicamente correto, portanto, do ponto de vista da lógica hermenêutica, buscar o sentido de um artigo dessa lei a partir de fórmulas doutrinárias imprecisas voltadas a situações genéricas, construídas no âmbito do Direito Individual.

De todo modo, essa polêmica não tem nenhuma relevância na solução do presente problema teórico, pois os efeitos jurídicos atribuídos a cada situação fática em que não há prestação de serviço por parte do empregado e o contrato permanece vigente devem ser definidos em lei e quanto a isso não há qualquer divergência.

Ora, a Lei n. 7.783/89 não trata dos efeitos salariais da greve, deixando a questão, expressamente, para o âmbito da negociação coletiva ou para eventual decisão da Justiça do Trabalho.

A referência legal à suspensão está atrelada à preocupação primordial de proteger o direito de greve, para que o grevista não sofra represálias pelo exercício da greve, notadamente, com a perda do emprego. É fácil verificar isso com a simples leitura do artigo da lei, que trata do assunto:

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Não há, portanto, na lei, qualquer autorização para o empregador por ato unilateral, cortar salários dos trabalhadores em greve.

Cumpre observar que a Lei 7.783/89 é fruto de uma Medida Provisória, a MP 59 de 26/05/1989, cujo artigo 5º previa:

Art. 5º A participação em greve legal não rescinde o contrato de trabalho, nem extingue os direitos e obrigações dele resultantes.

Parágrafo único. A greve suspende o contrato de trabalho, assegurando aos grevistas o pagamento dos salários durante o período da sua duração e o cômputo do tempo de paralisação como de trabalho efetivo, se deferidas, pelo empregador ou pela Justiça do Trabalho, as reivindicações formuladas pelos empregados.

Essa, aliás, tem sido a conduta adotada pela Justiça do Trabalho, de forma majoritária, de negar o direito ao salário aos trabalhadores em greve apenas na hipótese de greves consideradas ilegais ou abusivas.

Na linha do resgate histórico, é mais contundente ainda recordar que o artigo 5º da MP 59, acima citado, é uma transcrição do art. 20 da Lei 4.330/64, que assim dispunha:

Art. 20. A greve licita não rescinde o contrato de trabalho, nem extingue os direitos e obrigações dêle resultantes.

Parágrafo único. A greve suspende o contrato de trabalho, assegurando aos grevistas o pagamento dos salários durante o período da sua duração e o cômputo do tempo de paralisação como de trabalho efetivo, se deferidas, pelo empregador ou pela justiça do Trabalho, as reivindicações formuladas pelos empregados, total ou parcialmente.

Ou seja, a investigação histórica demonstra que está totalmente desautorizado conferir à Lei 7.783/89 um sentido mais restritivo do direito de greve do que aquele que já se tinha naquela que ficou conhecida como “lei antigreve” (n. 4.330), do período da ditadura militar.

Se todos os trabalhadores, manifestando sua vontade individual, deliberam entrar em greve, o sindicato, como ente organizador do movimento, deve, segundo os termos da lei, orientar a forma de execução das atividades inadiáveis do empregador. Para tanto, deverá indicar os trabalhadores que realizarão os serviços, os quais, mesmo tendo aderido à greve, terão que trabalhar. Prevalecendo a interpretação de que a greve representa a ausência da obrigação de pagar salário, de duas uma, ou estes trabalhadores, que apesar de estarem em greve e que trabalham por determinação legal, não recebem também seus salários mesmo exercendo trabalho, ou em os recebendo cria-se uma discriminação odiosa entre os diversos trabalhadores em greve.

Dito de forma mais clara, se, por exemplo, todos os trabalhadores do setor de manutenção resolverem aderir a uma greve estarão, por determinação legal, obrigados a realizar os serviços inadiáveis. Assim, deverão definir, coletivamente, entre si quais os trabalhadores farão os serviços e, para tanto, poderão deliberar pela realização de um revezamento. Nesse contexto, não se poderá criar entre os que trabalharão e os que se manterão sem trabalhar uma diferenciação jurídica acerca do direito ao recebimento, ou não, de salários.

Veja-se o que se passa, igualmente, nas denominadas atividades essenciais. O artigo 11 da lei de greve dispõe que “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, acrescentando o parágrafo único do mesmo artigo que “São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

Ora, se cumpre aos trabalhadores em greve manterem os serviços essenciais, é natural que pelo princípio da isonomia não se crie uma diferenciação entre os empregados que estão trabalhando para atender a determinação legal, e os que não estão trabalhando, ainda mais porque a deliberação acerca de quem deve trabalhar no período da greve não é uma decisão individual e sim coletiva, como estabelece a própria lei, sendo que, por isso mesmo, a melhor forma talvez seja a do revezamento.

