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Empresariado e ditadura militar: monitoramento do movimento operário

Amanda Menconi Hornhardt, Antonio Brunheira e Richard Martins

Este artigo é parte do relatório que o Grupo de Pesquisa da Comissão da Verdade dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região enviou à Comissão Nacional da Verdade. Ele é fruto da atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e da Central Sindical e Popular – Conlutas (CSP-CONLUTAS) junto ao Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Neste relatório, buscamos aprofundar as pesquisas documentais sobre a perseguição política ao movimento operário e suas organizações, empreendida pela Ditadura Civil-Militar instaurada com o Golpe de 1964. O principal tema de pesquisa foi a vinculação das empresas com a repressão. A pesquisa documental foi realizada nos arquivos do Serviço Nacional de Informações localizados no Arquivo Nacional (BR-AN) e no acervo do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), atualmente disponibilizadas pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). Além dos documentos, o grupo realizou entrevistas com metalúrgicos que foram perseguidos no período e hoje são anistiados políticos e com um aposentado que foi Diretor de Recursos Humanos da General Motors durante a década de 1980.

O relatório está dividido em três capítulos. O primeiro deles trata de monitoramentos das atividades do movimento operário, suas entidades e organizações; o segundo é dedicado à colaboração entre as empresas e os órgãos ditos “de segurança” da Ditadura; o terceiro desenvolve a questão das demissões políticas e da existência de “listas negras” para evitar a admissão de operários com histórico de envolvimento em greves ou participação em organizações políticas nas empresas da região.

O Vale do Paraíba

Antes de mais nada, é necessário localizarmos a região estudada. O Vale do Paraíba configura-se pelo menos desde a década de 1960 como um polo industrial, reunindo em uma única região diversas empresas de vários ramos econômicos, muitas delas de grande porte. Especialmente no ramo metalúrgico, cabe citar as gigantes GENERAL MOTORS (São José dos Campos), VOLKSWAGEN (Taubaté) e EMBRAER (SJC), além da NATIONAL (atualmente, PANASONIC – SJC). Outra característica marcante da região é a forte presença de instituições militares. Além do Comando de Aviação do Exército (Cmdo Av Ex), localizado em Taubaté, importantes unidades da Aeronáutica situam-se na região: o Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) em São José dos Campos e a Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAer) em Guaratinguetá. A presença de fábricas de artefatos bélicos no Vale do Paraíba, tais como a AVIBRAS e a ENGESA, era outro elemento que ressaltava sua importância, ao mesmo tempo econômica e militar. Por fim, vale apontar ainda que a região é atravessada pela Via Dutra, uma das mais importantes rodovias que ligam São Paulo ao Rio de Janeiro, rota essencial para a circulação de cargas e pessoas.

  1. Monitoramento
  1. Definição

Podemos definir monitoramento como o conjunto de práticas cujo objetivo era a produção e difusão de informações sobre as atividades promovidas por pessoas, entidades e organizações consideradas “subversivas” pelos organismos de segurança do Estado e seus colaboradores. Esse conjunto de práticas incluía, entre outras, o acompanhamento eventual ou cotidiano de indivíduos, de reuniões privadas e de atividades públicas, a vigilância ostensiva, os “grampos” telefônicos, a espionagem e a infiltração de agentes em organizações e entidades. Os principais alvos do monitoramento eram os membros de organizações políticas clandestinas, as lideranças sindicais combativas e os parlamentares de oposição.

Há uma quantidade enorme de documentos comprovando a recorrência das práticas de monitoramento levadas a cabo por organismos estatais, mas encontramos também casos em que os responsáveis pela obtenção e pela difusão de informações sobre as atividades políticas e sindicais do movimento operário eram funcionários de empresas privadas, empregados pelas mesmas.

  1. Produção e Difusão de Monitoramentos

Tratando da região do Vale do Paraíba (SP), a grande maioria dos exemplos de monitoramento que encontramos é proveniente de um tipo específico de documento, os “Informes” (ou “Informações”). Esses documentos eram redigidos por Oficiais de Informações (OI’s) sob os auspícios das Divisões de Informações de órgãos da Aeronáutica, especialmente dois: o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e a Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAer).

Os informes elaborados nesses órgãos eram difundidos regularmente pela região do IV Comando Aéreo Regional (IV COMAR) e para o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA). Mas, como é sabido, a “comunidade de informações” promovia um amplo intercâmbio de dados e referências sobre os indivíduos e organizações monitoradas, através de uma vasta rede, coordenada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI). É possível ter dimensão de como funcionava esse intercâmbio de informações entre os distintos órgãos de segurança a partir da infinidade de monitoramentos produzidos pela Aeronáutica e pelo Exército que podem ser encontrados no fundo do DEOPS, disponível para consulta no Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP). O próprio DEOPS também promovia monitoramentos, além de receber cotidianamente solicitações dos dados disponíveis nos prontuários das pessoas e organizações monitoradas por outras agências.

  1. Monitoramento de Atividades Sindicais e do Movimento Operário do Vale do Paraíba

Uma das maneiras pelas quais as entidades sindicais eram monitoradas era a simples compilação dos materiais por elas publicados, como panfletos e jornais. O Encaminhamento nº 026-AI/CTA/83 de 19 de maio de 1983 da Divisão de Informações do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), traz em anexo panfletos emitidos pelo sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, Caçapava, Jacareí e Santa Branca, convocando os trabalhadores para uma assembleia e informando-os que a Embraer demitira funcionários com mais de 10 anos de casa e que, em negociação com a diretoria do sindicato, afirmou que o processo de demissão atingiria outros setores. A edição nº 16, Ano 2 do Jornal do Metalúrgico, publicada pelo sindicato naquele mês, também está anexada ao Encaminhamento do CTA. (Encaminhamento nº 026-AI/CTA/83 de 19 de maio de 1983. BR_AN_BSB_VAZ_049_0137.)

