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TEORIA

Terceirização: A distopia do Trabalho

Gabriel Nascimento Santos

“Estamos na iminência de uma derrota histórica, a maior derrota da classe trabalhadora desde 1964”. Com estas palavras foi definido qual seria o resultado do PL 4330 pelo sociólogo Ruy Braga. O PL 4330 legaliza e regulariza a terceirização em toda a esfera trabalhista, liberando-a de forma generalizada, tanto em atividades meios como em atividades fins. Configurando, desse modo, num ataque direto aos direitos do trabalhador, um projeto de lei nefasto que é aprovado no Brasil pela câmera mais conservadora desde a ditadura militar, num período que a crise econômica e política tendem a se intensificar.

 O projeto de lei foi apresentado pelo deputado do PMDB Sandro Mabel, empresário da industria alimentícia. Durante a seção que discutia a aprovação da lei no congresso, estavam presentes empresários e diversos representantes de industrias, como da FIESP. Enquanto isso, do lado de fora da câmera, entravam em confronto militantes de movimentos sindicais com a policia. Não se faz necessária uma grande explicação para se perceber a quem seria útil à aprovação da lei da terceirização. Fica claro que o PL 4330 trará males para toda a sociedade, e grandes estragos para a classe trabalhadora. Por outro lado, alguns poucos empresários teriam benefícios imediatos com a aprovação da mesma. Vemos então, que a terceirização se formula como uma opção organizativa para a obtenção de lucros e a expansão do capital das empresas.

Como não poderia ser diferente, a lei da terceirização insiste em ser apresentada pela grande mídia, pelos empresários e parlamentares, como algo que trará uma melhoria às condições a que estão expostos os trabalhadores brasileiros. É necessária somente uma pequena olhada para a realidade das condições de trabalho em que estão submetidos os terceirizados para ser revogada a afirmação anterior de que a terceirização seria um beneficio.

Terceirização: um ataque aos trabalhadores

No campo das relações de trabalho, a terceirização se faz presente no cenário nacional desde 1993, há 22 anos atrás. Uma analise de como a terceirização atuou neste período é suficiente para ficar claro os males que recaem sobre a classe trabalhadora. Podemos citar o descaso que sofrem os trabalhadores terceirizados como os casos de trabalho em condições comparáveis a de escravo, o alto número de acidentes de trabalho, as jornadas excessivas que vão além das capacidades humanas, os baixos salários, o não recebimento de verbas rescisórias, além de a terceirização pôr fim à representação sindical, já que não existira trabalhadores metalúrgicos, ou comerciários, mas simplesmente, prestadores de serviços. Ficando assim impossibilitada a capacidade de organização dos trabalhadores, os tornando mais vulneráveis a futuros ataques aos direitos que ainda lhes restam.

Podemos colocar em números caso ainda reste duvidas sobre as mazelas da terceirização. Em recente pesquisa feita pelo Dieese, os resultados sobre as condições de trabalho que os terceirizados estão submetidos são alarmantes e nefastos. A pesquisa demonstrou que o salário médio dos trabalhadores terceirizados é cerca de 36% menor em contraponto com o de um não terceirizado da mesma categoria. Os terceirizados tem em média o acréscimo de três horas semanais a mais. Além do fato de estarem sujeitos a maiores riscos de vida, pois 64% dos acidentes de trabalho atingem essa parcela de trabalhadores. E de cada 10 mortes no trabalho, 8 envolvem os terceirizados.