Neste sentido, a decisão de trabalhar, ou não, no período de greve não pertence a cada trabalhador, individualmente considerado, estando legalmente coibida a continuidade da produção por vontade individual, ou pela contratação, por parte do empregador, de empregados para a execução dos serviços, não se admitindo até mesmo que empregados de outras categorias, como terceirizados, por exemplo, supram as eventuais necessidades de mera produção dos empregadores no período.

Não será demais lembrar que os efeitos benéficos da negociação advinda da greve atingirão a todos os trabalhadores indistintamente.

No âmbito da OIT, apesar da Ementa 654 deixar a entender que aquela instituição não se oponha ao desconto de salários dos dias de greve, isso está muito longe de representar uma autorização ao desconto. A OIT é demasiadamente favorável à autonomia negocial entre as partes, algo bem normal no direito coletivo do trabalho internacional, mais por uma dificuldade de estabelecer regras possíveis de serem aplicadas a todos os países – um patamar mínimo exigível – do que por uma ânsia flexibilizadora. Assim, as ementas seguintes (655 a 657) seguem no sentido de que a questão do salário deve ser preferencialmente objeto de negociação entre as partes. Logo, não há nada autorizando o pagamento de salários nem autorizando o desconto.

De todo modo, a normativa da OIT deixa claro que o desconto de salários não pode representar uma sanção aos trabalhadores, como se pode interpretar do teor da Ementa 655, quando diz que se deve buscar o desenvolvimento harmonioso das relações profissionais. A Ementa 656 dispõe, ademais, que esse desconto deve ser objeto de acordo entre as partes. Logo, inexiste qualquer autorização para descontos unilaterais por parte do empregador.

O CNJ ao determinar o corte de ponto dos servidores em greve, sem que se tenha deliberado judicialmente sobre a legalidade da greve, sem que tenha havido por parte do empregador negociações para a manutenção dos serviços considerados inadiáveis, fere todos os preceitos legais pertinentes à greve, utilizando da medida apenas como ato de poder para afastar o direito constitucional, atingindo, pois, a esfera do ato antissindical, conforme definido no § 2º do art. 60 da Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952): “É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”.

Oportuno lembrar que o Brasil, por diversas vezes, já foi condenado pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho pela prática de atos antissindicais. No caso n. 1839, tratando da greve dos petroleiros de 1995, o governo brasileiro foi criticado pelas dispensas de 59 trabalhadores grevistas (que, posteriormente, acabaram sendo reintegrados) e pelas multas que o Tribunal Superior do Trabalho impôs ao sindicato em razão de não ter providenciado o retorno às atividades após a declaração da ilegalidade da greve. Em 2007, o Brasil foi novamente advertido pela OIT quando professores, dirigentes do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), ligados a várias universidades – Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Universidade Católica de Brasília (UCB), Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) e Faculdade de Caldas Novas (GO) – foram dispensados após participação em atividade grevista. Lembre-se, ainda, da condenação do Brasil, ocorrida em 2009, em função das dispensas arbitrárias feitas pelos governos do Rio de Janeiro e de São Paulo por ocasião de greves dos trabalhadores metroviários (Caso nº 2.646).

No caso da decisão do CNJ a situação se complica ainda mais porque, para atacar o direito de greve, sequer se respeitaram aos limites do poder instituído, na medida em que o CNJ não detém poder jurisdicional, não lhe restando competência, portanto, para deliberar sobre o direito de greve. A decisão reflete um caso de grave usurpação de competência.

Caso se argumente que não foi uma decisão judicial e sim uma determinação de cunho administrativo, direcionada aos Presidentes dos Tribunais, os problemas jurídicos se tornam ainda mais graves, pois os atos administrativos devem seguir parâmetros constitucionais e o CNJ, exercendo ingerência sobre o administrador, está submetido a esses parâmetros e aos limites do respeito ao direito constitucional de greve, sob pena do cometimento de ato antissindical.