As atividades desenvolvidas pelo movimento operário também eram vigiadas e detalhadamente descritas nos Informes produzidos pelos militares. Operativos de sindicalização de funcionários da Embraer, por exemplo, eram acompanhados pela Divisão de Informações do CTA, que buscava registrar a quantidade de operários sindicalizados e os nomes dos sindicalistas que realizavam a tarefa. (Informe nº 282/A2/IV COMAR, de 27 de julho de 1981. p. 1. BR_AN_BSB_VAZ_048_0139.)

As greves eram rigorosamente monitoradas, por diversos órgãos e de muitas maneiras. O Informe nº 045/DIF/CTA/81, por exemplo, relata o funcionamento dos piquetes da greve na Embraer no dia 30 de outubro de 1981, bem como o esquema organizado em seguida para garantir a entrada dos “fura-greves”, que “consistia na passagem dos ônibus e carros através do CTA para a Embraer, além do policiamento ostensivo da Polícia Militar do estado de São Paulo (…) nas vias de acesso”. O Informe trata ainda das demissões, contra as quais a greve fora organizada. (Informe nº 045/DIF/CTA/81, de 4 de novembro de 1981. p. 1. BR_AN_BSB_VAZ_049_0060.)

O documento traz em anexo nove recortes de diferentes jornais de grande circulação (“VALE PARAIBANO” de São José dos Campos e “FOLHA DE SÃO PAULO” da capital) com notícias sobre a greve, um procedimento bastante comum nos órgãos da “comunidade de informações”. O DEOPS, por exemplo, recebia de várias delegacias por todo o estado exemplares da imprensa local que trouxessem notícias sobre o movimento operário, pessoas, organizações ou situações suspeitas. Essas compilações vinham acompanhadas de breves resumos elaborados pelos próprios remetentes, ou então eram sintetizadas por OI’s da Divisão de Informações Sociais (DIS) do DEOPS. Tais documentos constituíam as “resenhas jornalísticas”, ao mesmo tempo produtos e ferramentas de monitoramento. (Exemplo: “Resenha Jornalística da região Policial do Vale do Paraíba, relativa ao período de 11/10 a 19/10/84, e 26/10 a 01/11/84”. R. J. nº 069/84. Fundo DEOPS. 17-S-36, pasta 3, doc. 159. p. 1)

Os operários que participavam da direção das greves, e em especial os que faziam parte de organizações políticas, eram acompanhados frequentemente, produzindo-se relatos das atividades em que se envolviam, bem como sistematizações dos dados disponíveis sobre eles (a “qualificação”). O Informe n.° 619/A-2/IV COMAR de 4 de outubro de 1983, com origem no CTA e tendo por assunto a “Greve dos Operários da Embraer”, procede um minucioso levantamento de dados (local de residência, filiação, naturalidade, cargo que ocupava na empresa, documentos, etc.) e registra o monitoramento da atividade política de quatro ativistas da Embraer, demitidos logo após o fim da greve:

“I – QUALIFICAÇÃO:

1 – LADISLAU FELIPE PEREIRA TAVARES – (Vulgo Português) – filho de Ladislau Antônio Tavares e Maria Natalia Pereira – DLN: 27/08/47 – Senhora da Hora – Portugal – RG nº… 3.660.488 – Cart Prof: 031.544 – série 360a São Paulo – cargo: Inspetor de Qualidade – admitido na EMBRAER em 26/03/79 e demitido em 23/08/83 – residente a Rua 20, 280 – Pque Califórnia – Jacareí – SP.

2 – MIRIAM DE OLIVEIR A LAZARIM – RG 11.036.985 – DI/SP – filha de Gerson Lazarim e Elza de Oliveira Lazarim DLN: 01/06/59 – SJCampos – SP – Cart Prof: 075.840 série 462a – São Paulo – cargo: Auxiliar de Escritório – admitida na EMBRAER em 16/06/80 e demitida em 22/07/83 – residente na Rua Mário Sampaio Martins, 72 – Centro – SJCampos – SP.

3 – ANTÔNIO DONIZETE FERREIRA – RG 11.213.156 – filho de Francisco Pinto Ferreira e Terezinha Fernandes dos Santos – DLN: 09/01/58 – Guaranésia – MG – Cart Prof: 068.691 – série 281a MG – CPF: 976479008-91 Cart de Reservista nº: 513.013 – Mex – Título de Eleitor: 46.858 – Zona 62 – Seção 105 – casado – admitido na EMBRAER em 07/11/79 e demitido em 22/07/83 – cargo: Preparador de Material “B” – residente na Rua Hermenegildo Scareni, 86 – Pque Industrial – SJCampos – SP.

4 – ARALDO TODESCO – RG 7.707.570 – DI/SP – filho de Gulivar Todesco e Idalina Barbaresco Todesco – DLN:10/10/57 Sorocaba – SP – Cart Prof: 81.775 – série 531a – São Paulo cargo: Desenhista Técnico – Cart Reservista: 45002 6 – MEx série “A” 2a Categoria – admitido na EMBRAER em 08/02/78 e demitido em 22/07/83 – casado – residente na Av Mário Galvão, 560 – Vila Galvão, 560 – Vila Maria – SJCampos – SP.

Todos faziam parte da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), da EMBRAER, eleitos em Mar 83.

