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TEORIA

Diário de Atenas – Os trotskistas e o Syriza – 9 de Julho

Conversei, hoje à tarde, como Sotires Martales, membro do Comitê Central do Syriza e do DEA (que significa em grego Esquerda dos Trabalhadores Internacionalistas) principal grupo trotskista do partido de Alex Tsipras. Nascido na diáspora grega do Egito, Sotiris em muito me impressionou pela ausência de qualquer ilusão na direção majoritária de seu partido. Não é por menos, enquanto conversávamos, mais concessões eram feitas por Tsipras à troika. “O comité executivo de nossa corrente está se reunindo duas vezes ao dia, de manhã e de noite, por causa da velocidade dos acontecimentos”, me dizia.

“Fala-se muito de como a experiência do Syriza, de unidade da esquerda, de como isto é uma grande maravilha… mas não é bem assim”, me explicava. “Nossa relação com o reformismo, nossos parceiros nesta frente única, é de amor e ódio”. A da DEA vem da tradição ligada a Tonny Cliff e o trotskismo britânico, associado à corrente internacional IST (Tendência Socialista Internacional) cuja principal referencia é o SWP inglês. Seu partido, no inicio dos anos 2000, rompeu com a secção oficial grega da IST, o SEK. Grupos de tamanho similar, enquanto o DEA faz parte do Syriza, o SEK constrói o Antarsya.

Porém todos, agora, estão de olho na esquerda do Syriza. Caso Tsipras aceite as imposições da Troika, o que eles farão? Afinal, com o acordo feito pela direção do Syriza com os partidos de direita que fizeram campanha pelo “sim” no referendo, o cenário para uma grande traição, isto é, impor a austeridade rejeitada no voto, parece montado. Sotiris, ao menos pelo sentimento que tive em nossa conversa, não me pareceu disposto a decepcionar.

Abaixo, os principais momentos de nossa entrevista.

Aldo Sauda: Quem é a DEA e qual a sua estratégia dentro do Syriza?

Sotiris Martales: DEA, cuja sigla significa Esquerda dos Trabalhadores Internacionalistas, é uma organização

Jornal do DEA

Jornal do DEA

revolucionária trotskista. Ainda no inicio dos anos 2000, decidimos aplicar a tática de frente única com um partido reformista daqui, o synaspismos, e alguns outros partidos centristas, para construir o Syriza. A ideia era dar uma resposta unitária aos ataques do neo-liberalismo e da classe dominante grega.

Aldo: Como vocês, enquanto Syriza, conseguiram sair de um partido com não mais de 3% dos votos para se tornarem a maior organização política da Grécia?

Sotiris: Ao longo dos últimos anos, nos construímos, politicamente, a partir da intervenção concreta na luta cotidiana da classe trabalhadora contra a austeridade. O ponto mais alto destas lutas foi entre 2010 e 2012. Nestes anos, foi imposto sobre os gregos duras medidas de austeridade.

Nossa classe respondeu com 35 greves gerais, três das quais duraram 48 horas, além de cercos intensos ao parlamento para impedir que se votassem os memorandos da Troika. Neste período também surgiriam grandes movimentos, como o de ocupação das praças, similar ao movimento dos indignados na Espanha, e o “não pago”, em que as pessoas se recusaram a pagar pedágios nas estradas privatizadas, contas de luz, e impediram que se cortassem a energia das casas em que não haviam pago as contas. Todos estes movimentos foram a base que sustentou o crescimento e a vitória do Syriza.

Muitos nos perguntam por que estes movimentos evoluíram das lutas sociais para uma solução partidária eleitoral? Na realidade foi uma resposta à brutalidade do estado. Foram utilizadas contra o povo muita violência policial, principalmente quando derrubamos dois governos, o do social-democrata Papandreus, do PASOK, e o governo tecnocrata do Papadimos. Mesmo com estas lutas, os trabalhadores não conseguiram derrotar as políticas de austeridade. Por isto eles giraram para procurar soluções eleitorais, e o fizeram instrumentalizando o Syriza. A razão pela qual optaram pelo Syriza, e não o partido comunista grego, o KKE, que era o dobro de nosso tamanho entre 2010 e 2012, foi por três razões.