O texto do então Projeto de Lei apresentado pelo deputado Sandro Mabel diz o seguinte:

“O mundo assistiu, nos últimos 20 anos, a uma verdadeira revolução na organização da produção. Como conseqüência, observamos também profundas reformulações na organização do trabalho. Novas formas de contratação foram adotadas para atender à nova empresa. Nesse contexto, a terceirização é uma das técnicas de administração do trabalho que têm maior crescimento, tendo em vista a necessidade que a empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço. No Brasil, a legislação foi verdadeiramente atropelada pela realidade. Ao tentar, de maneira míope, proteger os trabalhadores simplesmente ignorando a terceirização, conseguiu apenas deixar mais vulneráveis os brasileiros que trabalham sob essa modalidade de contratação.” (MABEL, 2004)

Os paladinos da justiça e dos bons costumes que habitam o congresso nacional, utilizaram os dizeres de que a terceirização traria novos empregos, impulsionaria a economia brasileira, e que ela é uma adaptação das novas relações de trabalho que o nosso século exige. Porém sabemos que as falas daqueles que defendem a terceirização são falaciosas. Visto as condições precárias que são expostos os trabalhadores terceirizados, o defendido aumento de empregos ofertados seria o aumento nas condições precarizantes de trabalho. Sabemos também que a economia não é impulsionada e regulada pela forma que se dá as relações jurídicas de trabalho, logo, o fato do trabalhador ser terceirizado ou não, não interfere no funcionamento da economia, pois esta é regida pelo processo e pela dinâmica de produção e circulação de mercadorias. Podemos chegar a ter o efeito inverso, já que os trabalhadores terceirizados de fato ganham menos, e com a diminuição dos salários diminui a arrecadação e a capacidade de compra dos trabalhadores, assim o mercado interno é afetado, e a economia do país sofreria os danos opostos do impulso econômico defendido por aqueles que querem legalizar a terceirização.

 

Anseios neoliberais e a busca por mais-valia

De fato, a técnica da terceirização não advém da recente reestruturação produtiva conhecida como Toyotismo. Trata-se, em verdade, de uma recauchutagem de instrumento que data do início da própria Revolução Industrial, em fins do século XVIII e início do século XIX.

[…] Apesar de não haver nada de novo quanto à existência do instituto, a sua aplicação como instrumento central ao contexto da reestruturação produtiva ocorrida a partir do final dos anos 1970 é a grande novidade. (CARELLI, 2015)”

Assim Carelli descreve que aquilo que chamamos no Brasil de terceirização, não é algo especifico do século XXI, mas a forma que ela é utilizada no contexto de reestruturação das forças produtivas no Toyotismo acaba se constituindo numa novidade. A terceirização enquanto uma forma ‘’triangular’’ de se estabelecer relações de trabalho, esteve presente desde a gênese do desenvolvimento e acumulação do capital, e pode-se ser observada nas sociedades escravistas, como o Império Romano.

Com a substituição do modelo de produção fordista pelo Toyotismo, a terceirização passou a ser empregada de maneira efetiva, da forma pratica que conhecemos hoje. O Fordismo baseava-se numa produção de mercadorias em grande escala, feitas de forma padronizadas, numa única unidade fabril. Sendo que na década de 70 acabou sendo substituído como padrão de organização ideal da produção pelo Toyotismo. Este nas palavras de Carelli:

[…] propõe a concentração da empresa em sua atividade nuclear, entregando tarefas acessórias, complementares e periféricas a empreendedores especializados nessas atividades, para a produção de mercadorias diversificadas e a partir da demanda do mercado. Assim, para a realização de um produto, concorreriam empregados de várias empresas, em uma miríade de formas contratuais, sendo uns mais estáveis (aqueles da empresa principal), e outros detentores de diversos níveis de precariedade. As empresas se organizam em rede, formando laços vários de dependência mútua. (CARELLI, 2015)

A idéia de terceirização, assim como sua pratica, não são recentes. Ressurgem atualmente como medidas que buscam impulsionar o lucro das empresas sobre os trabalhadores neste momento de queda da taxa de lucro. O PL 4330 tem como busca, manter e ampliar os lucros das empresas, transformando assim o ‘’comercio de gente’’ em algo legal e rentável. Não bastando à necessidade degradante do ser humano de ter que vender sua força de trabalho para conseguir sobreviver, a lei da terceirização busca o lucro a qualquer custo. O PL 4330 é uma emanação dos anseios neoliberais do capitalismo brasileiro em seu exuberante delírio. A terceirização consiste numa forma de extração da mais-valia, pois transforma setores que não a produziam, em produtores da mesma.