Todos faziam parte da Corrente Radical do PT e eram grandes opositores da atual diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de SJ Campos.

(…)

Todos participaram ativamente da greve de 21 Jul tendo sido vistos participando de piquetes em vários locais de SJCampos.

DONIZETE pertence à Convergência Socialista e tinha e tinha a incumbência de arregimentar elementos na cidade de Jacareí. Após a greve do dia 21 Jul a Embraer tomou a decisão de demitir os 04 (quatro) funcionários.

II – Após a greve do dia 21 Jul, a EMBRAER tomou a decisão de demitir os 04 (quatro) funcionários. LADSLAU não pôde ser demitido, porque durante a greve sofreu escoriações de rivais e foi afastado pelo Seguro Médico, tendo retornado ao trabalho, foi demitido em 21 ago 83. DONIZETTE e MIRIAM recusaram a abandonar as imediações (externas) da Embraer, tentaram fazer tumulto e conseguir adesão de mais funcionários; presentes estavam ERNESTO GRADELA NETO (Vereador PT/SJCampos), GIZELDA GALVES GRADELA (esposa do Vereador), MARIA INEZ OLIVEIRA, sendo todos recolhidos por viaturas da PM/SP levados e soltos no centro da cidade. No mesmo dia, em reunião no Sindicato, aproximadamente 300 (trezentos) funcionários votaram e foi decidido uma greve, no dia 25 Jul, em protesto contra as demissões.

No dia 25 Jul o CTA deslocou uma pequena fração de tropa; 01 Capitão, 01 Tenente e 15 soltados fins guarnecer o patrimônio da EMBRAER e dar garantias aos trabalhadores que desejavam trabalhar, pois no dia 22 de Jul o líder sindical JOSÉ MAGNO ALVARES LEANDRO tentou reunir sindicalistas dentro da empresa, tendo sido colocado para fora.

III – Em carta distribuída aos empregados da EMBRAER; PORTUGUÊS, MIRIAM, TONINHO e ARALDO enalteceram a greve geral do dia 21 como sendo a primeira greve geral, dizem que foram demitidos porque tornaram-se um obstáculo às intenções da direço da EMBRAER em impor a política econômica do governo.”

(Informe n.° 619/A-2/IV COMAR de 04 de Outubro de 1983. pp.1-2. BR_AN_BSB_VAZ_057A_0055.)

Os Atos e Manifestações conduzidos pelos sindicatos eram objeto da vigilância estatal. Por ocasião de um ato público, realizado na Praça Afonso Pena em São José dos Campos (SP), no dia 18 de agosto de 1984, em repúdio às demissões dos funcionários da Embraer após a greve daquele ano, foi produzido o Informe nº 751/A-2/IV COMAR, de 21/08/1984. Nele, constam a quantidade de pessoas presentes no ato, os nomes, ocupações e vínculos políticos e sindicais daqueles que fizeram uso da palavra, transcrições completas de algumas falas, as palavras de ordem que apareciam nos cartazes e faixas e até mesmo as placas de alguns automóveis que estiveram no local.

“1. No dia 18Ago84, na praça Afonso Penna, em frente a Câmara Municipal de São José dos Campos, foi realizado um ato publico de “repúdio” à demissão dos funcionários da EMBRAER, com início às 10:20hs.

  1. Compareceram ao evento pouco mais de 100 pessoas, entre os quais representantes das empresas ENGESA, ERICSON, PHILIPS e ROQUE de Tal, vereador de Caçapava – SP. Estes representantes, embora presentes, não fizeram o uso da palavra.
  2. Fizeram uso da palavra:

– ANTÔNIO DONIZETE FERREIRA – “TONINHO”, Secretário Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos – SP.

– Vereador CLEMENTINO – PMDB/SJC.

– FRANCISCO – Representante da Associação de Moradores do Bairro Jardim Copacabana.

– MUNIR GHATTAS – Representante da União Joseense de Estudantes Secundaristas – UJES.

– JOSÉ BENEDITO DE OLIVEIRA – Representante da CUT no Vale do Paraíba, Vice-Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos-SP.

– IVANIL RIBEIRO DA SILVA – Representante da GM.

– MÁRCIO FERREIRA MARTINS.

– EDER – Representante da NATIONAL.

– FRANCISCO ASSIS DE SOUZA – Representante da EMBRAER.

– CLÁUDIO – Representante da Comissão de Fábrica da TURIM.

– “TATU” – Representante do Sindicato dos Calçados.

– DIAS – Representante dos Condutores Rodoviários de São José dos Campos – SP.

– RONALDO – Tesoureiro da CUT, Presidente do Sindicato dos Petroleiros de São José dos Campos – SP.

– JOSÉ LUIZ GONÇALVES – Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. – Vereador BRÁS CÂNDIDO – PT/SJC.

(…)

  1. Foram anotadas as seguintes placas:

XP-7369 – Caçapava – SP (carreta que transportou os alto falantes e panfletos);

DF-1169 – DODGE VERMELHO (Conduziu faixas);

XJ-2810 – São José dos Campos – SP – VW Amarelo;

DF-2105 – São José dos Campos – SP – VW Bege;

DG-2931 – São José dos Campos – SP;

EX-1399 – São José dos Campos – SP;

DG-5844 – São José dos Campos;

DG-6602 – São José dos Campos – SP;

DH-4708 – São José dos Campos – SP – FIAT Verde;

ED-6257 – MOGI DAS CRUZES – SP;

UT-4410 – Guaratinguetá – SP; e

DF-6523 – São José dos Campos – SP.”