A primeira é que o Syriza apoiou e participou de todas as lutas, ao contrario do KKE. Eles tinham uma politica sectária, não participando das mobilizações sindicais, organizando sempre atos separados. Eles também não participaram nem apoiaram a ocupação das praças, alegando que era um ato pequeno- burguês. Segundo, o Syriza chamou a unidade da esquerda contra a austeridade, atraindo muitos independentes. Por fim, por que o Syriza deu uma solução alternativa para o povo, chamando por um governo de esquerda. Demos uma resposta concreta à sociedade enquanto ao mesmo tempo o KKE falava que primeiro precisava alterar a correlação de forças e muito mais para frente, quem sabe, em uma vida futura, sairemos vitoriosos para ter uma democracia popular.

Por estas três razões o povo e a classe trabalhadora escolheram o Syriza, votaram no Syriza e em 2012 o partido foi de 4.5% dos votos para 27%. Em janeiro de 2015 atingimos a maioria parlamentar de hoje, ganhamos 36% dos votos e tomamos a direção do governo.

Aldo Sauda: Você nos mencionou o KKE e o peso do stalinismo na sua vertente ultra-esquerdista aqui na Grécia. Porem, qual o peso do trotskismo e das outras correntes do marxismo grego?

Sotiris Martales em atividade da campanha de Zé Maria (PSTU) para presidente da república, 2010.

Sotiris Martales em atividade da campanha de Zé Maria (PSTU) para presidente da república, 2010.

Sotiris: Na Grécia a esquerda tem muita tradição. Depois da segunda guerra mundial houve um processo revolucionário e uma guerra civil, a esquerda tornou-se majoritária em todo pais. Porem, com apoio dos imperialistas da Inglaterra e dos EUA, a esquerda foi esmagada militarmente.

Nove anos depois, em 1978, o EDA, que significa Esquerda Democrática Unida, foi a principal força da oposição, com 28% dos votos. Em outras palavras, as massas, mesmo nas condições difíceis da ditadura, que durou sete anos, entre 1967 a 1974, mantiveram uma tradição de esquerda.

Na Grécia existe algo em torno de 45 organizações marxistas. A maior era o Partido Comunista (KKE) e o Partido Eurocomunista (KKE Interior). Hoje, obviamente, o Syriza é a maior força da esquerda. Existem no Syriza organizações trotskistas como o DEA, ex-maoistas, como o KOE, rupturas da tradição stalinista, ou grupos de origem eurocomunista. Todos estes juntos, e mais outros que se juntaram ao Syriza, movidos pela esperança de que era possível, pela via da unidade, derrotar a austeridade, fizeram este partido. Segundo o senso partidário do ultimo congresso, estamos com 35 mil membros.

Aldo: Hoje o Syriza está no governo, mas para isto, tiveram de fazer um acordo com o partido burguês de direita, conhecidos como Gregos Independentes. Como os companheiros do DEA interpretam esta opção tomada pela direção majoritária do Syriza? Qual foi a posição do DEA frente a isto?

Sotiris: Primeiro, é importante se ter claro que o partido Gregos Independentes é de fato um partido de direita, mas há elementos particulares neles. Primeiro, eles são um racha do partido tradicional da direita, mas um racha baseado na rejeição ao memorando da austeridade.

Por oposição às politicas da troika, durante todos os anos antes das eleições os gregos independentes, mesmo sendo conservadores, apoiavam tudo que se colocava contra a austeridade e contra o memorando. Isto, portanto, criou uma configuração estanha. Por exemplo, eles defendem em geral as privatizações, mas se as privatizações vêm como medida dos acordos com a Troika, eles são contra. Então os Gregos Independentes tem estes elementos particulares que é importante que o público saiba.

Dito isto, para nós, do DEA, desde o inicio acreditávamos e lutámos, assim como continuamos lutando, contra qualquer aliança desta natureza. O Syriza tem 149 deputados no parlamento. Para se eleger o primeiro ministro, precisa-se de 151 deputados de um universo de 300 membros do parlamento. Precisávamos de dois deputados a mais. Poderíamos ter feito a opção de negociar isto com o KKE. Nossa proposta à direção do Syriza é que devíamos ter chamado o KKE para uma negociação.