Luta de Classes e o PL4330

Portanto, a terceirização como uma forma ‘’triangular’’ de se estabelecer relações de trabalho envolvendo uma empresa contratante, outra contratada e o trabalhador, ocasionará gravíssimas mazelas para a classe trabalhadora. Os trabalhadores ficarão expostos a acidentes, mortes, adoecimentos, salários irrisórios, jornadas intensas, desemprego, trabalho precário, entre outros problemas. A terceirização também resultara na fragmentação da classe trabalhadora, na dificuldade de formação da consciência de classe, além de estimular a concorrência entre os trabalhadores, e destruir o poder de resistência, organização e luta trabalhista.

O fato de ser aprovado um projeto de lei que terá como resultado de sua efetivação um golpe duríssimo à classe trabalhadora, no inicio de um novo mandato de um presidente do Partido dos Trabalhadores, é algo de se observar. Este partido que ao decorrer deste século, negou a luta de classes e colocou em seu programa a conciliação das mesmas. Mas, como os ganhos do neodesenvolvimentismo não são eternos, a própria realidade concreta pôs fim à proposta ilusória da conciliação de classes defendida pelo PT. Como diria Dilma ‘’a vaca tossiu’’. O antagonismo que se mostra evidente quando vemos quem se beneficia e de um outro lado quem sofre com o PL 4330, e por quem são representados estes lados, trazem a visão da realidade, mostrando de uma forma concreta a luta de duas classes antagônicas, e os reais interesses das mesmas. Mostra que não se pode confiar no reformismo, e no cretinismo parlamentar, pois estes não podem levar a classe trabalhadora a sua emancipação, esta só se tornara possível com a ruptura total das formas de produção vigentes.

Como descreveu Ruy Braga, a aprovação da PL 4330 é uma derrota histórica, mas podemos dizer que certamente não é o fim da história. É um golpe que atinge a classe trabalhadora de forma duríssima, mas os protagonistas da história, os trabalhadores, certamente não ficarão observando enquanto estão sendo destituídos de seus direitos. O resultado final do PL 4330, se ela realmente será valida ou não, ainda dependera daqueles que serão mais atingidos com a sua efetivação, ou seja, dependera dos autores da história, dependera da própria classe trabalhadora. A única forma que a classe trabalhadora tem de verdadeiramente impedir o PL 4330, não é através do parlamento, da justiça, ou de outras entidades burguesas. É no campo máximo de expressão das lutas de classes, é na área de domínio dos trabalhadores que se torna possível uma vitória dos trabalhadores sobre o PL 4330, e tudo de nefasto que ele representa. Somente através da paralisação dos trabalhos, de greves, do acirramento da luta de classes, e grandes manifestações populares, que essa vitória se tornara possível. Somente com a consciência de classe, e organização, que a classe trabalhadora assumidamente lutando como classe trabalhadora pode ainda ter esperanças da não efetivação da PL 4330.

Bibliografia:

BRAGA, Ruy. A Terceirização é a Grande Expressão da Tragédia do Trabalho no Brasil. Disponível em: <http://www.pstu.org.br/node/21375> .

CARRELI, Rodrigo de Lacerda. A Terceirização no Século XXI. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/01/a-terceirizacao-no-seculo-xxi/>.

DRUCK, Graça. A Terceirização no Setor Publico e a Proposta de Liberação da Terceirização pelo PL4330. Disponível em: <http://blogdaboitempo.com.br/2015/04/01/a-terceirizacao-no-setor-publico-e-a-proposta-de-liberalizacao-da-terceirizacao-pelo-pl-4330/>.

MACEDO, Carlos. Terceirizados trabalham 3 horas a mais, e ganham 25% a menos, aponta estudo da CUT. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2015/04/09/terceirizados-trabalham-3h-a-mais-e-ganham-25-menos-aponta-estudo-da-cut.htm>.

SANTOS NETO, Artur Bispo dos. Trabalho e Tempo de Trabalho na perspectiva marxiana. São Paulo: Instituto Lukacs, 2013.