(Informe nº 751/A-2/IV COMAR, de 21 de agosto de 1984. pp. 1-2. BR_AN_BSB_VAZ_014_0091.)

A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) era outra entidade que tinha suas atividades e dirigentes frequentemente monitorados. A Assessoria de Segurança e Informações (ASI) da Embraer, em colaboração com os coordenadores de segurança de outras empresas do Vale do Paraíba – assunto que exploraremos no próximo capítulo deste relatório – produziu o Informe nº 068/87-ASI/EMBRAER em 02 de julho de 1987, que listava os membros da direção da CUT que participariam de um curso na Alemanha Oriental:

“I — A CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT) teria designado para participarem de um curso na REPÚBLICA DEMOCRÁTICA ALEMÃ (RDA), os seguintes militantes:

1) ARLINDO CHINÁGLIA JÚNIOR do SINDICATO DOS MÉDICOS DE SÃO PAULO e Suplente da Direção Nacional da CUT.

2) CYRO GARCIA, do SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO RIO DE JANEIRO, Suplente da Executiva Nacional da CUT e militante da CS.

3) GERALDO CÂNDIDO DA SILVA, do SINDICATO DOS METROVIÁRIOS DO RIO DE JANEIRO/RJ.

4) MARIA APARECIDA MIRANDA, Presidente do SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE UNAÍ/MG e membro da Direção Nacional da CUT.

5) RICARDO MORAES DE SOUZA, militante da CUT/MANAUS/AM.

6) VERA LÚCIA FERREIRA GOMES, do SINDICATO DOS PROFESSORES DE RECIFE/PE, Suplente da Executiva Nacional da CUT e militante do PRC.

OBS: Os dados do presente informe foram obtidos com base na reunião dos Coordenadores de Segurança.”

(Informe nº 068/87-ASI/EMBRAER, de 02 de Julho de 1987. p. 1.  BR_AN_BSB_VAZ_102_0061.)

  1. Monitoramento de Organizações Políticas e Parlamentares Oposicionistas

Há uma farta documentação que resulta dos monitoramentos das organizações políticas ditas “subversivas”, ou seja, dos partidos e coletivos políticos, clandestinos ou legalizados, que faziam oposição ao regime vigente entre 1964 e 1985, mas que permaneceram sendo acompanhados pelos órgãos de inteligência do Estado mesmo após o fim da Ditadura Civil-Militar. Entre os documentos que tratam de organizações oposicionistas (já então legalizadas) e que foram consultados para a elaboração do presente relatório, os últimos datam de 1989. (Exemplo: ASP_ACE_021603/89. p. 2.)

As práticas que permitiam esses monitoramentos também eram variadas. Além de compilarem materiais tornados públicos, identificarem e seguirem seus militantes, também é sabido, graças a casos como o do famigerado Cabo Anselmo, que a infiltração de agentes nessas organizações era prática recorrente. Além das apreensões realizadas quando da prisão de militantes ou da queda de “aparelhos” dessas organizações, a presença de infiltrados é uma das principais explicações para que encontremos documentos internos dessas organizações nos arquivos do SNI. Um exemplo entre inúmeros: a Informação nº 509-B/82 de 16 de abril de 1982, produzida pelo DEOPS, traz em anexo o “Balanço de Atividades – 2ª Parte”, documento congressual da CONVERGÊNCIA SOCIALISTA, destinado apenas aos militantes da organização. (APESP. FUNDO DEOPS. Microfilme 08.03.151, pasta 203, 20-c-44, doc. 23.257.)

Na região do Vale do Paraíba, a CONVERGÊNCIA SOCIALISTA (CS) era uma das organizações mais monitoradas. Ao longo de sua trajetória, esse agrupamento trotskista adotou outros três nomes – Liga Operária (LO), Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) e Alicerce da Juventude Socialista (AJS) – até criar o Movimento Convergência Socialista em 1978. A partir dele, defendeu a fundação de um “Partido Socialista”, optando em seguida pela construção do “Partido dos Trabalhadores” (PT), do qual seria uma das correntes fundadoras. Com o crescimento da organização no Vale do Paraíba, sobretudo no setor metalúrgico, seus principais dirigentes e militantes passam a ser rigorosamente monitorados ainda em fins dos anos de 1970.

Serve-nos de exemplo o Informe nº 822/A2/IV COMAR, de 9 de dezembro de 1983, que reproduz informações produzidas pelo II Exército e que foram difundidas pelo CISA. Seu assunto é o “Núcleo do AJS na Embraer”: trata da organização ALICERCE DA JUVENTUDE SOCIALISTA (AJS) atuante naquela empresa, trazendo uma estimativa numérica de quantos funcionários da fábrica estariam envolvidos com o agrupamento, bem como uma listagem daqueles que já haviam sido identificados (“simpatizantes” ou “militantes aderentes”). (Informe nº 822/A2/IV COMAR, de 9 de dezembro de 1983. p. 1. BR_AN_BSB_VAZ_011_0047.)

O PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B), organização que seria legalizada apenas em 1987, também foi amplamente monitorado. Outro documento elaborado pelo II Exército, difundido pela Agência Central do SNI, de 30 de janeiro de 1985, informa a filiação política de um operário da Embraer ligado ao PC do B e registra seu endereço, procedimento comum que visava facilitar posteriores monitoramentos:

“1. ANTONIO CARLOS MATOS, funcionário da EMPRESA BRASILEIRA DE AERONAUTICA (EMBRAER), em SÃO JOSÉ DOS CAMPOS/SP, é militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B), estruturado na célula que funciona no interior daquela Empresa.