Obviamente, o partido comunista antes das eleições e até mesmo depois delas seguiu uma linha sectária na qual se recusaram qualquer acordo com o Syriza. Mas a decisão de fazer uma aliança com os Gregos Independentes retirou a pressão sobre o PC. Se tivéssemos insistido, e posto o KKE na parede, dizendo que caso não houvesse acordo no Syriza chamaria novas eleições, o KKE iria ceder. Na pior das hipóteses haveria novas eleições e certamente ganharíamos a grande maioria dos votos necessários para superar a marca dos 151 deputados.

Esta era uma solução muito melhor do que fazer esta aliança estranha, entre um partido radical de esquerda e outro, conservador de direita.

Aldo: E qual a posição de vocês em relação ao governo? Vocês integram o governo de Tsipras?

Sotiris: Não. Desde o inicio dissemos, este não é um governo dos trabalhadores, e nem mesmo um governo de esquerda. Não há espaço, portanto, para o DEA dentro dele. O próprio Tsipras falou, este é um governo de salvação nacional, e eu concordo com esta avaliação, com este titulo. Portanto, apoiamos o governo, mas não o integramos porque ele inclui setores que não são da classe trabalhadora. Para nós, isto foi uma decisão muito clara e muito direta desde o inicío do processo.

zdea

Gráfica da DEA, em Atenas

Aldo: Em fevereiro o Tsipras captulou à troika, aplicando um programa que continuava a austeridade. Hoje, mesmo com a vitória do “oxi” no plebicito, o Tsipras tem anunciado aos credores que irá realizar concessões, inclusive propondo acordos com a direita parlamentar que foi derrotada eleitoralmente na campanha pelo “sim”. Caso Tsipras capitule novamente à troika e a burguesia grega, o que vocês farão?

Sotiris: Desde o começo deixamos claro que não aceitaremos nenhuma medida que continue as políticas de austeridade da troika. Batalharemos e votaremos contra estas medidas nos órgãos de direção intermediaria, no Comitê Central do partido e, caso ele vá para votação no Congresso Nacional, os deputados do DEA irão votar contra qualquer concessão à austeridade.

Desde o inicio tivemos esta linha e será esta linha coerente com nosso programa que iremos manter. Assim temos feito desde o inicio do governo. Quando Tsipras tomou decisões como a nomeação de uma figura da direita para a Presidência da Republica, nos opusemos a esta politica no parlamento. Fomos o único grupo no partido em que a bancada parlamentar se recusou a votar por um presidente conservador.

A linha do DEA no Syriza sempre foi muito clara na forma com que trabalhamos. E todos, tanto os membros do Syriza como a classe trabalhadora em geral, sabem o que esperar de nós dentro do parlamento.

Aldo: Há muita esperança no mundo com a com a vitória do “OXI”, mas parece que a estrada para o socialismo ainda esta distante. Como você entende este processo de transição, partindo de onde estamos hoje?

Sotiris: O socialismo é o objetivo estratégico não apenas do DEA, mas também do Syriza. O estatuto do Syriza deixa isto claro. A primeira e principal parte do documento de fundação, inclusive, descreve como o Syriza compreende o socialismo e inclusive realiza uma analise e tenta dar respostas do porque o socialismo foi derrotado na União Soviética e quais as compreensões que temos do stalinismo.

Então, até o próprio Syriza reivindica o socialismo. Nossa visão, enquanto DEA, é que o Syriza, ao estar no governo, abre oportunidades para a classe trabalhadora evoluir em direção a transição socialista. Ele ajuda as forças sociais a acumularem politicamente para que possam se mover mais a esquerda, assim como toda a sociedade. Hoje, temos os problemas com os credores, mas conseguimos, pela nossa localização privilegiada, abrir junto à classe a questão da estatização dos bancos. Você consegue ter uma plataforma especial para debater com a classe e caminhar para elevar sua consciência. Por isto que nos envolvemos nesta experiência que é o Syriza, mesmo sabendo de todas as usas limitações.