Verifique-se que se ver da decisão do CNJ os administradores, Presidentes dos Tribunais, devem realizar os descontos dos salários, vez que, segundo disse, “não existe na Constituição da República um direito à greve remunerada”, e que devem realizar tal ato independente de decisão judicial, então esses administradores, todos eles, já teriam incorrido em ato de improbidade, na medida em que a greve perdura há mais de 90 (noventa) dias e os pontos não foram cortados. Como dito na decisão: “essa é uma noção elementar de probidade na gestão da coisa pública”

A decisão do CNJ, a bem da verdade, de forma contraditória, diz que, embora não haja como justificar o pagamento dos dias não trabalhados, não quer nem “impõe que o administrado adote a suspensão do pagamento no dia seguinte à deflagração da greve” e que seria “temerário definir, de forma rígida e inflexível, um prazo a partir do qual deva se dar o desconto da remuneração dos servidores – por exemplo, em 30 (trinta) dias”.

A determinação, portanto, é tautológica, porque diz que a lei não autoriza o recebimento de salários durante a greve, mas também não reconhece o direito do empregador de efetuar o corte de ponto, a não ser que o tempo da greve ultrapasse o razoável, que o conselheiro não diz qual é, mas garante que noventa dias já ultrapassaram esse limite.

Mesmo sem qualquer critério legal para fixar o tal limite diz que o prazo já se esgotou e que o não corte de pontos deixou de ser razoável, determinando que este seja feito mesmo sem decisão judicial a respeito. Assim, os administradores, mesmo sem se saber a partir de quando, já teriam incorrido em ato de improbidade

Portanto, seguindo o próprio parâmetro adotado na decisão em questão tem o CNJ a obrigação de determinar a instauração de procedimentos administrativos disciplinares contra os administradores, Presidentes dos Tribunais, que não efetuaram os cortes de ponto até hoje, gerando, inclusive, repercussão de ordem patriomonial sobre estes, e se não o fizer estará, então, incorrido no crime de prevaricação.

Mas se não for isso, ou seja, se os administradores não estavam juridicamente obrigados a realizar os cortes de ponto – e, de fato e de direito, não estão, como demonstrado – a determinação feita pelo CNJ, sem se pautar em qualquer base legal para definir a partir de quando o corte é devido, representa crime de constrangimento ilegal e ato antissindical, vez que utiliza o corte de ponto apenas para forçar os servidores a encerrarem a greve, sem sequer dizer se a reivindicação destes é juridicamente válida, ou não.

Aliás, no aspecto do constrangimento ilegal a determinação constante da decisão do CNJ vai além e chega ao ponto extremo de determinar que os Presidentes dos Tribunais “desobstruam o acesso aos prédios da Justiça, caso haja obstáculos ou dificuldades de quaisquer natureza impostas pelo movimento grevista quanto à entrada e circulação de pessoas nos referidos prédios”, como se os administradores tivessem, eles, que se postarem diante dos grevistas para convencê-los a voltar ao trabalho ou que pudessem pleitear força policial, sem necessidade de ordem judicial, para intervir no conflito, desconsiderando-se, ademais, que os piquetes são legalmente previstos e que se justificam para que se faça prevalecer, em concreto, o legítimo e efetivo exercício do direito de greve, na medida em que se veja ameaçado por atos ilícitos do empregador, que se valendo de pressão aberta ou velada com relação aos grevistas e sugerindo premiações aos que não aderirem à greve, tenta destruir a greve sem se dispor ao necessário diálogo com os trabalhadores, sendo certo que o diálogo somente adquire nível de equilíbrio quando os que se situam em posição de inferioridade buscam a ação coletiva.

Segundo dispõe o artigo 6º da Lei de Greve:

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

(….)

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

(….)

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

Mesmo no caso da greve interferir em direitos fundamentais de terceiros, como preconizam os §§ 1º e 3º do artigo 6º, o que se tem como efeito é a existência de um conflito de direitos que se resolve em contenda judicial e não pela via do “exercício arbitrário das próprias razões”, que, inclusive, constitui crime, conforme definido no art. 345, do Código Penal, sendo certo, ainda, que no conflito de direitos há que se dar prevalência ao exercício do direito de greve, pois no Direito do Trabalho a normatividade coletiva supera a individual, a não ser quando esta seja mais favorável. Recorde-se que é a partir dessas premissas que se tem entendido imprópria a interposição de interdito proibitório contra piquetes.

Assim, não é função da força policial intervir em conflito trabalhista e definir arbitrariamente que direito deve prevalecer, reprimindo um interesse juridicamente garantido, acolhendo o abstrato direito de ir e vir e tratando trabalhadores como criminosos.