  1. O nominado reside a Rua 21 de Abril, 403 – Bairro EUGÊNIO DE MELO – SA0 JOSÉ DOS CAMPOS/SP.”

(ACE nº 053439/86, de 05 de Fevereiro de 1985, baseado no Informe n.° 0107/S-102-A8.1-CIE, de 30 de janeiro de 1985. p. 2. AC_ACE_53439_86.)

Outro informe, este elaborado pela própria Agência de Segurança e Informações (ASI) da EMBRAER, registra a ocorrência de uma panfletagem de materiais do PC do B nas imediações da empresa. Segundo o documento, “entre os panfletadores, foi identificado o vereador JOÃO BOSCO DA SILVA”, eleito pelo PMDB e “clandestinamente” ligado ao PC do B. O uso das aspas se justifica porque, à altura, a situação de clandestinidade da organização comunista já era bastante relativa, não mais impedindo seus militantes de realizarem atividades públicas e reivindicarem o partido, como frequentemente fez o vereador monitorado. (Informe Nº 026/85/ASI/EMBRAER de 11 de setembro de 1985. BR_AN_BSB_VAZ_047_0140.)

O metalúrgico anistiado VALDENIR MOTA DE FARIA, demitido político da Embraer, solicitou em 2011 junto ao Arquivo Nacional “certidão de dados existentes no acervo do Serviço Nacional de Informações e todos os demais fundos correlatos” sobre ele mesmo. Em cumprimento desse requerimento (Requerimento Protocolado nº 443/2011), recebeu da Coordenação Regional do Arquivo Nacional no Distrito Federal o Ofício nº 566/2011/COREG-AN, informando-o de que seu nome constava em um CAD (B2486295), em 8 dossiês do SNI (BASE DE DADOS SNIG) e em 6 dossiês do CISA (FUNDO CENTRO DE SEGURANÇA E INFORMAÇÕES DA AERONÁUTICA).

O CAD que remete a VALDENIR MOTA DE FARIA é um documento muito revelador da natureza dos monitoramentos. Espécie de cadastro, atualizado em diversas datas, trazia dados que facilitavam a identificação do monitorado, bem como uma avaliação do “grau de risco” que ele oferecia ao regime. Além de campos como “Endereço Atual e Anterior” e “Atividade Atual e Anterior”, um campo “Ideologia” trazia uma caracterização detalhada do indivíduo: no caso de Valdenir, o campo “Ideologia” do CAD estava preenchido com algumas informações, entre as quais “Organização ideológica: PC do B”, “Posição ideológica: militante” e “nível de atuação: inexpressivo”. Podemos concluir que, através de caracterizações tão detalhadas quanto possível dos ativistas, a “comunidade de informações” definia suas prioridades, a intensidade e as táticas dos monitoramentos. (CAD B2486295. Ofício nº 566/2011/COREG-AN, p. 1)

Parlamentares oposicionistas, em especial os ligados ao PT, PC do B e da ala esquerda do PMDB, eram frequentemente monitorados. Suas atividades parlamentares e declarações à imprensa eram constantemente registradas pelas “resenhas jornalísticas” do DEOPS. Mas o monitoramento de alguns deles ia além disso. Um documento avulso que tem por título o nome de ERNESTO GRADELLA NETO, além de trazer a filiação, data e local de nascimento do então deputado federal, informa que no dia 22 de julho de 1983, o mesmo foi detido pela Polícia Militar na porta da Embraer “por promover agitações em protesto às demissões de 3 funcionários daquela empresa. Nesta época era também funcionário da Embraer, sendo demitido por ‘falta ao serviço’ e ‘incitamento à greve’.” O documento prossegue, apresentando um breve histórico das atividades políticas do parlamentar:

“Fundador do PT em São José e Caçapava/SP.

Coordenador do departamento nacional de trabalhadores em educação da CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT).

Nas eleições de 15 NOV 1986, foi eleito suplente de deputado federal pelo PT.

Em JAN 89, assumiu ao [SIC] cargo de deputado federal, substituindo EDUARDO JORGE MARTINS ALVES SOBRINHO que assumiu a Secretaria de Higiene e Saúde do município de São Paulo.

É militante da CONVERGÊNCIA SOCIALISTA (CS)”.

(Arquivo Nacional. ASP /ACE 21603/891, de 02 de maio de 1989, p. 1.)

Demonstraremos a seguir indícios de que também para as empresas do Vale do Paraíba, as questões de segurança política e patrimonial estavam intimamente relacionas e em profunda consonância prática e ideológica com as concepções vigentes no aparelho de Estado ditatorial.

  1. Monitoramento por iniciativa das empresas

Na primeira Informação da série documental confidencial sobre o CECOSE – que será descrita em detalhe no próximo capítulo – produzida pela Aeronáutica, um OI da Divisão de Informações da EEAer relata ter recebido de um representante da Volkswagen um documento cujo título é “Lembretes”, e que consta anexo à Informação nº 042/SIS/EEAer/83, de 18 de julho de 1983. O texto elaborado pelo representante da Volkswagen e distribuído aos militares e chefes de segurança de empresas que compunham o CECOSE, é um dos mais detalhados e rigorosos exemplos de monitoramento.

Os “Lembretes” nada mais são que os relatos de acontecimentos relacionados ao movimento operário e suas organizações, em diferentes regiões do estado de SP, registrados pela Volkswagen no mês de Junho de 1983, comprovando a existência de operativos de inteligência sob a responsabilidade da empresa. Dentre os 14 itens que os compõe, grande parte trata das atividades do Sinsidcato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Mas a Volkswagen também monitorava com grande interesse os militantes de organizações clandestinas como o PC do B e o MR-8 e de correntes e partidos legalizados, como o a CS e o PT como um todo. Através do controle das vendas de jornais políticos e das campanhas financeiras ocorridas nas imediações e no interior de suas fábricas, a empresa buscava informar-se sobre o nível de estruturação e de influência dessas organizações. Reproduzimos os relatos dos monitoramentos dos militantes JOÃO BATISTA DA ROCHA LEMOS (PC do B) e UBIRACI DANTAS DE OLIVEIRA (MR-8):

“01. VENDAS DE JORNAIS DA IMPRENSA ALTERNATIVA NAS PORTARIAS VW

 – Nos dias 8, 13, 15,20, 22 e 27 JUN 83, alguns elementos estiveram vendendo os exemplares de nº 121, 122, 123e 124 do jornal Tribuna da Luta Operária. Dentre eles foram identificados JOÃO BATISTA DA ROCHA LEMOS (da Comissão de Moradores do Centréville/Santo André e pertencente ao PC do B) e uma VERA DE TAL, também integrante do PC do B.

Na página 6 do exemplar nº 122 vendido dia 13 JUN, consta uma matéria intitulada “CCQ PROVOCA DESEMPREGO NA VOLKS”, abordando uma denúncia de um operário não identificado sobre os Círculos de Controle de Qualidade da Empresa. O preço do jornal foi majorado de Cr$ 70,00 para Cr$ 100,00.

Apesar da pouca aceitação do jornal por parte dos funcionários, segundo JOÃO BATISTA, não desistirão de vir semanalmente as portas da fábrica, pois, por pouco que seja vendido é o suficiente para divulgar e denunciar o que há de errado na WW, no Brasil e no Mundo.

  1. VENDA DE BÔNUS NA FÁBRICA VW DO IPIRANGA(SP)

 – No dia 6 JUL 83,UBIRACI DANTAS DE OLIVEIRA, colaborador do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, esteve na portaria da VW – Fábrica II vendendo bônus (no valor de Cr$ 1.000,00) do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) aos funcionários da empresa. Neste bônus existe a foto de CLÁUDIO CAMPOS, diretor presidente da Hora do Povo, Suplente a Deputado Federal pelo PMDB condenado pela Lei de Segurança Nacional.

Segundo consta, o MR-8 está tentando introduzir nas empresas ligadas ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, a venda de bônus nos valores de um, cinco e dez mil cruzeiros. Através de UBIRACI DANTAS alguns funcionários VV estão sendo convidados a ingressarem no MR-8 nas seguintes condições:

  1. Vender bônus;
  2. Vender jornais Hora do Povo; e
  3. Colaborar mensalmente com quantia não estipulada.

UBIRACI DANTAS DE OLIVEIRA, militante do MR-8, participou do debate sobre o desemprego realizado no dia 25 ABR 83 em São Paulo, no Sindicato dos Jornalistas.

Em 1979 participou do 10º Congresso Metalúrgico do Brasil, realizado em Poços de Caldas/SP [SIC] e em 1982 foi candidato a Deputado Estadual pelo PMDB – não sendo eleito”.

(“Lembretes” – “Agenda do representante da Volks”. Anexo à Informação nº 042/SIS/EEAer/83, de 18 de julho de 1983. p. 3 BR_AN_BSB_VAZ_026A_0194.)

Contudo, era a atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema o principal objeto dos “Lembretes”. Um dos itens descreve a intervenção de um Diretor Suplente daquele sindicato junto aos alunos do CENTRO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DA VOLKSWAGEN; outro relata a participação de membros do sindicato numa Assembleia dos mutuários do Banco Nacional de Habitação (B.N.H.); outro ainda, da sua atuação junto à Comissão de Desempregados de São Bernardo do Campo. Quando ligadas a temáticas contestatórias ou a mobilizações operárias, até mesmo atividades culturais, como as promovidas pela ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE E CULTURAL DOS METALÚRGICOS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO E DIADEMA eram monitoradas pela empresa. A riqueza de detalhes, novamente, é surpreendente:

“04. ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE E CULTURAL DOS METALÚRGICOS DE SBCAMPO E DIADEM A (FUNDO DE GREVE)

– Foi realizado no dia 17 JUN, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de SBCampo/Diadema, no período das 19:50 às 21:00 horas com a presença de aproximadamente 600 pessoas, o 22 Ciclo de Cinema com a exibição do filme “OUTUBRO – OS 10 DIAS QUE ABALARAM O MUNDO”.

Filme Russo, do Diretor SERGEI EIASENSTEIM [SIC], narra os principais episódios da Revolução Socialista na Rússia em 1.917.

Houve preparação do local para evitar uma possível apreensão da fita por parte do Departamento do Censura da Polícia Federal, haja vista ser a mesma censurada e a única cópia existente no Brasil, segundo os organizadores do evento. As escadas de acesso à cabine de projeção foram bloqueadas, o elevador desligado e vários elementos postaram-se nas imediações da cabine de projeção.

Na entrada da sala foi vendido por JOSÉ ARCANJO DE ARAÚJO – presidente do Fundo de Greve – vinho quente, quentão, pipoca e chocolate, com a finalidade de arrecadar fundos.

JOSÉ ALBERTO URBINATTI (TIN URBINATTI), Coordenador do Grupo de Teatro Forja, foi quem dirigiu os trabalhos, estando entre os presentes a Diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de SBCampo/Diadema, DJALMA DE SOUZA BOM (Deputado Federal pelo PT), JOÃO BATISTA DA ROCHA LEMOS e JANUÁRIO FERNANDES DA SILVA (Integrante da Comissão da Ford).”