A decisão remete ao período, das décadas de 30 a 60, em que a greve era tratada como caso de polícia, sendo que na linguagem do antigo Setor Trabalhista, integrado à Divisão de Polícia Política e Social (DPS), órgão do Departamento Federal de Segurança Pública, criado em 1944, no contexto da vigência da Lei n. 38, de 4 de abril de 1935, os grevistas eram referidos por “agitadores” ou “comunistas”.

Na época, mesmo que a Constituição democrática de 1946 garantisse o direito de greve, as instituições mantinham-se impregnadas da lógica antissindical, acoplada a uma racionalidade anti-comunista.

A decisão do CNJ, em 2015, sob a vigência da Constituição cidadã de 1988, ao determinar que os Presidentes dos Tribunais “desobstruam o acesso aos prédios da Justiça”, retrocede em mais de 60 (sessenta) anos, fazendo alusão a um tempo em que se produziam ofícios como o que fora enviado ao DPS pelo Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, TST, Manoel Caldeira Netto, em 12 de dezembro de 1952, tratando da greve dos tecelões do Rio de Janeiro, com o seguinte teor:

Sr. Chefe de Polícia

Tenho a honra de solicitar a V. Exa. que se digne de mandar fornecer a esta Presidência, pelo Departamento competente e com possível urgência, as seguintes informações:

  1. a) convicções ideológicas e ação subversiva de todos os membros da Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro, cujos nomes constam da relação inclusa;
  2. b) idem, idem de todos os membros do Sindicato dos mestres e Contramestres de Fiação e Tecelagem do Rio de Janeiro;
  3. c) idem, idem dos elementos de choque designados para a preparação e deflagração da atual greve dos tecelões, cujos nomes constam da relação enviada pelo Sr. Ministro do Trabalho a este Tribunal Superior.

Reiterando os protestos de elevada consideração e elevada estima, subscrevo-me

Manoel Caldeira Netto

Presidente

Prosseguindo na linha das ilegalidades contra o direito de greve, a decisão mencionada determinou que os Presidentes dos Tribunais “adotem medidas que visem garantir a maior continuidade possível de todos os serviços prestados, independente do caráter de urgência da solicitação ou da existência de prazo em curso”, como se a lei não estipulasse que apenas as atividades consideradas inadiáveis e essenciais sejam continuadas durante a greve e, como dito, mediante acordo formalizado entre comando de greve e empregador.

Por todos esses fundamentos, para a devida retomada do respeito à ordem constitucional, torna-se urgente a revogação da determinação do CNJ para o corte de ponto de servidores em greve, assim como das demais determinações referidas na mesma decisão, seja porque falta competência jurisdicional ao CNJ para definir os destinos da greve, seja porque as determinações realizadas, além de constituem atos antissindicais, desrespeitam os padrões jurídicos aplicáveis ao direito de greve, sendo que no caso específico da greve dos servidores, por ter sido ela motivada pela inércia do governo em cumprir, por nove anos, o direito à revisão anual da remuneração (art. 37, X, da CF), sem que tenha havido por parte do empregador negociações para fixar a forma da continuidade dos serviços inadiáveis, muito dificilmente se poderia declarar, judicialmente, a ilegalidade da greve.

Por fim, se o CNJ pudesse usurpar seu poder para fazer valer a ordem jurídica, alguém poderia sugerir que em vez de determinar que os servidores sejam impedidos de exercer o direito de greve, impondo-lhes o sacrifício do corte de ponto, deveria, isto sim, fixar um prazo para o pagamento dos reajustes salariais devidos há nove anos aos servidores, sob pena de prisão e responsabilização patrimonial do chefe do Executivo.

Se não pode fazer isso por uma questão de legalidade, pela mesma razão não pode simplesmente negar vigência aos dispositivos constitucionais aplicáveis ao direito de greve e que guarnecem o patrimônio jurídico dos servidores.

São Paulo, 20 de setembro de 2015.

(*) Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.

(*) Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.

(*) Professora de Direito do Trabalho da Femargs- Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS.

(*) Advogado trabalhista em São Paulo/SP.

(*) Juiz de Direito, professor da Escola Paulista da Magistratura e Conselheiro da AJD – Associação Juízes para a Democracia.

(*) Professor de Direito do Trabalho do Instituto Metodista de Porto Alegre.

(*) Juiz do Trabalho/SC, mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito USP.

[1]. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. 1. São Paulo: LTr, 2003, p. 490.