(“Lembretes” – “Agenda do representante da Volks”. Anexo à Informação nº 042/SIS/EEAer/83, de 18 de julho de 1983. p. 4 BR_AN_BSB_VAZ_026A_0194.)

O relatório da Volkswagen também apresenta monitoramentos dos espaços de organização, deliberação e discussão política do movimento operário. O primeiro exemplo dessa prática constante nos “lembretes” da Volkswagen trata dos preparativos para o “IV CONGRESSO DOS METALÚRGICOS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO E DIADEMA”, que seria realizado no início de julho de 1983, na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Entre muitas informações, relata panfletagens relacionadas ao evento, a composição da comissão organizadora, quais os critérios para a eleição de delegados, quais os principais temas das discussões congressuais, e até mesmo dados sobre um automóvel guiado por um dos organizadores do Congresso:

07. ATIVIDADES DO SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SBCAMPO E DIADEMA.

– IVCONGRESSO DOS METALÚRGICOS DE SBCAMPO/DIADEMA

Será realizado na UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA (UNIMEP) nos dias 1, 2, 3, 9 e 10 de julho de 1.983.

Atualmente os organizadores do Congresso estão realizando reuniões preparatórias para escolha dos delegados que irão debater o seguinte temário: –

. Situação geral dos trabalhadores no Brasil hoje;

. Plano de ação da categoria e

. Movimento Sindical Nacional – CONCLAT/CUT.

A Comissão Organizadora composta por OSVALDO MARTINES BARGAS, HUMBERTO APARECIDO DOMINGUES e PAULO TARCISO OKAMOTO selecionou as inscrições para delegados que se encerraram no dia 24 JUN 83 (…)

Dia 21 JUN 83, foi realizada uma reunião com funcionários VW convidados pelos organizadores dentre os quais destacam-se:–

. CUSTÓDIO JOSÉ SOARES

. SÉRGIO ELEUTÉRIO e

. GEOVALDO GOMES DOS SANTOS

Estiveram presentes entre outros:-

. JOSÉ HENRIQUE MENDES, funcionário da Saab-Scania

. ANTONIO FERNANDES MARTINS, funcionário da Brastemp e

. JOSÉ ARCANJO DE ARAÚJO, integrante da Comissão de Fábrica da Ford e presidente do Fundo de Greve de SBCampo.

Na ocasião foi verificada a presença de uma Brasília branca, ano 75, Placas MN-6101 de Santo André, cujo ocupante vestindo camiseta amarela do IV Congresso esteve por alguns minutos dentro da sala de reuniões retirando-se antes do início da mesma. Posteriormente foi constatado que o proprietário do veículo é FERNANDO FRANCO DE OLIVEIRA – residente na Av. Varsóvia nº 486 – Utinga/SantoAndré.”

(“Lembretes” – “Agenda do representante da Volks”. Anexo à Informação nº 042/SIS/EEAer/83, de 18 de julho de 1983. pp. 6-7. BR_AN_BSB_VAZ_026A_0194.)

Também o “10º ENCONTRO ESTADUAL DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DO ESTADO DE SP”, realizado na colônia de férias do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo é relatado: informa-se a quantidade de delegados presentes (420) e, novamente, descreve-se de maneira sucinta as principais discussões e as principais propostas aprovadas.

O documento fala ainda da greve em curso na REPLAN – Refinaria do Planalto da PETROBRAS, e de uma paralisação de metalúrgicos, deflagrada durante seu IV Congresso, em solidariedade a ela. Durante as mobilizações, acompanha-se a atividade política de dirigentes operários ligados a sindicatos e ao PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT). Por fim, os “Lembretes” listam os nomes, a filiação, e os RG’s de quatro funcionários demitidos da Volkswagen por “justa causa”.

Os “Lembretes” dessa empresa não foram elaborados apenas uma vez. Em pesquisa no acervo do SNI junto ao Arquivo Nacional, encontramos outra “edição”, com o mesmo perfil da anterior, mas ainda mais voltada para as atividades políticas da diretoria do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, dando ênfase à preparação da Greve Geral marcada para 25 de outubro de 1983, e que acabou substituída por manifestações populares. A existência desse segundo documento sugere a recorrência desses esforços de monitoramento. (Informe nº 067-AI/CTA/83 de 16 de novembro de 1983. BR_AN_BSB_VAZ_049A_0039.)

A VILLARES S/A também desenvolvia sua versão dos “Lembretes”. O GP-CVM encontrou um “Relatório Informativo de Segurança Patrimonial” com quase vinte páginas, assinado pela empresa, que o fez chegar às mãos dos militares. O OI do CTA responsável por anexá-lo ao Informe nº 067/84-AI/CTA descreveu o conteúdo do documento da seguinte maneira: “O relatório – Cópia anexa – da Villares Indústrias de Base S/A, descreve com detalhes o acompanhamento da greve dos metalúrgicos em Pindamonhangaba – SP, de  02 Abr 84 até 23 Mai 84”. O Relatório Informativo da Villares é impressionante pela capacidade de apresentar um panorama das negociações e lutas operárias em quase todas as principais fábricas da região do Vale do Paraíba, demonstrando a abrangência da rede de inteligência a serviço das empresas:

“[Em 3 de abril de 1984] as firmas National, Ericsson, Bundy, Elevadores Cone, GM, dão início a uma greve denominada operação “Tartaruga”. No final da tarde aderiram Volks e Ford. Devido à crescente onda de paralisação de várias firmas, a Villares tomou medidas preventivas quanto à Segurança Patrimonial, escalonando nos postos críticos um reforço de guarda, permanecendo 24 horas armada, e dispositivo pronto para qualquer emergência.

Vários contatos foram feitos com a Polícia Militar e 2º Batalhão de Engenharia, ambos sediados em Pinda.

A Ford, após comunicação desta Segurança, informou que a situação geral evoluía para mais grave – Os funcionários do turno das 13:00 às 17:00Hs permaneceram parados e os das 17:00 resolveram abandonar o serviço às 20:00Hs do mesmo dia.

A Volks ainda permanecia na situação anterior, isto é, – trabalhando dentro das imposições do Sindicato, “Operação Tartaruga”.

A National continuava em greve: operação tartaruga.

GM – À noite do dia 3 para o dia 4, foram completamente bloqueados todos os portões bem como o prédio da Administração foi sitiado pelos funcionários grevistas daquela firma.

Permaneceram e pernoitaram na GM todos os funcionários mensalistas, Diretores e Gerentes que haviam entrado para trabalho normal.

Os mensalistas, que conseguiram entrar, não saíram, nem tão pouco os que queriam entrar o conseguiram. Várias reuniões foram feitas à noite do dia 3 para 4, com o objetivo de encontrar uma solução adequada entre empregador e empregado, nada foi resolvido até o dia 4, pois não chegaram a um acordo.”

(Informe nº. 067/84 -AI/CT A de 19 de junho de 1984. pp. 3-4. BR_AN_BSB_VAZ_049_0117_p0001-p0035.)

Além dessa “cobertura” das greves, o Relatório Informativo tem seus próprios anexos, que incluem materiais do sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos sobre a campanha salarial em diversas fábricas de sua base. Termina com uma conclusão, demonstrando que o monitoramento, bem como a troca de informações entre o empresariado e os organismos de segurança do Estado, eram partes de um esforço de elaboração estratégica para o enfrentamento econômico e político com o movimento operário e suas organizações.

Como conclusão desta seção do relatório, basta reforçar que as divisões que operamos entre tipos de “alvo” de monitoramento, como fica evidente, são meros recursos analíticos, artificiais por duas razões. A primeira é que, a cada caso concreto, é frequente que “as coisas se misturem”, já que os ativistas monitorados muitas vezes eram, ao mesmo tempo, operários, dirigentes sindicais, membros de organizações oposicionistas e eventualmente parlamentares, envolvidos em atividades políticas de muitos tipos. A segunda razão é a de que, para a “comunidade de informações” da Ditadura, quaisquer riscos à segurança (política e/ou patrimonial) configuravam objeto para monitoramentos, sem a necessidade de um comando individualizado ou de alguma diretriz específica para a abertura de uma investigação. Por ora, encerramos o tratamento da temática dos monitoramentos reproduzindo as truncadas conclusões a que chegava a Villares, que os praticava de maneira sistemática:

“CONCLUSÃO

– Pelo desenrolar dos acontecimentos e relatórios apresentados, pode-se notar perfeitamente que o Sindicato dos Metalúrgicos de Pinda, Taubaté não demonstrou interesse em realizar a greve, apenas quis dar uma demonstração de força e união, após ter sido menosprezado pelos funcionários da Villares, do turno administrativo dia 9/4/84, folha 06, e a falta de uma resposta conclusiva da Vibasa, da proposta apresentada pelo sindicato, além disso, observa-se perfeitamente pelo acordo aprovado e a dificuldade que o Sr. Luiz Carlos, Presidente do Sindicato teve para retornar à situação normal, forçando os funcionários a aceitarem o acordo.

– A Segurança Patrimonial vem observando a insatisfação causada em muitos funcionários, pois os comentários na área são feitos abertamente, inclusive, demonstram interesse em afastamentarem-se [SIC] do sindicato e outros estão pleiteando a mudança da Diretoria daquele órgão.

– Para a Segurança Patrimonial, notamos que somos carentes de meios adequados para reprimir uma greve.

– Nestas condições foram anotados os seguintes pontos vulneráveis:

a – Portaria Principal provissória [SIC] atual sem a mínima condições [SIC] de segurança, por falta de portões bem como a Portaria de Material.

b – Falta de um veículo próprio para guarda capaz de prestar serviços de emergência.

c – Falta telefone com linha privativa, pois a atual foi praticamente censurada ou usada pela Sub-Estação, colocando em risco as informações recebidas e expedidas.

d – Carência de iluminação junto à PP [Portaria Principal], cerca e estacionamento de visitantes,

e – Deficiência do efetivo [de] guarda [da] Villares.

f – Ineficiência [da] guarda contratada.”

(Informe nº. 067/84 -AI/CT A de 19 de junho de 1984. p. 34. BR_AN_BSB_VAZ_049_0117_p0001-p0035. Grifos nossos.)

Como conclusão desta seção do relatório, basta reforçar que as divisões que operamos entre tipos de “alvo” de monitoramento, como fica evidente, são meros recursos analíticos, artificiais por duas razões. A primeira é que, a cada caso concreto, é frequente que “as coisas se misturem”, já que os ativistas monitorados muitas vezes eram, ao mesmo tempo, operários, dirigentes sindicais, membros de organizações oposicionistas e eventualmente parlamentares, envolvidos em atividades políticas de muitos tipos. A segunda razão é a de que, para a “comunidade de informações” da Ditadura, quaisquer riscos à segurança (política e/ou patrimonial) configuravam objeto para monitoramentos, sem a necessidade de um comando individualizado ou de alguma diretriz específica para a abertura de uma investigação.